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A exploração de lítio significará um novo despejo dos povos originários?

A América do Sul está em meio à concorrência global pelo lítio, portanto, seus cidadãos precisam estar cientes dos impactos ambientais e sociais das fontes de energia que fazem parte dos planos de desenvolvimento de seus governos.

Muito se fala sobre a necessidade de uma matriz energética limpa para os países como parte de um modelo de desenvolvimento sustentável e livre das emissões de carbono. Portanto, há muita pressão da governança global para que os países assumam compromissos para reduzir seus níveis de CO2. Nesse contexto, o lítio como mineral para a produção de baterias automotivas para substituir os carros a combustão é cada vez mais disputado no cenário internacional. Entretanto, sua extração não é tão limpa quanto se anuncia e se deseja. Portanto, cabe perguntar: quão estratégico é o lítio para os países sul-americanos?

No norte da Argentina, nas províncias de Jujuy e Salta, as comunidades indígenas da puna (Bacia de Salinas Grandes e Lagoa Guayatayoc) ainda estão exigindo, depois de décadas, títulos de terras, das quais estão sofrendo despejos e exclusão, apesar dos acordos entre o governo da província e as grandes empresas de extração de lítio.

O acesso ao território foi uma forma de reparação histórica do Estado pela desapropriação sofrida pelas comunidades com a chegada da colonização europeia. Entretanto, atualmente, apesar do importante papel que os povos indígenas desempenham na manutenção da vegetação nativa e de sua sabedoria inovadora (não científica) para a coexistência harmoniosa com o ecossistema terrestre, muitos governos não respeitam seus territórios e direitos.

Photo de Ricardo de Carvalho Jatobá

Na Argentina, como em vários outros países, essas comunidades têm certos direitos garantidos na reforma constitucional de 1994, com base na Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), que estabelece a consulta livre, prévia e informada aos povos indígenas e tribais sobre o futuro de suas vidas e territórios, quando necessário. Esse acordo internacional foi ratificado em 1989, juntamente com outros 15 países latino-americanos.

Na prática, porém, as autoridades autorizam atividades extrativistas e cultivo agrícola em territórios indígenas sem consulta ou participação nas negociações. Essa é uma constante entre os países latino-americanos que continuam a se concentrar na exportação de produtos primários, como grãos e metais, devido à demanda global, mesmo que isso tenha impactos ambientais e sociais a médio e longo prazo.

A narrativa atual que promove o uso de carros elétricos para substituir o uso de combustíveis fósseis a fim de evitar as emissões de gases de efeito estufa, no entanto, é confusa e equivocada. Os carros elétricos precisam de baterias que são feitas de lítio, um metal amplamente encontrado na Argentina, Bolívia e Chile, que representam cerca de 85% das reservas mundiais. Mas esses três países que fazem parte do “triângulo do lítio”, em parte e com enormes diferenças, não estão prontos para se beneficiar da industrialização, nem para mitigar os impactos negativos de sua extração.

O que poderia ser uma oportunidade para a cooperação Sul-Sul, de acordo com o anúncio de Evo Morales no passado, tornou-se uma ameaça para os governos desses países e uma nova desapropriação dos povos originários. Não há participação das comunidades indígenas na elaboração, no monitoramento e na avaliação dos planos de desenvolvimento nacionais ou provinciais, nem é possível priorizar o interesse público em detrimento dos interesses privados e estrangeiros.

Photo de Ricardo de Carvalho Jatobá

De acordo com Florencio, um indígena que se manifestava em (data) em (local), a demanda das pessoas afetadas pelas energias renováveis não é radical. Não se trata de continuar a carbonização da economia global ou parar a produção de telefones ou carros elétricos, mas de ouvir as pessoas a quem esses territórios e conhecimentos pertencem e envolvê-las na tomada de decisões. Dessa forma, pelo menos as desvantagens podem ser compensadas por atividades que reduzam os danos e os riscos à terra e às comunidades.

Esse é o “interesse nacional” que é tão difícil para nossos líderes assumirem no cenário político internacional. E existe a preocupação de que a nova narrativa implique nada mais do que uma repetição histórica do colonialismo e uma nova desapropriação dos povos indígenas da região.

Os povos indígenas têm a chave para mudar o modelo de desenvolvimento dos países. Portanto, é importante reconhecer a natureza política da questão. Isso significa recuperar o papel dos Estados na mediação entre o mercado e a sociedade e no planejamento do desenvolvimento com a participação das diferentes partes interessadas. Isso é essencial para não promovermos uma transição energética que acabe beneficiando apenas uma elite global.

Portanto, deveríamos mudar o adjetivo “limpa” para “renovável”. O conceito de “energia limpa” confunde a opinião pública, pois omite os problemas da contaminação do meio ambiente, do uso intensivo de água, dos impactos sobre a saúde das comunidades indígenas locais e do deslocamento de povos.

Autor

Pesquisadora, professora e pós-doutoranda CAPES na Universidade Federal de Goiás (UFG), ativista e profissional da cooperação internacional Sul-Sul no Centro de Estudos e Articulação da Cooperação Sul-Sul (ASUL), atualmente é orientadora substituta do CONSEA

Administrador com 25 anos de experiência no Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) no Brasil.

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