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A insustentável leveza da nuvem

A capacidade chinesa de criar soluções de baixo custo no campo da tecnologia digital ajuda a pressionar os atuais líderes de mercado na busca por soluções tecnológicas menos destrutivas ao meio ambiente.

Com a disseminação da cloud computing (ou computação em nuvem) nos últimos anos, parece que saímos da modernidade líquida do famoso sociólogo Zygmunt Bauman para adentrarmos na modernidade gasosa. Dados pessoais, cadastros governamentais, transações comerciais, propriedades industriais e segredos militares, tudo parece estar salvo – e a salvo – na chamada “nuvem”.

A nuvem, termo que sugere uma leveza diáfana (e que, por isso mesmo, se adequa perfeitamente à gramática ideológica das big techs), na verdade remete a uma gigantesca rede de data centers, grandes instalações de servidores físicos espalhados por diferentes regiões do mundo e conectados por meio da internet. Esses data centers que compõem a nuvem são usados para armazenar, processar e distribuir dados e aplicações para usuários, empresas e governos. Para funcionar com eficiência, a nuvem conta com sistemas de resfriamento e energia, além de demandar o uso de óleos e lubrificantes derivados de petróleo, para manutenção do equipamento, e de minérios como silício, cobalto, lítio e cobre (dentre outros) para a construção de hardware (computadores, smartphones etc.).

O desenvolvimento da Inteligência Artificial (IA) tem aumentado de forma exponencial a necessidade do setor tecnológico de consumo de água, óleos e minérios, usados para alimentar o cada vez mais insustentável apetite da nuvem. A computação em nuvem é essencial para suportar a infraestrutura da IA moderna, e por isso novas soluções precisam ser buscadas por uma indústria que tem como característica o fato de ser inovadora e disruptiva.

É nesse contexto que o recém empossado presidente Donald Trump decreta emergência energética nos Estados Unidos assim que assume o cargo, repetindo o seu mantra “perfure, baby, perfure”. Essa declaração de emergência nacional permite a flexibilização de regulamentações ambientais naquele país, facilitando a abertura de novas áreas para exploração de combustíveis fósseis por meio da perfuração e extração de petróleo (chamado por Trump de “ouro líquido”) e gás. A solução de Trump para resolver problemas do século XXI, pelo visto, é voltar ao século XIX.

Do outro lado, literal e metaforicamente, uma empresa chinesa ultrapassou o Chat GPT em número de downloads na App Store. Trata-se da startup de tecnologia DeepSeek, sediada em Hangzhou, na China, que recentemente lançou um assistente digital gratuito que usa menos dados e custa uma pequena fração (quase 20 vezes menos) dos modelos de empresas de IA populares, como os da OpenAI, Google ou Meta. A notícia fez despencarem as ações da Nvidia, principal fornecedor norte-americano de chips de IA, que vinha em franca ascensão nos últimos dois anos. Meta, Alphabet e Oracle foram outras empresas que viram seus papéis derreterem no mercado perante o bom desempenho da DeepSeek.

É bom que a capacidade chinesa de criar soluções de baixo custo no campo da tecnologia digital ajude a pressionar os atuais líderes de mercado na busca por soluções tecnológicas menos destrutivas ao meio ambiente, além de permitir que startups e empresas menores de outros cantos do mundo acessem IA com menor barreira de entrada, aumentando a competição global.  Pode ser inclusive o nosso caso, já que o Brasil aprovou, durante a 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, no ano passado, o Plano Brasileiro de Inteligência Artificial 2024-2028. Com uma previsão de investimento da ordem de R$ 23 bilhões ao longo de quatro anos, o ambicioso plano brasileiro nutre a pretensão de elevar o país à condição de referência mundial em inovação e eficiência no uso de IA. O alcance desse objetivo, é claro, envolve a preferência por soluções tecnológicas mais baratas e ecologicamente mais sustentáveis, como as encontradas por nosso importante parceiro comercial do leste.

Se a China, lá da região do sol nascente, puder diminuir a demanda global por energia e assim contribuir para que boa parte da sólida malha de data centers se desmanche no ar, a diminuição de nuvens pode fazer com que o futuro da inteligência artificial viva dias mais ensolarados.

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Pesquisador do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT) e professor do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação do IBICT/UFRJ.

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