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Debilidade nas forças de mudança

Os conservadores estão avançando e colhendo vitórias mediante a via eleitoral. A hegemonia de Bukele em El Salvador e a vitória de Milei na Argentina são sinais na região. E a possibilidade de reeleição de Trump pode levar a uma mudança de ciclo global.

Se a ordem existente deixa de fora a maioria, se há mais de nós que gostaríamos de viver em um mundo diferente deste, como podemos explicar que, no final, a luta política e social está sendo cada vez mais vencida por aqueles que procuram impedir qualquer mudança?

Uma resposta a ser considerada nas condições atuais é que, enquanto nós, os inconformados, parecemos divididos em muitas trincheiras que se comunicam ocasional e debilmente, aqueles que tentam manter as coisas como estão – e até mesmo nos levam de volta a épocas que pensávamos ter deixado para trás – têm uma agenda comum que eles exercem em muitos países e em diversos cenários. É por isso que estamos perdendo a chamada “guerra cultural”.

Nessa guerra, se enfrentam não dois adversários, cada um com uma visão do que deseja. Na realidade, há um concorrente que tem uma visão clara e homogênea contra outro que tem propostas diversas que nem sequer tentaram harmonizar ou torná-las compatíveis.

Concorrentes vs. conservadores

Durante muito tempo, aqueles que queriam mudar o mundo eram chamados de “esquerda” e aqueles que se opunham a eles eram chamados de “direita”. Essa caracterização colocou os conservadores em uma posição defensiva que não é a que eles têm hoje, com uma plataforma agressiva que busca reverter tudo o que seus oponentes conquistaram por meio de lutas sociais e políticas.

Provas evidentes. Os conservadores sabem o que querem. Uma questão central é aquilo que eles chamam de “defesa da família”, sob a qual atacam a igualdade entre homens e mulheres; exigem um papel central para os pais na educação dos filhos, ou seja, uma espécie de privatização de conteúdos que cancela a busca de formar cidadãos para uma vida em comum; se opõem ao direito ao aborto, mesmo quando a vítima é menor de idade ou foi submetida a uma violação; se opõem a dar forma legal a casais do mesmo sexo e, é claro, à possibilidade de adotarem filhos, e lutam contra o reconhecimento dos direitos dos homossexuais.

Essa plataforma é levantada em diversos países com variações mínimas em um ou outro. Isso não é casualidade: agentes de uma espécie de internacional reacionária levam o programa comum, principalmente dos Estados Unidos para a Europa ou da Argentina para vários países da região. E eles conseguiram unir por trás desse programa setores que há séculos tinham pouco em comum; católicos e evangélicos, por exemplo, que no Peru marcham juntos sob a bandeira “Com meus filhos não se metam”.

Uma esquerda que se foi

Do outro lado está a memória do rótulo “esquerda”, que se desvaneceu sob os efeitos do chamado “socialismo realmente existente”, que, em seu nome, construiu sociedades autoritárias nas quais as liberdades cívicas desapareceram ou foram aprisionadas sob controles rígidos. Como resultado, aqueles de nós que antes desafiavam a ordem social a partir de uma perspectiva de esquerda ficaram órfãos e desnorteados.

Além disso, a esquerda ficou atônita – e ainda não se recuperou – com a transformação do mundo capitalista, no qual Marx havia atribuído ao proletariado o papel de principal sujeito da grande mudança. O proletariado perdeu peso relativo nas sociedades desenvolvidas e nunca o alcançou nas subdesenvolvidas; os sindicatos foram cooptados pelo capital, dedicam-se a defender os ganhos de suas bases e não se preocupam com o restante dos cidadãos, que, precisamente, constituem a maioria.  

Os trabalhadores se diversificaram e a maioria deles não é “proletária” que dependa de um patrão. Consequentemente, suas demandas e reivindicações – que eles têm e, com frequência, são muito importantes – não são homogêneas. O trabalhador autônomo não tem as mesmas demandas que o pequeno comerciante; nenhum deles compartilha uma lista de demandas com o trabalhador ocasional ou o vendedor ambulante, e assim por diante.

Heterogeneidade dos manifestantes

Nesse meio tempo, os movimentos sociais que desafiam a ordem existente se lançaram em diferentes direções que não convergem. Algumas defendem os direitos das mulheres, advogam a igualdade de gênero e trabalham para combater a violência contra as mulheres. Outros estão comprometidos com a defesa dos direitos humanos. Os movimentos voltados para o meio ambiente recrutam outro setor. Outros ainda se dedicam a fazer valer a agenda LGTBI. Outros ainda estão empenhados em defender os direitos dos animais ou em se opor à globalização. E a lista continua, atomizando cada vez mais os contestadores.

Todos eles podem ser considerados movimentos de manifestação na medida em que questionam uma determinada parte da ordem social existente. E alguns deles levam esse questionamento a níveis de radicalismo que vão além de algumas reformas e, de fato, tocam os eixos do ordenamento social. No entanto, o fato de terem assumido o comando de uma trincheira setorial que não se comunica com os outros, nem tenta construir um programa comum com eles, faz com que acabem em mobilizações limitadas, que sofrem com a incapacidade de convocação massiva. 

Com frequência, os apelos e slogans desses grupos são direcionados àqueles que já estão convencidos e negligenciam a tarefa de alcançar outras pessoas. Nesse sentido, às vezes eles atingem níveis de radicalismo incompreensíveis para aqueles que não fazem parte de sua dinâmica.

Assim, enquanto a preservação da ordem depende de grupos que, embora possam responder a uma preocupação determinada, levantam uma plataforma conjunta com outros, a contestação dessa ordem está dispersa em uma multiplicidade de ações, cada uma delas insuficiente para ser eficaz. 

O resultado desse balanço de forças é que os conservadores agora têm a vantagem porque conseguiram deixar de lado as diferenças para apresentar uma frente unificada contra aqueles de nós que questionam o status quo. Em vez disso, como resultado, as forças de mudança parecem divididas, concentradas em nosso próprio público e, de fato, despreocupadas em apelar para as maiorias que, muitas vezes, não entendem claramente o que estão pretendendo. Essa é a nossa debilidade.

E esse cenário é aquele em que os conservadores estão avançando e colhendo triunfos não por meio de ações armadas, mas por meios eleitorais! A hegemonia de Bukele em El Salvador e a vitória de Milei na Argentina são sinais importantes na região. E a possibilidade do retorno de Trump ao governo dos Estados Unidos pode levar a uma mudança de ciclo no mundo. Esse é o cenário em que nos encontramos agora.

Autor

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Sociólogo do Direito. Estuda os sistemas de justiça na América Latina, assunto sobre o qual tem publicado extensivamente. Desempenhou-se como docente no Peru, Espanha, Argentina e México. É membro sênior de Due Process of Law Foundation.

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