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Lições da proibição do milho transgênico no México

“Esse galo quer milho” é o que o ditador mexicano Porfirio Díaz costumava dizer quando dava ordens para silenciar seus críticos. Significa algo como “jogue um osso para eles”, mas com a adição de nefastas ameaças quando as vítimas rejeitavam o milho. O ditado capta a atitude estadunidense na luta pelo milho geneticamente modificado (OGM). Os Estados Unidos estão pressionando o México para que seja sua vítima. Recentemente, os Estados Unidos solicitaram um painel comercial no âmbito do acordo EUA-México-Canadá (USMCA, por suas siglas em inglês), o NAFTA revisado. Juntamente com o Canadá, alega que a proibição mexicana ao milho transgênico para consumo humano atrapalha as exportações estadunidenses de milho.

Os Estados Unidos deveriam parar de impor o milho transgênico ao México. A proibição é legal de acordo com as regras do USMCA devido a seus objetivos de saúde e segurança alimentar. Com ela, o México evita os riscos de câncer causados pelo herbicida glifosato, necessário para o cultivo do milho transgênico. Essa medida mostra como equilibrar a saúde pública e as obrigações comerciais, algo que os governos latino-americanos estão buscando cada vez mais.

Emitida como Decreto, a proibição não tem repercussões reais sobre as exportações de milho estadunidenses. Ela se aplica apenas ao milho transgênico destinado ao consumo humano e nada mais. O Decreto explica expressamente que somente proíbe o milho transgênico para tortilhas e massas. Esclarece que não há nenhuma mudança para o milho usado na alimentação animal ou em aplicações industriais. O mesmo ocorre com outros cultivos transgênicos. 

Tendo isso em mente, a proibição não restringe o comércio. É verdade que a maior parte do milho estadunidense é transgênico, mas trata-se sobretudo de milho amarelo. A culinária mexicana não usa o milho amarelo, preferindo o milho branco porque é mais fácil de moer para fazer a massa. Além disso, os Estados Unidos exportam uma quantidade esmagadora de milho para alimentar os animais.

As cifras procedentes de fontes estadunidenses confirmam isso. Na realidade, as granjas estadunidenses não cultivam milho para alimentação humana. De acordo com o Agricultural Marketing Resource Center da Universidade Estadual de Iowa, apenas 3% do milho estadunidense é destinado ao consumo humano. Apenas 1% é milho branco. As pesquisas do Departamento de Agricultura dos EUA coincidem. A Associação de Refinadores de Milho, uma forte defensora da disputa, valida essas tendências de importação sobre o uso de grãos, a predominância do milho amarelo e as preferências.

Dito claramente, a proibição não tem impacto comercial significativo, pois os EUA continuarão exportando milho amarelo transgênico, milho para alimentação animal ou para a indústria e outros cultivos OGM. O Canadá não precisa se preocupar. Ele exporta canola OGM. 

Poucos exportadores sentirão o impacto do decreto. Mas todos os mexicanos sentirão seus benefícios.

Um dos motivos mais fortes para proibir o milho transgênico está relacionado ao câncer e ao glifosato. As fazendas de OGM precisam desse herbicida. Um organismo da Organização Mundial da Saúde constatou que o glifosato é uma provável causa de câncer. Suas conclusões são persuasivas. Diversos tribunais estadunidenses decidiram contra o fabricante do glifosato, respaldando algumas das maiores indenizações e acordos da história.

Esses perigos estão relacionados ao consumo de milho transgênico. Recentes estudos médicos e de saúde pública realizados no México encontraram níveis preocupantes de glifosato em crianças. Isso é surpreendente, pois elas não tiveram contato direto com os herbicidas. Níveis semelhantes aparecem em bebês com menos de quatro semanas de vida. A exposição deles é feita por meio da ” via materna”, o que indica que os recém-nascidos são vulneráveis aos riscos de câncer decorrentes do que suas mães comem. Isso é alarmante, pois as crianças e os bebês não têm órgãos nem sistemas imunológicos desenvolvidos. Espera-se que esses riscos venham do consumo de milho transgênico.

O Decreto é legal devido a essas duas realidades: consequências comerciais insignificantes e riscos demonstrativos de câncer. Por exemplo, o Capítulo 9 do USMCA preserva o direito do México de adotar medidas de segurança alimentar que protejam a vida e a saúde humana. Ele também garante que o México determine seu nível de proteção. Isso dá suporte para que o tratado implemente medidas como a proibição e decida como limitar a exposição aos riscos de câncer.

Uma das críticas se concentra nas importações de milho. Os EUA dizem que o decreto do México é “mais restritivo ao comércio do que o necessário”.

Isso é errôneo. A proibição não afeta o comércio de milho amarelo, de ração animal ou de usos industriais, que são a maior parte das exportações de milho. Eles não são restritos. Além disso, os estadunidenses podem comercializar milho branco não transgênico. De fato, o Decreto criou esse mercado ao gerar demanda por milho para fazer tortilhas e massa.

As reclamações dos estadunidenses se concentram no comércio e ignoram as motivações sanitárias. O USMCA exige o exame de ambos os aspectos. Um painel considerará seriamente a justificativa de segurança alimentar do México. O tratado determina o exame das restrições comerciais, mas em relação ao “nível de proteção” que o México determinou como “apropriado”.

Aqui entra em jogo a ínfima quantidade de milho branco produzido pelas granjas estadunidenses. Essa é a única coisa afetada pelo decreto. Isso será ponderado em relação às medidas adaptadas aos perigos de câncer do glifosato no milho. Diante desse dilema, um painel poderia facilmente optar pela proteção contra riscos carcinogênicos.

Um segundo argumento é que a proibição não é necessária. O tratado permite medidas de segurança alimentar “somente na medida necessária” para proteger a vida ou a saúde humana.

Os Estados Unidos dão um tiro no próprio pé ao negarem os riscos de câncer. Há uma forte conexão entre a proibição e a saúde. O nível de proteção do México é limitado precisamente ao milho para alimentação humana cultivado por métodos OGM. Como esses métodos exigem herbicidas e os herbicidas apresentam riscos de câncer, o México proíbe um tipo de milho para consumo humano. Isso põe fim aos riscos conhecidos de câncer decorrentes do herbicida presente na fonte de calorias mais comum do país. O milho transgênico não pode ser separado dos riscos intrínsecos ao glifosato. Nesse sentido, o decreto não proíbe mais do que o necessário. O comércio continua com o milho transgênico destinado a animais e à indústria.

Em suma, um painel pode facilmente se posicionar a favor de medidas que evitem a exposição a riscos bem fundamentados de câncer e, ao mesmo tempo, observar que as exportações de milho OGM continuam sem restrições.

Essa luta pelo milho oferece mais do que apenas lições técnicas sobre regras comerciais; ela sugere aos vizinhos latino-americanos o que está em jogo nas políticas de saúde pública. Essas controvérsias não são específicas do USMCA. Os argumentos dos estadunidenses se concentram nos padrões sanitários e fitossanitários, que são comuns na Organização Mundial do Comércio (OMC), no Transpacífico e em outros regimes comerciais. Os EUA e outros países estão buscando mudanças internas na segurança alimentar. Isso deveria envolver possíveis negociações comerciais, já que a Costa Rica e o Uruguai contemplam a possibilidade de aderir ao USMCA. Preocupada com os OGMs, a Colômbia sugere renegociar seu acordo comercial com os EUA.

Mas as tensões comerciais afetam iniciativas sanitárias de maior alcance, como rótulos de advertência para alimentos pouco saudáveis e limites para a venda de junk food. Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, México, Peru e Uruguai as colocaram em prática. Ao elaborar suas medidas, os formuladores de políticas nacionais tiveram que responder a perguntas sobre violações comerciais. Esses argumentos foram estendidos à OMC.

Qual é a lição do México sobre o milho para os governos latino-americanos? Determinar claramente um nível adequado de proteção da segurança alimentar. Ao fazer isso, os benefícios à saúde pública se tornam mais persuasivos do que as interrupções às importações. Em poucas palavras, as proteções sanitárias explícitas podem dissuadir a alimentação forçada de galos com exportações e justificativas comerciais distorcidas.

Autor

Professor de Direito na Dale E. Fowler School of Law, Chapman University. Foi membro do Comitê Executivo da Seção Grupos Minoritários e da Seção de Alimentos e Agricultura da Associação de Escolas de Direito Americanas (AALS).

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