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Al Capone e El Chapo: o fracasso da Proibição

O traficante de drogas Joaquin Guzmán foi condenado à prisão perpetua nos Estados Unidos. Muita gente comemorou. Não vejo grande benefício social na sentença, ainda que não prefira que El Chapo esteja livre. O que prefiro, positivamente, é que as drogas sejam legais e que, assim, não surjam “chapos” ou “capones”.

Muitas vezes as pessoas criticam “a esquerda” (como se fosse um monólito) por não ser realista e não se basear nas provas para definir leis e políticas públicas. Certamente há esquerdas e supostas esquerdas — como no México de hoje – que não são amigas dos dados e da ciência. Mas também existem direitas que resistem a abandonar suas preferências públicas mesmo quando contraditadas por análise científicas, em temas como a igualdade entre os sexos, as mulheres e as drogas. O recente Relatório Mundial sobre Drogas da ONU pode ser resumido como: a proibição não funciona, mas as direitas, liberais ou antiliberais, não aceitam alternativas. Assim, protegem essa disfunção, o fato de que proibir não controla a produção, não impede o acesso, não desestimula o consumo, e viola liberdades, consome dinheiro público e incentiva a corrupção e a violência. O México continua afundado em violência, desatada pela escalada da “guerra contra as drogas”, e as direitas continuam a ser favoráveis à proibição – o presidente Andrés Manuel López Obrador, como nos casos do aborto e do “casamento gay”, continua unido à direita nacional em sua incapacidade de admitir o fracasso da proibição.

O encarceramento de Guzmán não é tão boa notícia porque:

1.Não elimina, esgota, encerra ou reduz o negócio do tráfico. Porque a condenação nada faz contra a proibição, que é a causa do negócio. A proibição continua, não importa o destino pessoal do Chapo.

2. Ele não era o único líder do tráfico. E seu lugar será ocupado. Porque o negócio continuará a existir, enquanto a proibição continuar. É a cabeça da hidra.

3. De sua nova cela, ele não poderá operar o mercado, mas outros o farão por ele. Muitos outros continuarão a fazer o que faziam, dentro ou fora da organização do Chapo, e talvez mais violentamente, para ganhar reputação e firmar sua posição. Se ele estivesse no México, e encarcerado, continuaria sua operação, que é exatamente o que acontece com quase todos os traficante que estão nas prisões mexicanas. É um traço local do fracasso da proibição e da “guerra”. Encarcerar traficantes em países como o México é ocioso, e os Estados Unidos jamais conseguirão processar todos eles.

4. O caso Chapo pode fortalecer a crença no suposto valor da proibição; cria a miragem  de que “isso funciona”, ou de que é possível vencer o tráfico e as drogas com o direito penal e com a simples “aplicação da lei” punitiva. Tremenda ilusão! A única forma de vencer os traficantes aplicando a lei é se a lei aplicada não representar a proibição.

o tráfico tal qual o conhecemos existe, paradoxalmente, se uma lei diz que não pode existir

Entendamos que o tráfico é um tipo especial de crime. Não importa o que diga a lei, diferentes tipos de roubo e assassinato sempre existem e existirão; o tráfico tal qual o conhecemos existe, paradoxalmente, se uma lei diz que não pode existir ou quer que não exista. Os defensores da proibição não entendem o que Capone entendeu sobre si mesmo: que sua mãe institucional e econômica era a proibição.A máxima expressão de delinquência criminal de Capone se deu com e pela Lei Volstead. Nas palavras do chefão do crime em uma entrevista pouco recordada (Liberty, 17 de outubro de 1931):

“Os legisladores aprovaram a 18ª emenda. Hoje há mais pessoas bebendo álcool em lugares clandestinos do que cruzavam as portas de todos os bares do país em cinco anos, antes de 1917. Isso é o que as pessoas pensam sobre a lei. E de todo modo, a maioria dessas pessoas não são más. Não se pode chamá-las de criminosas, embora tecnicamente o sejam”.

“A proibição me parecia, e continua parecendo, uma lei injusta. Em certo sentido, cheguei naturalmente à ilegalidade e suponho que assim permanecerei até que a lei seja revogada”.

“Enquanto a lei continuar em vigor e restar alguém disposto a violá-la, haverá lugar para gente como eu, que descobre que depende dela para manter as portas abertas. Aos que nada respeitam, o medo aterroriza. Por isso baseei minha organização nele”.

Sem merecer desculpas por isso, Capone conseguiu reconhecer claramente as causas externas de seu sucesso “profissional” e o papel básico e central da proibição para ele.

Em 1931, foi sentenciado a 11 anos de prisão por sonegação de impostos. A Lei Volstead foi revogada em 1933. Essa medida, e não o encarceramento de Capone, resolveu o problema do contrabando total de álcool + contrabandistas violentos. A proibição do álcool foi um fracasso  social, e a proibição atual também é. O necessário e devido é que as drogas sejam reguladas abertamente pelo Estado, com a participação e vigilância da sociedade.

Foto de jeso.carneiro em Foter.com / CC BY-NC

Autor

Cientista político, editor y consultor. Ha trabajado en el Centro de Investigación y Docencia Económicas - CIDE (Ciudad de México) y en la Universidad Autónoma de Puebla.

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