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Greve e passeata federal universitária na Argentina

Em um país onde, historicamente, a sociedade considera a educação pública como um bem absolutamente legitimado, apreciado e insubstituível, qualquer ataque contra mobiliza imediatamente grandes e diversos coletivos sociais.

Em 23 de abril, foi realizada uma greve e passeata federal universitária. A greve havia sido anunciada há um mês e, dada a falta de resposta do governo às reclamações, foi realizada nesta data.

É preciso entender que, por trás dessa ação coletiva, há antecedentes – o que significa a educação pública universitária no país – e conjunturas – o que o atual governo libertário de Javier Milei pensa sobre a educação pública.

Desde a Reforma Universitária de 1918, marco na América Latina, a educação universitária na Argentina é irrestrita, gratuita e de autoridade tripartite, ou seja, os órgãos de condução das universidades são compostos pelas autoridades eleitas, pelo corpo docente e pelo corpo discente. Atualmente, o sistema universitário público compreende 56 universidades nacionais em todo o país e cerca de dois milhões de estudantes universitários. Cabe destacar que uma porcentagem menor, mas significativa, desses estudantes são estrangeiros, majoritariamente latino-americanos, que têm as mesmas prerrogativas que os estudantes nacionais.

Por outro lado, em um país onde a sociedade historicamente considera a educação pública – pela Constituição, gratuita, laica e estatal – em todas as suas instâncias como um bem público absolutamente legitimado, apreciado e insubstituível, motor da mobilidade social, qualquer ataque ou tentativa de restrição mobiliza imediatamente grandes e diversos coletivos sociais, a começar pelas famílias. 

O conflito atual decorre do fato de que o atual governo de Milei considera, coerentemente com a ideologia libertária, que toda questão pública é, por definição perniciosa, ineficiente e restritiva da livre decisão pessoal. Nesse sentido, nos primeiros meses do governo, houve um grande número de demissões de funcionários públicos, bem como o fechamento de numerosas instituições do organograma estatal, mais por razões ideológicas do que por gastos públicos, embora o argumento oficial tenha se apoiado nessa questão.

Produto do debate político parlamentar e da pressão oficial para impulsionar seu programa, o governo Milei ainda não conseguiu a aprovação do orçamento de 2024, portanto, dada a exigência constitucional, as atividades estatais estão sendo financiadas pelo orçamento de 2023. Entre o início desse ano e os quatro meses de 2024, a inflação ultrapassou 200%, o que significa que qualquer orçamento, ou seja, o financiamento de atividades públicas, tem um orçamento que foi desvalorizado duas vezes.

Nesse cenário, o governo pretende que o sistema universitário público – lembre-se das dimensões mencionadas acima – se sustente com um orçamento absolutamente desvalorizado. As universidades públicas estão respondendo que, com esse orçamento, só poderão ficar abertas até o final de maio.

É claro que essa incongruência, quase no limite do absurdo, o governo o sustenta sobre a necessidade de controle do gasto público, embora, como surgem declarações de vários de seus funcionários, a ofensiva oficial tem um caráter puramente ideológico. O próprio Milei afirmou na semana passada, em declarações à mídia, que “as universidades nacionais são centros de doutrinação e corrupção”.

Isso foi dito a uma sociedade que em grande porcentagem entende e defende a educação pública como fator insubstituível de progresso, mas também como um direito inalienável, e vê os estudos universitários de seus jovens como a culminação desse direito.

Um jovem estudante que ingressa na universidade pública massiva, gratuita e democrática não é só um sujeito isolado em busca de melhorar sua situação. É, basicamente, uma família que vê nesse jovem um projeto para o futuro, individual e coletivo. Talvez por isso a passeata das universidades federais, à qual estudantes de universidades particulares aderiram, seja uma rejeição retumbante à ofensiva do governo sobre o sistema público.

Há horas dessa passeata, já se observava nas declarações de funcionários o temor do governo de que a mobilização fosse, como foi, multitudinária.

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Diretor da Licenciatura em Ciência Política e Governo da Universidade Nacional de Lanús. Professor da Faculdade de Ciências Sociais da Univ. de Buenos Aires (UBA). Formado em Sociologia pela UBA e em Ciência Política pela Flacso-Argentina.

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