Co-autora Melany Barragán
A “Pátria Grande” com a qual Bolívar sonhou há mais de dois séculos ainda é uma quimera. Apesar do avanço da globalização, da proliferação de organizações internacionais ou do desenvolvimento de experiências de integração, como a União Europeia, a América Latina segue sem encontrar as chaves para articular um processo comunitário de sucesso.
Nem os processos de bonança nem as conjunturas críticas permitiram que os diferentes países da região se reunissem para criar um projeto comum. E, a curto prazo, nem a crise sanitária ou econômica que o mundo está atravessando, nem a nova etapa que se abre com a transição de poder de seu vizinho do norte, parecem estar alterando a situação. Enquanto crises e guerras foram uma oportunidade de unir os povos no passado, a América Latina continua deixando passar as ocasiões.
Precedentes de integração
Seria um erro negar que foram dados passos nessa direção. As conferências pan-americanas, promovidas pelos Estados Unidos durante a primeira metade do século XX, começaram a moldar um sistema de cooperação técnica e comercial na região, assim como uma diplomacia hemisférica que se materializou com a criação da Organização dos Estados Americanos (OEA). Posteriormente, na segunda metade do século passado, os países latino-americanos começaram a desenvolver suas próprias organizações de integração. Muitos deles surgiram com o objetivo de priorizar as áreas de livre comércio entre os países signatários e, com o tempo, buscaram aprofundar os processos de interdependência, estabelecendo uniões aduaneiras e mercados comuns.
Foi durante este período que surgiram organizações como a Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC), a Associação Latino-Americana de Integração (ALADI) e o Sistema Econômico Latino-Americano e Caribenho (SELA, 1975). Organizações intergovernamentais como a Comunidade Andina de Nações (CAN) ou o Mercado Comum do Sul (Mercosul) também começaram a proliferar.
No século XXI, o processo não parou e novas organizações surgiram, como a Aliança Bolivariana para os Povos das Américas (ALBA), a União das Nações Sul-Americanas (UNASUL) e a Comunidade dos Estados da América Latina e Caribe (CELAC). O mais recente é o Fórum para o Progresso da América do Sul (PROSUL), criado por iniciativa de Sebastián Piñera em resposta à suspensão temporária e à saída de alguns países da UNASUL.
Durante este período, alguns líderes latino-americanos aproveitaram estas experiências para evocar o simbólico e lembrar o sonho de Bolívar, evocando um futuro no qual os países latino-americanos não só estariam unidos por acordos econômicos, mas também compartilhariam um projeto político comum. Outros, menos emotivos, viram a União Europeia como um espelho no qual se olham a si mesmos a fim de proporcionar maior estabilidade e segurança à região.
Numerosas iniciativas com o mesmo objetivo
Entretanto, o paradoxo é o alto número de iniciativas que buscam o mesmo fim. Se somarmos todas as experiências promovidas, tanto as que ainda estão em operação como as que já expiraram, descobrimos que existem quase tantos projetos comuns quanto os países da América Latina. Parece que nunca houve uma tentativa real de gerar uma maior interdependência e consolidar um processo de integração regional.
De um olhar superficial, pode-se até dizer que a criação de muitas dessas organizações foi o resultado das pretensões de atores políticos que usaram imaginários de unidade para tentar se posicionar como baluartes da “verdadeira integração”. A integração tem se baseado mais em questões de concordância ideológica entre os formuladores de política externa do que em uma verdadeira política de Estado.
Mas existem causas mais profundas por trás desta visão. A existência de projetos políticos e estratégias de desenvolvimento díspares nos países do continente, a forte dependência dessas iniciativas dos ciclos políticos, a relutância dos Estados em ceder a soberania aos organismos supranacionais e a tendência histórica de olhar mais para os Estados Unidos do que para os povos vizinhos têm sido o verdadeiro freio à unidade latino-americana.
Eu os desafio no processo de integração
Por que é difícil reverter esta situação? Embora existam inúmeras causas, as seguintes devem ser destacadas. Em primeiro lugar, a grande heterogeneidade da região. Em segundo lugar, do ponto de vista econômico, é importante destacar a escassa interdependência econômica entre os diferentes países, a ausência de um país com um desenvolvimento industrial que permita que outros Estados da região sejam seus fornecedores de matérias-primas e a concorrência entre eles para colocar suas matérias-primas nos mercados internacionais.
Finalmente, na dimensão político-institucional, vale mencionar o forte presidencialismo, a excessiva desconfiança na preservação da soberania nacional, a baixa institucionalização dos sistemas políticos e as constantes oscilações ideológicas. Tudo isso dificulta a geração de condições ideais para a integração. Por mais que sejam criados órgãos e instituições supranacionais, no final algumas se sobrepõem a outras e a região não consegue se apresentar na ordem internacional como um interlocutor único. Nem mesmo nas questões que são de interesse comum para toda a América Latina.
O desafio da integração regional é enorme. Apesar da implementação de inúmeras iniciativas, faltam condições e vontade política para conciliar os interesses da região. Entretanto, a integração pode ser uma solução para muitos dos problemas da região. Ela pode abrir caminho para um aprofundamento das relações comerciais, o desenvolvimento e fortalecimento dos setores de serviços e industriais, a criação de empresas multinacionais capazes de gerar investimentos privados nesses países e o desenvolvimento de uma maior coesão política em questões de grande importância para este século, tais como segurança, educação e acesso às tecnologias da informação.
*Tradução do espanhol por Maria Isabel Santos Lima
Autor
Doutorando na Universidade de Salamanca (Espanha). Mestre em Relações Internacionais pelo Instituto de Altos Estudios Nacionales (Equador) e em Ciência Política pela Univ. de Salamanca.