As recentes declarações do empresário mexicano Ricardo Salinas Pliego, um dos mais ricos do país, sobre uma possível candidatura à presidência do México em 2030 não são só mais uma notícia política. São a manifestação de um padrão regional perigoso que a América Latina tem experimentado nas últimas décadas: a sedução dos empresários transformados em salvadores políticos. Sua promessa de fazer “o que for necessário” pelo México lembra outros magnatas que prometeram administrar países como empresas exitosas, o que sempre acaba evidenciando que a democracia não funciona segundo as regras do mercado.
A ilusão da eficiência empresarial
A crise de representação política na América Latina é terreno fértil para o florescimento de narrativas sedutoras: se esses homens construíram impérios empresariais, certamente poderão “consertar” países inteiros. Essa lógica ignora uma diferença fundamental entre administrar uma corporação e governar uma democracia. Em uma empresa, as decisões são verticais e os objetivos são claramente definidos pelo lucro. Em uma democracia, o poder deve ser compartilhado, negociado e exercido pensando no bem comum, não na maximização dos lucros.
A experiência regional demonstrou que essa diferença não é meramente teórica. É a linha divisória entre o sucesso democrático e o fracasso autoritário.
Equador: a promessa inconclusiva do presidente mais jovem
Daniel Noboa representa o caso mais recente desse fenômeno regional. Filho de um magnata da banana, chegou ao poder em 2023, aos 35 anos, como o presidente mais jovem da história do Equador, com credenciais acadêmicas de Harvard e da NYU e a promessa de resolver a crise de segurança que asfixiava o país.
Sua resposta à crise tem sido predominantemente militarista: declaração de “conflito armado interno”, mais de 120.000 operações conjuntas da polícia e do exército nos primeiros seis meses e a detenção de quase 35.000 pessoas. Mas enquanto implementava essas medidas de “mão dura”, o investimento em saúde caiu 8% e os gastos com educação estagnaram durante seu primeiro ano de governo.
O caso equatoriano revela um paradoxo fundamental: a capacidade de tomar decisões executivas rápidas colide com a complexidade dos problemas estruturais que exigem soluções integrais. A crise de segurança no Equador não é só um problema policial, mas o sintoma de profundas desigualdades econômicas, instituições debilitadas e ausência de oportunidades para milhões de jovens. Problemas que não se resolvem com a lógica empresarial da eficiência e dos resultados imediatos.
Argentina: quando o gradualismo se transforma em estagnação
O caso de Mauricio Macri na Argentina representa talvez a lição mais clara de por que os empresários não são necessariamente melhores administradores do Estado. Ele chegou ao poder em 2015 com credenciais impecáveis: havia dirigido com sucesso o Boca Juniors e sido chefe do governo de Buenos Aires. Sua proposta era simples e atraente: aplicar a eficiência empresarial para resolver os problemas crônicos argentinos.
Quatro anos depois, a Argentina estava pior do que quando Macri assumiu. A inflação havia disparado, a pobreza havia aumentado e o país havia caído em uma recessão profunda. Sua “revolução da alegria” terminou em uma derrota eleitoral contundente. O projeto que havia sido planejado “para 20 anos” desmoronou em menos de um mandato presidencial.
Chile: prosperidade sem legitimidade
Sebastián Piñera, o empresário mais rico do Chile, teve duas oportunidades de demonstrar que os magnatas podiam governar melhor. Seu primeiro mandato teve alguns indicadores econômicos positivos, mas seu segundo mandato revelou as profundas fissuras de um modelo que priorizava o crescimento acima da equidade social.
A explosão social de outubro de 2019 não foi um acidente. Foi a explosão de décadas de descontentamento acumulado sob um modelo que, embora gerasse riqueza, a concentrava em poucas mãos. Piñera, com uma fortuna de US$ 2,9 bilhões, personificava exatamente aquilo contra o que os chilenos protestavam: a extrema desigualdade disfarçada de êxito econômico.
Brasil: Quando o “empresarialismo” abraça o autoritarismo
O caso de Jair Bolsonaro ilustra para onde podem derivar os governos que priorizam a lógica empresarial acima da democrática. Embora tecnicamente não fosse empresário, seu governo funcionou exclusivamente para beneficiar o setor privado, implementando políticas que favoreciam as corporações enquanto a violência, a pobreza e a polarização social aumentavam.
A gestão de Bolsonaro demonstrou as consequências mais extremas da aplicação da mentalidade empresarial ao Estado: concentração de poder, desprezo pelas instituições democráticas e subordinação sistemática do interesse público aos interesses do capital.
Os riscos estruturais dos magnatas no poder
A pesquisa acadêmica sobre esse fenômeno identificou padrões consistentes. Primeiro, a “captura do Estado” é inevitável quando quem tem interesses econômicos específicos obtêm acesso direto ao poder político. Segundo, os empresários carecem da cultura democrática necessária para governar, oriundos de estruturas hierárquicas onde a tomada de decisões é unilateral. Terceiro, quando os líderes empresariais mais ricos conquistam poder político, ocorre uma concentração perigosa que ameaça os fundamentos democráticos.
A América Latina já enfrenta níveis extremos de desigualdade, com apenas 106 indivíduos acumulando mais de US$ 565 bilhões. Essa concentração de riqueza, combinada com o acesso direto ao poder político, cria uma oligarquia onde prevalece a lógica de “um dólar, um voto” em vez de “uma pessoa, um voto”.
O Caso Salinas Pliego: México na Encruzilhada
Ricardo Salinas Pliego personifica todos esses riscos estruturais. Seu confronto aberto com as instituições fiscais mexicanas, seu uso da mídia como ferramenta política pessoal e seu flerte com movimentos globais de extrema direita o posicionam como uma versão mexicana dos empresários autoritários que fracassaram miseravelmente em outros países da região.
Sua retórica populista, apresentando-se como vítima de “perseguição política” enquanto sonegava impostos multimilionários, demonstra a mesma hipocrisia que caracterizou outros magnatas que se tornaram políticos. Sua promessa de fazer “o que for preciso” pelo México soa perigosamente similar à retórica messiânica de outros outsiders que acabaram prejudicando profundamente seus países.
A lição regional
A experiência latino-americana do século XXI forneceu evidências contundentes de que empresários não são melhores administradores do Estado do que políticos profissionais. O México tem a oportunidade de aprender com essas experiências. A democracia não precisa de magnatas para administrá-la como empresas privadas; precisa de instituições fortes, políticos com experiência democrática e um compromisso genuíno com o pluralismo e o bem comum.
A mensagem deve ser clara: a América Latina não precisa de mais experimentos com empresários autoritários disfarçados de reformadores democráticos. A região precisa fortalecer suas instituições democráticas, não entregá-las àqueles que veem esses países como oportunidades de negócios.
Tradução automática revisada por Isabel Lima