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As preocupantes consequências da militarização e da policialização

Na América Latina, a clara interferência das forças militares na segurança interna dos países tem sido historicamente evidente, um fator que tem impacto sobre o funcionamento da ordem democrática. No caso das forças policiais, seu treinamento e ações militares são criticados, sem que isso signifique que estejam assumindo algum tipo de papel próprio das forças armadas. 

Tomando como referência o artigo Militarização da Polícia e Policialização das Forças Militares. Revisão do fenômeno em nível internacional e nacional, uma pesquisa realizada por William Guillermo Jímenez e Juan Pablo Turizo para a Polícia Nacional da Colômbia, podemos observar que isso se deve principalmente a fatores internos de gestão da ordem pública para o caso dos militares, à organização militar da polícia desde suas origens e às mudanças na concepção de segurança e soberania dos Estados. 

É prudente relembrar que as forças militares em todo o mundo têm como objetivo conduzir operações voltadas para a defesa da soberania, independência e integridade territorial, enquanto as forças policiais são constituídas para garantir a manutenção das condições necessárias para o exercício dos direitos e liberdades públicas.

Alguns dos países citados pelos autores no artigo referenciado são apresentados como exemplos orientadores. Brasil, Chile, Colômbia, Estados Unidos e México reforçam a tese defendida, enquanto a Alemanha oferece uma referência de êxito em como lidar com essa questão após os lamentáveis acontecimentos da Segunda Guerra Mundial.

Entretanto, deve-se observar que cada caso é diferente devido às circunstâncias de tempo, modo e lugar. Por essa razão, não podemos recorrer a fatores de comparação, mas apenas delimitar a pesquisa proposta às consequências de qualquer um dos dois fenômenos que são objeto do presente trabalho. 

A pesquisa destaca a maior relevância da ” policialização das forças militares” como uma questão que transcende o normal, o legalmente estabelecido e a lógica da segurança. Esse é um ponto em que os especialistas da área coincidem: em primeiro lugar, que não é função dos militares a segurança interna e, em segundo lugar, que a polícia deve fazer o que for necessário para garantir o cumprimento de seu dever constitucional, o que, na prática, implica treinamento e equipamentos especiais. 

Embora essa não seja uma regra geral em países democráticos, é importante considerar outros aspectos de suma importância, como a proteção dos direitos humanos de acordo com os tratados e convenções assinados. O relatório observa que “as forças armadas são regidas por uma lógica de guerra; sua função implica um forte uso da força, que é difícil de limitar e, portanto, inadequado para lidar com conflitos internos”. Isso implica adesão às normas existentes, sob o risco de causar sérias consequências se não agirem dentro do marco legal.

O fato de o papel de cada instituição ou força da lei e da ordem não ser claramente delimitado, devido às lacunas legais existentes, pode implicar a abertura de janelas de oportunidade para que exista de maneira inconveniente a autorregulação e a autodelimitação de funções. O exemplo mais marcante disso é o Brasil, onde o autoritarismo se sobrepõe à democracia representativa.  

Os militares foram protagonistas na vida política da América Latina. A tradição golpista deixou marcas inesquecíveis na mente da população e, é claro, na psique dos militares. Essa genética golpista ainda está em ação em seus contemporâneos e é por isso que eles não podem ser alheios ao protagonismo e à necessidade de estar no controle; em poucas palavras, de serem vistos como “defensores da democracia”. Mas os legisladores, de uma forma ou de outra, têm sido complacentes com essa situação e contribuíram para boa parte do problema. Há vários motivos para isso. Para começar, os governos no poder têm incentivado a participação dos militares em atividades puramente policiais. Além disso, eles promoveram uma competição insalubre entre as mesmas instituições policiais, criando um problema sério quando estabeleceram a medição de resultados e produtividade por meio de dados e indicadores projetados para a administração de empresas privadas e não para o sistema de defesa nacional. Por todas essas razões, a polícia e as forças armadas tornaram-se, em alguns casos, instituições políticas sob o comando de governos que as utilizam de forma repressiva, como garantia da sobrevivência de um regime ditatorial. 

Esse último é o caso da Venezuela, onde a ordem constitucional foi quebrada e as forças da lei e da ordem obedecem cegamente ao mandatário. Nesse caso, elas não cumprem sua função democrática e simplesmente agem conforme lhes convém. 

Quanto ao outro fenômeno em análise, a militarização da polícia, podemos dizer com segurança que, em geral, essa é uma questão que não afeta a ordem democrática de forma alguma. Nesse caso, a polícia, com base na necessidade (as exigências do conflito interno), opera com táticas e equipamentos militares, mas isso não significa que ela assuma papéis semelhantes aos dos militares. 

Um exemplo disso é a Colômbia, onde a abordagem tática da Polícia Nacional é uma resposta ao treinamento e à preparação adquiridos de países amigos que, desde seu início, não viam o treinamento básico da polícia como uma forma de prepará-los para enfrentar o conflito interno. No entanto, isso não significou que eles deixaram de assumir seu papel missionário.

A Polícia Nacional da Colômbia é considerada atípica ou híbrida. Isso se refere ao seu treinamento, equipamento, mística e estrutura organizacional, mas, apesar das circunstâncias, nunca pretendeu agir como uma entidade militar, ao contrário das forças armadas colombianas, que ocasionalmente assumem funções policiais, enfrentando sérias dificuldades, pois não estão preparadas para isso, uma vez que não é sua natureza. 

Um exemplo do risco de violações de direitos humanos em determinadas práticas são as forças policiais dos Estados Unidos, onde o uso da força aumentou exponencialmente justamente por terem assumido um treinamento muito mais militar do que civil. A atuação dos militares no policiamento urbano torna-o ainda mais propenso a esses problemas.

Em geral, não se mede o impacto negativo em um país da presença de seu exército em suas cidades, ou a percepção de um estrangeiro ao ver um militar fortemente armado nas ruas de qualquer país latino-americano. Além de se imaginar que se trata de medidas preventivas ou dissuasivas, elas são associadas ao perigo, à presença do crime organizado, ao terrorismo e a outros fatores que afetam a imagem de um país e até mesmo sua economia. As forças militares que atuam fora do contexto e da concepção de sua missão tornam-se uma questão traumática que afeta a tranquilidade dos cidadãos.

Em conclusão, e a título de reflexão, o problema atual é a demarcação constitucional na qual as forças militares estão imersas. Isso lhes permitiu se engajarem em questões de segurança interna, principalmente para garantir a convivência pacífica, que é o mesmo argumento utilizado pelas forças policiais para fazer uso de métodos e táticas típicos da doutrina militar adquirida ao longo de sua existência. 

É importante considerar que, embora seja verdade que a questão é crítica e tem sérias implicações, é hora de rever as diferentes opções para uma solução, seja demarcando claramente a fronteira que divide a missão e as funções dos militares e da polícia, seja redesenhando o modelo e a estrutura do sistema de defesa e segurança interna para evitar que interfira ou afete a essência da segurança do cidadão.

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Doutor em Políticas Públicas pela Universidade IEXE (México). Pesquisador da Organização dos Estados Ibero-Americanos (OEI). Assessor organizacional de forças policiais no México e consultor em segurança pública e privada.

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