Como já sabemos, a América Latina é a região com mais desigualdade do mundo. Esta falta de equidade que caracteriza a região é, sem dúvida, uma barreira importante para seu desenvolvimento econômico. Por que é tão difícil para nós reduzir a desigualdade de maneira sustentável?
A principal razão pela qual a América Latina não consegue reduzir a desigualdade é a precariedade do sistema tributário e sua escassa força redistributiva. De acordo com dados do Banco Mundial, os países latino-americanos têm a menor pressão fiscal. Enquanto a média dos países da OCDE é de cerca de 35%, a média latino-americana está próxima do 20%. E sem impostos não há igualdade. Como explica o economista Claudio Lozano no artigo Sin impuestos no hay igualdad, publicado na revista Nueva Sociedad, a baixa pressão fiscal na América Latina impede uma redistribuição séria na região. Segundo o relatório, El imperativo de la igualdad, da CEPAL, enquanto nos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a desigualdade segundo o índice de Gini diminui 17% após a ação fiscal direta, nos países latino-americanos a queda alcançada após impostos diretos e transferências públicas é de apenas 3%. De fato, em muitos países da região, os sistemas tributários não só foram historicamente modestos em sua redistribuição, como também se tornaram globalmente regressivos; aqueles com maiores rendimentos pagaram comparativamente menos impostos do que aqueles com menores rendimentos.
as melhorias na distribuição da riqueza não foram resultado de progressos nos sistemas fiscais.
Mesmo os governos progressistas que governaram em vários países da América Latina nos últimos anos, embora tenham conseguido ganhos significativos na distribuição de renda, não conseguiram reformas tributárias substanciais. Em maior ou menor grau, a desigualdade caiu nas últimas décadas em vários países da região, incluindo Brasil, Equador, Bolívia, Nicarágua e Argentina. Mas as melhorias na distribuição da riqueza não foram resultado de progressos nos sistemas fiscais. A redistribuição está vinculada principalmente a subsídios financiados por outros tipos de rendimentos, como os gerados pela exploração mineira e pela exportação de matérias-primas. Apoiando-se no boom das commodities e nos sistemas de subsídios que podem facilmente desaparecer, a redistribuição da riqueza na América Latina não tem uma base sólida. E com o retorno dos governos de direita a muitos países da região, as reformas certamente estarão alinhadas com uma redução de impostos e menos redistribuição fiscal.
Os economistas de hoje sabem que a alta desigualdade é uma grande barreira para o desenvolvimento econômico. E a América Latina não é excepção. Estruturas desiguais, herdadas da época colonial, têm impedido os países latino-americanos de aproveitar ao máximo suas possibilidades. Só incluindo toda a população no progresso econômico é que um país pode crescer de forma sustentada. E para isso, é essencial um setor público forte com capacidade redistributiva. O seu papel no desenvolvimento econômico e social tem sido evidente ao longo da história. Tanto os países europeus como as economias bem sucedidas do Sudeste Asiático começaram a crescer de forma constante após terem conseguido redistribuir a riqueza e fazê-lo através de sólidos mecanismos fiscais. Todos os países desenvolvidos, mesmo os mais neoliberais, estão conscientes da importância de um sistema fiscal forte e progressivo. Só com um sistema fiscal sólido e um pacto social onde os que mais têm contribuam, será possível financiar bens públicos essenciais, como infra-estruturas, serviços públicos e instituições eficientes, e conseguir uma identidade nacional que vá além das cores e das bandeiras.
A aversão ao pagamento de impostos na América Latina é uma constante e, ao mesmo tempo, uma carga histórica. Em geral, as classes alta e média-alta não sentem a obrigação moral de contribuir para os cofres públicos, nem estão conscientes da sua importância, não só para reduzir a desigualdade, mas também para o bom desempenho econômico do país no seu conjunto. Isso porque, para muitos latino-americanos, falar de impostos é sinônimo de estatismo, desperdício e ineficiência, e a redistribuição, um conceito completamente alheio às responsabilidades individuais.
As consequências da nossa incapacidade de compreender o bem coletivo e de não atacar decisivamente a desigualdade são graves. Uma sociedade desigual é uma sociedade fraturada. E isso se traduz em posições políticas extremas, que por sua vez geram conflitos sociais permanentes. Brancos versus crioulos, liberais versus conservadores, cidades versus o campo, empresários versus trabalhadores, esquerda versus direita… persistentemente condenados ao conflito recorrente que não nos permite progredir.
Foto de Oscar Andrés PV on Trend Hype / CC BY
Autor
Professor da Univ. Autônoma de Barcelona. Doutor em Economia pela Univ. de Barcelona. Mestre em Desenvolvimento pelo Centro de Assuntos Internacionais de Barcelona (CIDOB). Especializado en economia internacional y economia urbana.