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Contra os autoritarismos, sem adjetivos

Em diferentes âmbitos, alerta-se sobre o fenômeno da “extrema/ultra” direita, apresentando-a, sozinha e em maiúsculo, como a principal ameaça às democracias.

Democracias em extinção. O espectro das autocracias eleitorais” acaba de ser publicado pela Akal. A obra, do historiador italiano Steven Forti – alguém cujo trabalho nesse sentido merece uma revisão atenta – abrange tanto elementos teóricos quanto de política e história recente, para abordar as ameaças à democracia provenientes do polo conservador/reacionário do espectro ideológico e suas concretizações partidárias e intelectuais. Uma análise do índice do volume permite identificar os eixos, casos e abordagens.

O livro se junta ao crescente conjunto de textos científicos e de divulgação, fóruns acadêmicos, declarações políticas e manifestos da sociedade civil que alertam sobre o fenômeno da “extrema/ultra” direita. Apresentando-a, sozinha e em maiúsculo, como a principal ameaça às democracias que de fato existem. Uma posição muito ancorada em contextos, grêmios e leituras da academia estadunidense e europeia e em alguns de seus interlocutores no Sul Global. 

Steven Forti, da Akal, diz: “Não é momento de divagar ou ser complacente, mas de enfrentar o perigo mais urgente da atualidade. Hoje é inquestionável que as extremas direitas estão no auge em todo o mundo e, se não fizermos nada para impedi-la, poderemos ser a geração que perderá os direitos que conquistamos. Nossas democracias estão em perigo de extinção, e seus predadores gozam de maior respaldo, têm uma imagem melhor e são mais fortes a cada dia. Em muitas regiões do mundo, já chegaram ao poder e, quando governam, nada é como antes: estão mutilando a democracia por dentro e transformando-a em uma autocracia com pouco espaço para reverter a situação”.

Concordando com o alerta sobre o problema subjacente, me distancio da definição de Forti sobre tal. Discuto-o por razões que enumero abaixo, de forma simplificada – espero ter a oportunidade de fazê-lo detalhadamente, com o autor ou outros colegas, em outro momento e lugar – nos parágrafos que se seguem.

Direita e esquerda não são categorias normativas, mas descritivas e/ou analíticas. Não classificam o Bom ou o Mal político, mas identificam uma diversidade de temas, genealogias, alianças e agendas que têm, em sua origem, dois séculos de vida mutante. E isso, depois de 1917, 1933 e toda a experiência totalitária do século XX, deve nos lembrar que nenhum dos polos políticos pode reivindicar coerência democrática. Portanto, também não podemos atribuir aos extremos de um ou de outro o monopólio da identidade e da deriva autoritárias.

As coordenadas ideológicas não podem mais ser usadas como se coincidissem com os limites dos regimes políticos. Houve – e presumivelmente haverá – ideias e praxis autoritárias tanto na esquerda quanto na direita; também em identidades e contextos mais fluidos – em especial longe do Ocidente – que dificilmente se encaixam em nossas classificações usuais. As ameaças à democracia devem ser claramente contextualizadas e ponderadas, em cada lugar, época e questão.

Dou exemplos. Enquanto hoje as principais ameaças de populismo e/ou autoritarismo eleitorais na Europa e nos EUA vêm fundamentalmente de lideranças e movimentos de extrema direita, na América Latina – a outra metade do Ocidente, mestiça com o Sul Global – o fenômeno é diferente, muito mais plural. De fato, em nossa região, para cada candidato ditatorial de direita, como Bukele, há três autocratas ativos e sinistramente extremistas (Díaz Canel, Ortega, Maduro) cujas origens, tradições políticas e redes globais os inscrevem em uma esquerda autoritária cujas raízes remontam a 1917 e 1959.

No entanto, mesmo em países que não se transformaram totalmente em autoritarismo, a extensão do fenômeno pode ser vista. No México (potência econômica e a maior nação de língua espanhola do mundo), a atual reforma judicial regressiva, criticada por boa parte da academia liberal progressista… é promovida por um governo/partido hoje celebrado por muitos na academia e política social-democrata europeia como “progressista”. Sem mencionar a rápida ascensão e a agenda do partido de esquerda populista de Sahra Wagenknecht, contrário ao consenso democrático europeísta e liberal, em uma nação central como a Alemanha.

Se olharmos para além do Ocidente, não está claro se as fronteiras de “conservador” ou “iliberal” remetem claramente a clivagens Esquerda/Direita. Com V. Putin, a Rússia está, de certo modo, na órbita geocultural do Ocidente, e as caracterizações com base ideológica podem coincidir até certo ponto, mesmo que o Kremlin retome práticas e símbolos autoritários do período soviético, e mesmo que seus aliados se dividam entre as extremas esquerdas e direitas globais. Mas com Modi ou Erdogan, cujas sociedades, disputas e programas respondem a outras cosmovisões e conflitos, não tenho certeza que será assim.

Em resumo: é oportuno e urgente que uma academia digna desse nome reconheça que ameaças iliberais ou, abertamente, antidemocráticas, não podem ser atribuídas, de forma simplificada, à “ultradireita” deste mundo. Pois estas ameaças correspondem a posturas autoritárias extremas que abarcam todo o arco de posições ideológicas (geo)políticas, no Ocidente e Sul Global. Ter essa visão mais autenticamente global do fenômeno ajudaria, no sentido intelectual e prático, a compreendê-lo e combatê-lo nestas horas sombrias para as quais Forti alerta no prólogo da sua obra.

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Doutor em História e Estudos Regionais, Universidade Veracruzana (México). Mestrado em Ciência Política, Universidade da Havana. Especializado em regimes autocráticos na América Latina e Rússia.

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