“Acima da lei está a autoridade moral e a autoridade política do presidente”, exclamou Andrés Manuel López Obrador, deixando a audiência perplexa em suas conferências matinais. Discursivamente, ele nunca tinha chegado a tanto. Supõe-se que em sua posse como presidente, jurou defender a Constituição e as leis que emanam dela.
“Ninguém está acima da lei”, reza outra máxima liberal. Pode-se dizer que foi uma reação emocional depois que Natalie Kitroeff, diretora do New York Times no México, enviou-lhe uma carta informando que o meio de comunicação iria publicizar uma reportagem sobre os depoimentos de cinco testemunhas protegidas que indicavam que “aliados” do presidente e seus filhos haviam recebido dinheiro de membros do crime organizado, e que o jornal queria saber sua opinião sobre vários aspectos. Isso teria chateado muito o presidente.
O presidente não deu uma resposta formal às perguntas feitas, mas colocou o documento no telão da sala presidencial e, em público, leu e respondeu a cada uma delas em meio a desqualificações. Tudo isso para o espanto da audiência de jornalistas, cinegrafistas e funcionários que se reúnem diariamente ao amanhecer no Palácio Nacional.
Talvez não teria passado de um momento ruim para o presidente se não fosse o fato do documento tornado público conter o telefone da jornalista estadunidense. E isso vai contra a lei de Transparência e Proteção de Dados Pessoais, porque torná-lo público a expõe, e em um país onde a prática do jornalismo tem se mostrado uma profissão de alto risco, isso nunca deveria ocorrer. Há o doloroso registro de 42 colegas assassinados.
Mas isso aconteceu, o que provocou reações contrárias do sindicato de jornalistas dentro e fora do país. Jessica Zermeño, correspondente de Univisión, assistiu à conferência seguinte para questionar o presidente por ter exposto sua colega ao divulgar sua identidade e número de telefone.
O presidente seguia chateado e queria encerrar o problema, recomendando que mudasse de número. No entanto, a jornalista lhe perguntou se voltaria a divulgar a identidade e o número telefônico de um jornalista quando a lei acima mencionada o impede. A resposta foi afirmativa porque, acima da lei, disse ele, “está a autoridade moral e política do presidente”.
E aqui se abre uma discussão, talvez ociosa, porque em qualquer democracia, os personagens da política institucional são produto das leis e estão lá para agir sob seu teto e defendê-la, e não o contrário.
Portanto, não se trata só de um momento ruim, um lapso emocional, mas de uma projeção de sua personalidade e de certo egocentrismo, em que o eu está envolvido na ideia da pátria e da bandeira nacional. Portanto, em sua opinião, tocar o presidente é tocar a soberania do país.
E poderíamos concordar que um presidente encarna a soberania nacional enquanto um cargo democraticamente eleito, já que ele é uma representação das preferências da maioria, mas é limitado pela lei, porque enquanto existirem instituições democráticas, nunca poderá estar acima dela. A lei se aplica a todos, sem distinção de cargo público, filiação partidária, origem social ou religiosa.
É por isso que o Presidente López Obrador errou ao cunhar a expressão acima mencionada, porque ela o aproxima perigosamente do discurso dos ditadores que personalizam tudo à sua própria imagem e semelhança.
E isso, dito em um momento crucial em que as campanhas eleitorais concorrente já iniciaram, atinge a candidata presidencial de seu partido, Claudia Sheinbaum, que até agora tem estado sob amparo da estratégia do presidente como aquele que comanda o vendaval da oposição, enquanto ela acumula pontos “nadando no escuro”.
Deve-se reconhecer que essa é uma boa estratégia que a protege com excelente intenção de voto. Entretanto, esse vendaval midiático que vincula o presidente López Obrador a membros do crime organizado, que foi repetido através da hashtag #narcopresidenteAMLO e, além disso, foi um grito intempestivo de dezenas de milhares que sacudiu o Palácio Nacional em 18 de fevereiro, atingiu a linha d’água da estratégia do partido governista. Segundo alguns estudos sérios (consulte Massive Caller e El Financiero), a diferença reduziu para apenas 8 pontos percentuais a favor da candidata do governo.
Ou seja, quando as campanhas eleitorais começarem, o tempo do presidente tenderá necessariamente a diminuir, enquanto o espaço público será das candidatas presidenciais. Com a oferta das coalizões e, sobretudo, a postura de cada uma frente à lei para liderar um país e administrar os grandes problemas nacionais. Isso, mais o carisma de cada uma delas, será decisivo em 2 de junho.
Autor
Professor da Universidade Autônoma de Sinaloa. Doutor em Ciência Política e Sociologia pela Universidade Complutense de Madri. Membro do Sistema Nacional de Pesquisadores do México.