A luta contra o crime organizado é um dos desafios mais urgentes e complexos para a segurança global. Nas últimas décadas, é evidente a evolução e o crescimento contínuo desse fenômeno, caracterizado pelo surgimento de novos tipos de delitos, o incremento de seu alcance transnacional e o constante aprimoramento das técnicas utilizadas pelas organizações criminosas.
Embora tenha sido uma preocupação mundial persistente, a falta de consenso entre os Estados têm dificultado os esforços para abordá-la de forma efetiva. A coordenação internacional tem enfrentado desafios significativos devido à dificuldade de estabelecer posições compartilhadas entre os países sobre esse tema complexo. Somente em 2000 chegou-se a um acordo substancial por meio da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, também conhecida como Convenção de Palermo. Esse acordo proporcionou um marco importante para orientar os países no enfrentamento do crime organizado em suas próprias jurisdições.
Ao mesmo tempo, os compromissos multilaterais têm procurado facilitar as ações destinadas a monitorar, prevenir, detectar, processar e sancionar o crime organizado nacional, utilizando padrões internacionais como referência e promovendo respostas adaptadas às realidades nacionais. No entanto, o consenso entre os Estados não tem sido forte o suficiente para abordar esse problema a partir de uma perspectiva ampla e coordenada que transcenda as fronteiras nacionais e enfrente suas múltiplas dimensões.
Diante da proliferação de atividades criminosas, a falta de vontade política e a limitada coordenação transnacional para abordar essa problemática contribuem para a complexidade do crime organizado. De acordo com o Índice de Percepção da Corrupção, as Américas têm uma pontuação média de 43 de 100 na falta de medidas contundentes para combater a corrupção e o fortalecimento das instituições.
Os países, especialmente os latino-americanos, frequentemente enfrentam dificuldades para cooperar na investigação e no julgamento de crimes transfronteiriços devido a diferenças nos marcos legais, falta de recursos, problemas de comunicação, corrupção e até mesmo diferenças políticas entre os governos em exercício. Essa falta de coordenação permitiu que as organizações criminosas operassem com impunidade e aproveitassem as brechas nos sistemas de justiça penal para continuar suas atividades ilícitas.
Consequentemente, o crime organizado evoluiu significativamente nas últimas décadas, adaptando-se às mudanças no ambiente socioeconômico e tecnológico para expandir suas operações e aumentar sua influência. De acordo com o Relatório Mundial sobre Drogas 2021 do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, o comércio de ilícito de drogas representa um mercado global multibilionário, que alimenta a corrupção, a violência e a insegurança. É fato que a exportação de fenômenos criminosos, como o tráfico de pessoas, o tráfico de armas, o cibercrime ou o sequestro, desafia permanentemente as abordagens tradicionais de aplicação da lei.
A globalização da economia criminal
O crime organizado contemporâneo se destaca por sua transnacionalidade e por sua capacidade de tirar proveito da globalização econômica. As organizações criminosas desenvolveram redes internacionais para se movimentar facilmente através das fronteiras e tirar proveito das diferenças entre os sistemas jurídicos e financeiros de diferentes países. A economia do crime é um grande negócio, responsável por até 1,5% do produto interno bruto mundial, com receitas anuais superiores a US$ 870 bilhões.
Ao mesmo tempo, os países latino-americanos reconheceram a gravidade do crime organizado em várias declarações regionais multilaterais, como a Declaração sobre Segurança das Américas, em 2003. Em regiões mexicanas e colombianas, a ausência do Estado permitiu que os grupos do crime organizado assumissem o controle da população e do território. Além disso, o crime organizado transnacional surgiu recentemente como um problema de segurança internacional, destacando sua magnitude e impacto na região.
O que fazer para abordar esse fenômeno?
Diferentes analistas concordam que é necessário fortalecer os mecanismos de cooperação internacional e promover uma maior harmonização das leis e dos procedimentos jurídicos regionais. Embora a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional e outras iniciativas internacionais forneçam uma estrutura legal para combater o crime organizado global, sua efetividade depende, em grande parte, da vontade política e da cooperação comprometida dos Estados.
Por sua vez, a segurança do cidadão continua a ser uma preocupação para a população, especialmente em regiões onde a presença e a influência do crime organizado são mais acentuadas. O Relatório Global da ONU sobre Segurança Cidadã indica que a violência e o crime representam uma ameaça significativa ao bem-estar e à segurança dos cidadãos em muitas partes do mundo, causando mais mortes do que os conflitos armados, e é um problema cuja complexidade reside na necessidade de abordar não apenas as manifestações visíveis da criminalidade, mas também as causas fundamentais que a alimentam.
Esses desafios exigem uma ação coordenada e multidimensional que envolva todos os setores, do governo à sociedade civil. Isso implica não apenas fortalecer as capacidades das forças policiais e melhorar a aplicação da lei, mas também abordar as causas subjacentes do crime, como a desigualdade econômica, a exclusão social e a falta de oportunidades para os jovens. Também é preciso fomentar a participação cidadã e o empoderamento das comunidades locais para prevenir e combater o crime, além de promover uma cultura de legalidade e respeito ao Estado de Direito. Mas não de forma isolada, e sim dando-lhe a importância regional que o problema merece.
Necessidade de mecanismos de âmbito regional
Em um contexto marcado pela transnacionalidade do crime organizado, é imperativo fortalecer os mecanismos de cooperação regional para enfrentar efetivamente essa ameaça. Embora existam iniciativas regionais na América Latina – como a Organização dos Estados Americanos e a União das Nações Sul-Americanas – bem como organizações internacionais de polícia criminal com presença na região – como a Interpol e a Ameripol -, a falta de vontade política e os interesses divergentes dos países membros geralmente impedem a implementação de estratégias comuns de segurança. Ao mesmo tempo, a cooperação entre as agências de aplicação da lei de diferentes países continua limitada, dadas as diferenças nos marcos legais e nas políticas de cada nação.
Por fim, para superar esses desafios, é necessário promover maior integração e coordenação regional na luta contra o crime organizado, fortalecendo os mecanismos de troca de informações, capacitação conjunta e cooperação operacional entre os países. Essas ações podem incluir a integração de mecanismos regionais para permitir que os órgãos de aplicação da lei tenham a capacidade de investigar e processar crimes transnacionais, bem como a harmonização de procedimentos legais e leis de segurança. Além de uma questão inacabada, mas crucial: promover uma cultura de confiança e colaboração entre os países da região, reconhecendo que a segurança é um bem público que deve ser protegido e promovido para o benefício de todos os cidadãos.
Autor
Doutor em Políticas Públicas pela Universidade IEXE (México). Pesquisador da Organização dos Estados Ibero-Americanos (OEI). Assessor organizacional de forças policiais no México e consultor em segurança pública e privada.