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China, Equador e a hidrelétrica de Coca Codo Sinclair

A usina hidrelétrica Coca Codo Sinclair, que forneceria de 20 a 30% da produção de eletricidade, é um dos mais antigos, maiores e mais controversos projetos chineses na América Latina, marcado por falhas técnicas e corrupção.

A usina hidrelétrica de Coca Codo Sinclair, no Equador, é um dos mais antigos, maiores e polêmicos projetos chineses na América Latina. Destinado a fornecer aproximadamente 20-30% da produção elétrica diária do Equador, o projeto hidrelétrico foi construído pela empresa estatal chinesa Sinohydro e financiado por meio de um empréstimo do Banco de Exportação e Importação da China. No entanto, após sua inauguração em novembro de 2016, a presença de fissuras nos tubos de distribuição da central elétrica, as ameaças à obra de captação devido à severa erosão regressiva e uma investigação de corrupção multimilionária envolvendo o ex-presidente do Equador, Lenín Moreno, geraram inúmeras manchetes na mídia internacional.

Além disso, oito anos após sua inauguração formal, o projeto ainda não foi formalmente “recebido” pelo governo equatoriano da empreiteira Sinohydro, que deveria concluir o contrato chave na mão. Apesar dos repetidos procedimentos de soldagem, as fissuras mencionadas ainda não foram totalmente reparadas e questiona-se se é possível um reparo duradouro.

O Equador e a Sinohydro estão atualmente envolvidos em um processo de arbitragem internacional para determinar como as fissuras serão resolvidas. Enquanto isso, há informações de que estão em andamento negociações entre o governo equatoriano e a Sinohydro para concluir um acordo no qual o Equador cederia a operação do projeto à Sinohydro em troca de “liquidez”. A usina hidrelétrica é atualmente operada pela empresa pública estratégica Corporación Eléctrica del Ecuador por meio de uma unidade de negócios específica para o complexo Coca Codo Sinclair.

Se a Sinohydro assumir as operações da Coca Codo Sinclair, isso pode fazer soar o alarme entre os críticos dos projetos de infraestrutura chineses que alertam os países do Sul Global contra a “diplomacia da armadilha da dívida”. Embora a narrativa da “armadilha da dívida” da China tenha sido repetidamente refutada por acadêmicos, o debate continua proeminente, principalmente entre os atores estadunidenses. Parte da narrativa é que a China pode assumir o controle de projetos de infraestrutura vitais, ameaçando assim a soberania dos países (o porto de Hambantota, no Sri Lanka, é o principal exemplo citado pelos defensores da armadilha da dívida).

Entretanto, o possível arrendamento da Coca Codo Sinclair para a Sinohydro não é a história de uma armadilha de dívidas. Muitos equatorianos estariam ansiosos para que a Sinohydro assumisse a responsabilidade por esse projeto arriscado, que, de acordo com alguns engenheiros, corre o risco de entrar em colapso devido a fissuras (na casa de máquinas) e, separadamente, à erosão regressiva do rio Coca (nas obras de captação). 

Além disso, a Sinohydro, e o governo chinês por delegação, estão concentrados no controle de danos à reputação, em vez de buscar apoio geoestratégico no Equador. Os diversos escândalos do projeto colocaram a mídia chinesa na defensiva, e a Sinohydro Ecuador até lançou uma campanha nas redes sociais para moderar as duras críticas. Com base em múltiplas fontes, as partes interessadas chinesas estão muito atentas à má publicidade gerada pelo projeto, bem como aos altos custos de manter o status quo. O acordo poderia resolver um dilema tanto para a Sinohydro quanto para o Estado equatoriano: a Sinohydro não deixaria para trás um projeto muito difamado e supostamente “em ruínas”, e o Equador ganharia dinheiro em vez de correr o risco de novos escândalos.

Os rumores sobre a possível concessão da Coca Codo Sinclair por parte do Equador começaram a circular em novembro de 2022, quando o então ministro da Energia, Fernando Santos, declarou que o ideal seria que a Sinohydro “ficasse” com o projeto. Em dezembro de 2022, Santos explicou que essa possibilidade havia sido discutida pela administração da Sinohydro, pelo então presidente do Equador, Guillermo Lasso, e pelo embaixador chinês no Equador. 

Nesse contexto, a Sinohydro seria responsável pelo reparo, operação e gerenciamento da instalação hidrelétrica e, em troca, devolveria parte do dinheiro investido pelo Equador. Ele resumiu o acordo da seguinte forma: “Eles assumem o risco, porque é altíssimo. Eles dizem que a obra vai durar 50 anos. Isso é perfeito. Devolvam-nos o dinheiro e nós lhes devolveremos a obra”. O gerente geral da empresa pública de eletricidade do Equador, a CELEC, disse que o acordo hipotético com a PowerChina, a matriz, delegaria seu funcionamento por aproximadamente 30 anos.

A possibilidade de concessionar o maior projeto de infraestrutura do Equador provocou, compreensivelmente, um debate interno. Os críticos alegaram que esse acordo representaria um fracasso para o Estado equatoriano, pois significaria preços mais altos de eletricidade para os cidadãos. Ele privatizaria de fato a infraestrutura pública que é fundamental para o desenvolvimento nacional. O governo teria de negociar o preço da concessão, sua duração (provavelmente de 20 a 30 anos) e o preço por quilowatt-hora pelo qual o Estado compraria de volta a eletricidade da Coca Codo Sinclair. O fato de a concessão do projeto ajudar ou prejudicar os interesses do Equador depende desses preços.

Enquanto isso, em março de 2023, a Sinohydro decidiu adiar as negociações sobre a Coca Codo Sinclair em função da acusação da Procuradoria Geral da República de 25 pessoas sob a acusação de suborno em torno do projeto, incluindo quatro representantes da Sinohydro e um ex-embaixador chinês. O Ministro de Energia Fernando Santos afirmou repetidamente que as negociações iriam avançar, mas elas avançaram lentamente, especialmente quando o ex-presidente Lasso dissolveu a Assembleia Nacional e convocou eleições antecipadas (morte cruzada).

Após as eleições nacionais em agosto de 2023, foi realizada uma reunião entre o Ministério de Energia e a PowerChina, mas depois que o novo presidente Daniel Noboa assumiu o cargo em novembro, ele logo substituiu Santos pelo atual Ministro de Energia, Andrea Arrobo. Não ficou claro se o governo de Noboa daria continuidade às negociações da Coca Codo Sinclair. Mais recentemente, em fevereiro de 2024, a ministra das Relações Exteriores do Equador, Gabriela Sommerfield, afirmou em uma entrevista que a concessão de Coca Codo Sinclair, juntamente com a barragem de Toachi-Pilatón, ainda estava em negociação. Ela afirmou que entidades chinesas operariam as represas em troca de “liquidez”, embora não tenha dado mais detalhes.

A Coca Codo Sinclair forneceu um total de 40% da produção de eletricidade do Equador em 11 de março, de acordo com o Operador Nacional de Eletricidade CENACE. O impacto desse projeto sobre a confiabilidade e o custo da eletricidade no Equador dificilmente pode ser subestimado, especialmente em um contexto em que a escassez de eletricidade já é um problema crítico e provavelmente se tornará ainda maior como resultado das mudanças climáticas. Em última instância, os termos do acordo negociado entre a Sinohydro e o Estado equatoriano (sobre o preço da concessão, sua duração e o preço da eletricidade) são fundamentais. 

O verdadeiro debate é se o povo equatoriano se beneficiará da concessão de um projeto público a uma empresa internacional, e não os objetivos geopolíticos do Estado chinês. Se for possível chegar a um acordo que satisfaça ambas as partes, bem como o povo equatoriano, os observadores devem concentrar sua análise nos termos do acordo e resistir à tentação de encaixar o destino da Coca Codo Sinclair em uma narrativa mal concebida de armadilha da dívida.

* Este texto fue publicado originalmente na página da REDCAEM

Autor

Doutoranda em Relações Internacionais, com foco em projetos de infraestrutura chineses na América Latina, na American University. Membro da REDCAEM (China-América Latina).

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