Antes do início da guerra na Ucrânia, o mundo transitava por uma dupla emergência. Por um lado, a necessidade de ações urgentes e eficazes para fazer frente à crise climática e ao risco de desastres. Por outro lado, o imperativo de superar a pobreza e a desigualdade que têm se exacerbado desde a crise da Covid-19 em todas as suas expressões. Como sempre nestes casos, as mulheres e as crianças são as mais vulneráveis.
As mulheres são mais vulneráveis ao impacto das crises, já que constituem a maioria da população pobre do mundo, estão a cargo de lares monoparentais e sobrecarregados de cuidados, muitas vezes têm empregos informais, sendo mais dependentes dos recursos naturais que estão sob ameaça da mudança climática.
Na América Latina, a experiência nas diferentes crises que temos enfrentado nos ensinou que é fundamental que as organizações de mulheres e as próprias mulheres estejam no centro da resposta humanitária. Entretanto, isto não acontece na prática, e ainda estamos longe de alcançar a igualdade de gênero e ocupar de forma equiparada os espaços de poder.
Neste contexto, a crise da mudança climática e a igualdade de gênero são problemáticas conectadas que se deve enfrentar de forma coordenada e em conjunto. Em outras palavras, nenhum dos dois será possível por si só. Sem igualdade de gênero não poderemos enfrentar a crise climática. E se não enfrentarmos a crise climática, não haverá igualdade de gênero.
Isto se reflete no fato de que são as mulheres as que correm maior risco de não poder garantir sua segurança alimentar e a de seus dependentes após os desastres. Em muitos casos, frequentemente perdem seus meios de subsistência ou têm que dedicar-se à atenção de seus filhos e filhas, e de pessoas feridas ou doentes em seu núcleo familiar.
As mulheres como motor da mudança
Por isso, é fundamental que cada vez mais meninas e mulheres da América Latina e do mundo se envolvam em ações efetivas em favor do meio ambiente por parte das organizações da sociedade civil e dos mais diversos âmbitos da sociedade.
É uma tarefa que requer leis, normas e profundas mudanças normativas e sociais para que as organizações da sociedade civil em geral, e de mulheres em particular possam participar de forma igualitária e segura nos processos de desenho e implementação de políticas públicas e espaços de tomada de decisão com respeito à produção, comércio, emergências climáticas e risco de desastres.
De fato, mulheres e meninas podem ser, e em muitos casos já são, essas vozes eficazes e poderosas que impulsionam a mudança para a mitigação e adaptação aos efeitos das mudanças climáticas. O exemplo de Greta Thunberg despertou muita consciência em todo o mundo, mas não é o único.
Na América Latina e no Caribe temos muitas mulheres defensoras que lutam diariamente e inclusive dão suas vidas pelos direitos das mulheres, de suas comunidades e de seus territórios. Entretanto, nem sempre se reconhece o papel central que desempenham ou poderiam desempenhar.
Devemos abordar as tarefas pendentes
À medida que o mundo começa a vislumbrar um horizonte de esperança para começar a controlar a pandemia, devemos começar a enfrentar as tarefas que a emergência sanitária nos forçou a adiar e que a guerra não deve nos fazer esquecer.
Sobretudo porque muitas das injustiças, dos desequilíbrios e das desigualdades se aprofundaram durante a pandemia. Uma situação que, nas palavras do Secretário Geral das Nações Unidas, Antonio Guterres, nos fez retroceder dez anos em direitos já conquistados.
Por um lado, temos um atraso de anos em igualdade de gênero e direitos humanos das mulheres como parte do impacto do Covid-19; por outro, a certeza de que os fenômenos meteorológicos serão cada vez mais intensos e frequentes devido às mudanças climáticas.
Mas também temos a esperança representada por milhões de mulheres e meninas dispostas a se comprometer, a trabalhar, a liderar o trabalho necessário para reverter esses retrocessos, cuidar do meio ambiente, combater a mudança climática, avançar em direção à igualdade e à construção da paz.
Portanto, os governos da América Latina e do Caribe devem ativar os mecanismos para acolher as mulheres, continuar a construir sistemas integrais de cuidados, e integrar as organizações de mulheres e o enfoque de gênero no desenho e implementação de suas políticas e estratégias de resposta, adaptação e mitigação da mudança climática, bem como de redução de desastres.
Autor
Diretora Regional para as Américas e o Caribe de ONU Mulheres. Doutora em Direito e Ciências Sociais pela Universidade de la República (Uruguai). Foi representante do Uruguai ante a Assembléia Geral das Nações Unidas.