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A sustentabilidade e a vida interior das pessoas

A crise ambiental que o mundo atravessa é, em grande medida, fruto de um comportamento individualista que não leva em consideração o bem-estar da sociedade como um todo. Desde fazendeiros que fazem uso excessivo de agroquímicos que poluem o solo e a água, até agentes imobiliários que desmatam para especular com o preço da terra e pescadores que desrespeitam cotas e áreas fechadas, são muitos os exemplos de decisões que degradam o meio ambiente.

Embora haja cada vez mais informações que evidenciam as consequências desses comportamentos, a degradação da natureza persiste e se acelera. Por que isso acontece? Uma possível resposta é que não estamos atacando a raiz do problema. Como sociedade, continuamos a implementar soluções superficiais em vez de buscar mudanças profundas.

A pesquisa e a gestão da sustentabilidade têm se concentrado em processos ecológicos, mercados econômicos, estruturas sociais e dinâmicas políticas. Em outras palavras, concentram-se em fatores que fazem parte da “realidade externa” das pessoas e negligenciaram e ignoraram a profunda influência e a capacidade transformadora da “vida interior” das pessoas – suas emoções, valores, crenças e identidades.

Nosso grau de conexão individual com a natureza, tanto física quanto psicológica, influencia fortemente o impacto da sociedade sobre o meio ambiente. Embora essa seja uma tendência clara, só recentemente começamos a ver evidências científicas da perda de conexão com a natureza em nível global e suas consequências. Por exemplo, a desconexão com a natureza nos priva de benefícios à saúde e ao bem-estar geral, além de bloquear emoções, atitudes e ações positivas de cuidado do meio ambiente.

Algumas práticas não acadêmicas, como as religiões, têm dado muito mais atenção à influência que a “vida interior” das pessoas tem sobre a sustentabilidade do que as próprias ciências dedicadas a esta disciplina. O Papa Francisco, por exemplo, observa em sua Encíclica Laudato Si, que “a crise ecológica é um chamado para uma profunda conversão interior”. Da mesma forma, em sua Ética para o Novo Milênio, o Dalai Lama propõe que uma maior atenção à nossa vida interior nos conduziria a uma maior felicidade e estabeleceria a base para a construção de uma comunidade global mais ética e sustentável.

As dimensões da “vida interior” das pessoas têm sido negligenciadas pelas ciências da sustentabilidade, em parte porque os pesquisadores não podem abordá-las na ciência tradicional, ou seja, como se fossem independentes do objeto de estudo. A investigação e a gestão do vínculo entre emoções, valores, crenças, identidades e ações sobre o meio ambiente exigem a observação e o monitoramento de nossa própria vida interior de forma honesta e comprometida. Só assim poderemos refletir sobre o “porquê” de nossos comportamentos e identificar “quem” promove a sustentabilidade e quem não promove.

Como as ciências da sustentabilidade não levaram em consideração a profunda relação entre a “vida interior” das pessoas e o impacto de suas ações, muitas das políticas elaboradas não buscam deslocar os valores que estão na base dos problemas ambientais. Muitas até os incluem em suas estratégias. Um exemplo disso são os incentivos fiscais para promover produtos “verdes” ou “sustentáveis”, como carros elétricos. Essas políticas apelam implicitamente à ganância e ao materialismo para mudar o comportamento dos consumidores.

No entanto, além das carências das ciências dedicadas a estudar a sustentabilidade, há sinais de mudança no horizonte que apontam para uma abordagem mais holística e explícita da “realidade interna” das pessoas, em busca de pontos de alavancagem capazes de impulsionar uma transição para uma sustentabilidade profunda e duradoura.

Um número cada vez maior de pesquisadores aponta que a transição para a sustentabilidade exige não apenas conhecimento sobre como os sistemas socioecológicos funcionam e como eles devem ser para serem sustentáveis, mas também requer mais conhecimento sobre como conduzir esses sistemas para estados mais desejáveis. Por exemplo, precisamos entender se as políticas conseguirão reverter a tempo a perda de biodiversidade, promovendo mudanças nos valores que as pessoas têm sobre sua relação com a vida selvagem (de dominância para mutualismo), ou se devem intervir diretamente nos comportamentos que causam impacto na natureza (por exemplo, incentivando a restauração de ecossistemas degradados).

Esse tipo de conhecimento transformador é o que é compartilhado e promovido em espaços como o Congresso de Pesquisa e Inovação em Sustentabilidade (SRI), a ser realizado em junho na Cidade do Panamá. Lá, se buscará gerar um compromisso entre os pesquisadores e gestores de sustentabilidade para entender melhor não apenas os processos de transformação, mas também a maneira pela qual eles podem ser ativados.

Se continuarmos pensando que os problemas ambientais, como a perda de biodiversidade e as mudanças climáticas, estão “fora” de nós, perderemos a possibilidade de descobrir e usar as soluções poderosas que temos “dentro” de nós.

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Biólogo. Doutor em Estudos Ambientais pela Victoria University (Nova Zelândia). Pesquisador assistente do Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas (CONICET / Argentina).

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