Clara está separada de José há três anos. Eles têm dois filhos pequenos. No início, ele pagava a pensão alimentícia, embora de forma irregular e após muitos lembretes. Com o tempo, os pagamentos foram ficando cada vez mais espaçados até desaparecerem. José diz que sua renda é instável, que está “fazendo o que pode”. Enquanto isso, Clara arca sozinha com os custos da escola, da alimentação, das roupas e dos remédios. Porque, embora a pensão seja chamada de “alimentícia”, a ideia é que ela cubra todas as outras necessidades de uma criança em crescimento. Ele aparece de vez em quando com promessas vagas e um ou outro presente de Natal. Ela, por outro lado, nunca pode desaparecer. E, enquanto isso, as crianças comem, crescem, adoecem, precisam…
Essa cena não é uma exceção. É um padrão que se repete em milhares de lares latino-americanos. O que começa como um desacordo conjugal acaba sendo um abandono estrutural das responsabilidades paternas. E o custo é pago pelas mulheres… e, acima de tudo, pelas crianças.
Números vergonhosos
Nos últimos anos, a figura do devedor de pensão alimentícia começou a ganhar mais visibilidade na região. Países como Paraguai, México, Chile e Colômbia criaram registros públicos de pessoas que devem pensão alimentícia por três meses consecutivos ou mais.
No Paraguai, há mais de 10.000 pessoas inscritas no Registro de Devedores Alimentares Inadimplentes (REDAM). No Chile, somente na Região Metropolitana, mais de 82.000 pais aparecem como devedores. No México, no estado de Guanajuato, são abertas cerca de 9 denúncias por dia por descumprimento da pensão alimentícia, liderando os casos nacionais nessa área. Na Argentina, 68% dos pais que não moram com os filhos descumprem sua responsabilidade parental. São números que deveriam alarmar mais do que alarmam agora.
Por trás desses dados, há uma complexa rede de causas que permitem e até normalizam esse descumprimento. Uma delas é a alta informalidade laboral na região. Muitos desses pais trabalham por conta própria, sem contratos nem renda fixa, o que complica penhoras ou retenções diretas.
No entanto, o problema vai além do aspecto econômico, que é usado como desculpa habitual para não cumprir as obrigações paternas. O pano de fundo é uma cultura que ainda desculpa os homens que se esquivam de suas responsabilidades. Eles podem desaparecer do sistema afetivo e econômico sem consequências reais.
Em contrapartida, as mulheres que não conseguem sustentar seus filhos sozinhas são julgadas por “não saber escolher”, por “depender” e por “reclamar”. A sanção social é desproporcional. Isso sem mencionar o uso do atraso no pagamento da pensão como parte de um esquema de controle sobre o ex-parceiro, o que transforma tal ato em violência vicária.
Na maioria dos países da América Latina, existem leis que, em teoria, permitem bloquear contas, restringir licenças ou até mesmo impedir que os devedores saiam do país, mas nem sempre elas são cumpridas com eficácia. Na prática, os processos judiciais são lentos, caros e complicados. As mulheres precisam apresentar documentos, aguardar audiências e suportar as demoras. Muitas desistem, não por falta de razão, mas por exaustão. A maioria não denuncia ou não tem acesso a assessoria jurídica. Além disso, há estigma, vergonha, ameaças, medo de represálias e uma cultura que minimiza o descumprimento das obrigações alimentares.
Mas o dever de prover alimentação e cuidados aos filhos não deveria ser apenas uma obrigação legal. Além disso, é um dever ético, social e uma medida básica de justiça.
Deixar de pagar a pensão alimentícia é violência, e estamos normalizando isso.
As pensões alimentícias são uma questão de direitos humanos e políticas públicas. Um menor que não tem alimentação, medicamentos ou educação porque seu pai não cumpre suas obrigações é vítima de abandono por uma estrutura que o deixa desprotegido. E, consequentemente, essa criança parte com desvantagens na vida.
Na América Latina, o não cumprimento das pensões alimentícias representa uma falha estrutural que afeta a vida cotidiana de milhares de famílias. Por isso, nós, feministas, entendemos o não pagamento da pensão alimentícia como uma forma de violência econômica, uma vez que recai desproporcionalmente sobre as mulheres, que geralmente são as principais cuidadoras e a quem é concedida a guarda dos filhos. Sem dúvida, as lutas feministas têm sido fundamentais para visibilizar o fenômeno da exploração econômica como uma forma de violência machista, e não como um simples conflito entre ex-casais.
O caminho para frear o abandono paterno
Precisamos de registros de devedores mais eficientes, atualizados, visíveis e fáceis de consultar. É preciso agilizar os procedimentos judiciais para emitir ordens de pensão alimentícia, penhoras salariais ou de bens, retenção de impostos e outras sanções administrativas que realmente afetem o devedor, como, por exemplo, limitações para contratar com o Estado, obter licenças, sair do país ou participar de benefícios públicos.
Mas também, e acima de tudo, precisamos tornar visível essa enorme irresponsabilidade patriarcal por meio de campanhas educativas para que isso não fique impune. Precisamos trabalhar para conseguir uma mudança cultural profunda para que o exercício da paternidade não seja optativo e cesse a permissividade social para quem não cumpre suas obrigações.
Hoje existem campanhas públicas que expõem os devedores alimentares, como as patrulhas feministas e os varais no México, bem como iniciativas legislativas que buscam sanções mais severas, desde o embargo de bens até a inabilitação para exercer cargos públicos.
Nas redes sociais, movimentos como #DeudoresAlimentarios geraram pressão social, levando muitos homens a cumprir suas obrigações por medo da exposição pública ou da perda de reputação. Essas estratégias ampliaram o debate, o que demonstra que, quando há vontade política e pressão cidadã, o abandono paterno deixa de ser invisível e começa a ter consequências.
Como sociedade, temos que parar de romantizar a imagem da “mãe lutadora” e incentivá-las a dar conta de tudo, porque muitas vezes não é que elas possam, é que elas não têm alternativa. O que precisamos é de justiça, não de resiliência.
A história de Clara não deveria se repetir tantas vezes em tantos lares da região. Se o Estado, a sociedade e os próprios pais cumprissem sua parte, ela poderia se libertar da incerteza que acompanha cada mês sem pagamento. Se realmente acreditamos na igualdade, na justiça e no bem-estar das crianças e das mães, temos que parar de tolerar esse abandono cruel encobrido pela cumplicidade patriarcal, que não só faz um pacto de silêncio que não condena o abandonador, mas também vira a cara e até o desculpa, deixando milhões de mulheres com filhos e filhas à própria sorte.
Tradução automática revisada por Isabel Lima