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López Obrador: o presidente que piora

Andrés Manuel López Obrador completou um ano e meio de governo, no México, depois de sua vitória eleitoral dois anos atrás. Como vai o país? Muito mal. Há poucos acertos e bons resultados, mentiras diversas e relevantes, e um número muito mais alto de erros e consequências negativas.

Acertos e bons resultados (refiro-me ao governo federal e ao partido do presidente no Congresso federal): o aumento do salário mínimo, uma reforma sindical com potencial democrático, uma reforma contra a “indústria” das notas fiscais fraudulentas, um projeto de lei sobre rótulos informativos para alimentos, e pouco mais. Sobre o salário mínimo, é preciso acrescentar que um ou dois aumentos da ordem daquele que foi realizado são insuficientes, não deveriam ser o objetivo final, e o apoio dos representantes empresariais à medida foi baixo.

Mentiras: quatro fixas e relevantes: 1) Todos os críticos do governo são conservadores/direitistas e corruptos/defensores da corrupção. Alguns deles são; muitos não. 2) Os críticos e opositores pretendem executar um golpe de Estado. Mas nem existem condições para um golpe de qualquer tipo e nem provas reais de qualquer espécie que permitam que o governo afirme aquilo que afirma. 3) O Instituto Nacional Eleitoral (INE) não garante eleições democráticas e é parte do golpismo. E mesmo assim López Obrador venceu em uma eleição organizada pelo INE; obteve o poder presidencial não apesar do instituto, e nem lutando contra ele, mas sim por ter obtido mais votos que os concorrentes em uma eleição democrática garantida pelo INE. 4) O triunfo de 2018 foi a primeira vitória eleitoral “do povo” em um século, e o início da “democracia verdadeira” no México. Na verdade, o país vem mantendo um regime democrático durante todo o século 21, e a chegada de López Obrador ao poder representa a terceira alternância de partidos na presidência. Antes de López Obrador aconteceu de fato uma transição rumo à democracia; o que não aconteceu foi uma consolidação democrática; houve, assim, uma transição, mas com uma deterioração política e institucional quase imediata, constante e relevante.

O presidente simulou tomar decisões mais democráticas ao apelar retoricamente ao “povo”, enquanto organiza “consultas populares” que não resistem a qualquer teste mais rigoroso

Erros e consequências negativas, quanto à democracia, violência, economia e pandemia: Como se pode depreender do ponto 4, não houve uma grande reforma política democratizante. López Obrador e seus aliados no Legislativo tampouco democratizaram a vida político-partidária mexicana, e não fizeram coisa alguma para melhorar substancialmente o federalismo. O presidente simulou tomar decisões mais democráticas ao apelar retoricamente ao “povo”, enquanto organiza “consultas populares” que não resistem a qualquer teste mais rigoroso (leia isto e isto). Também está tentando voltar a centralizar o poder no Executivo federal. Hoje, não existe nem uma primeira e nem uma nova transição democrática, e a deterioração do regime democrático prossegue. Os ataques ao INE são parte dessa deterioração, e indicam um risco de queda da democracia/restauração do autoritarismo. Não se trata de um risco de reversão da consolidação porque a) o processo inclui a deterioração mas não necessariamente vice-versa e b) nunca houve consolidação cabal, e sim a simples sobrevivência em meio à deterioração.

Sobre a violência, basta dizer que a inútil “guerra” contra as drogas e o tráfico não foi cancelada mas sim formalizada – com um acordo presidencial que pretende legalizar a militarização da segurança – e ao mesmo tempo reduzida em intensidade, ainda que o número de homicídios tenha aumentado. De dezembro de 2018 a maio de 2020, os registros oficiais apontam para 53.628 homicídios, ante 45.582 nos dois anos anteriores. 2019 foi o ano mais violento na história contemporânea do México. “A guerra” é o contexto histórico da hiperviolência homicida e um de seus principais fatores causais. Quanto a isso, López Obrador se parece bastante com o ex-presidente Felipe Calderón.

Na economia, os maus resultados superam em muito os bons. Como disse Carlos Urzúa, antigo secretário das finanças de López Obrador, “já vínhamos enfrentando problemas desde o ano passado, e a crise da Covid-19 nos afundou e nos colocou em uma espiral de queda, mas o problema já era visível antes disso”. López Obrador conseguiu não só que a economia não crescesse mas que ela se contraísse em 1% em 2019. O governo encerrou aquele ano com investimentos públicos da ordem de menos de 3% do PIB, o que significa que um presidente que supostamente é inimigo do neoliberalismo fez menos gastos públicos do que os presidentes neoliberais precedentes. Se não existe arrecadação pública suficiente, por conta da estrutura tributária e da tradição de não pagar impostos, por que López Obrador, supostamente de esquerda e supostamente genial, jamais realizou ou ao menos tentou uma grande transformação fiscal? Em lugar de usar sua legitimidade eleitoral a fim de iniciar o governo com uma reforma fiscal progressiva/progressista, preferiu desperdiçar mais de 100 bilhões de pesos já investidos na construção de um aeroporto e pagar indenizações aos empreiteiros quando a construção foi cancelada; isso reduziu a confiança empresarial e contribuiu para baixar o investimento privado em cerca de 4%, no final de 2019. Sobre a influência da, e a resposta econômica à, pandemia, escreverei mais tarde.

A gestão de López Obrador para a crise da pandemia em si foi desastrosa. Alguns dos marcos: o presidente minimizou o problema, dizendo que era menos do que uma gripe; divulgou mensagens pedindo que as pessoas saíssem de casa, passeassem e comessem em restaurantes, quando outras autoridades já estavam apelando por uma quarentena; mentiu ao dizer que seu governo estava preparado desde janeiro; nunca usou máscara, dentro do México; e declarou em 26 de abril que já havia “domado” a pandemia. Dois meses e meio mais tarde, o governo teve que admitir que o total de mortes causadas pela Covid-19 supera as 30 mil. E há mais: esse número é uma subestimativa gerada pela decisão de não conduzir exames em larga escala. Como não existem provas suficientes, os dados oficiais são insuficientes para dar conta da realidade; já que os dados oficiais sobre exames são confiáveis, porque refletem a intenção governamental de realizar poucos deles, os números oficiais sobre mortes não são confiáveis, pois, levando em conta suas origens, não são capazes de refletir o total real de casos ou de oferecer estimativas realistas. O total de óbitos hoje deve se aproximar de 100 mil. López Obrador é um dos piores gestores da pandemia no continente americano, em companhia de Trump e Bolsonaro.

De López Obrador não posso esperar outra coisa senão uma deterioração política e econômica ainda maior. Ele é o presidente que piora: piorou como presidente e piorou um México que já ia muito mal.

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Cientista político, editor e consultor. Trabalhou no CIDE (Cidade de México) e na Universidade Autônoma de Puebla.

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