A erosão democrática não envolve apenas a ascensão de líderes populistas, baixos níveis de participação nas eleições e respaldo a figuras autoritárias. Há uma variável que está se tornando cada vez mais visível em vários países latino-americanos, que é a predominância dos militares sobre o poder civil.
Antes de entrar no assunto, é necessário diferenciar dois conceitos: militarização, entendida como o crescimento da presença militar em atividades que historicamente correspondiam a civis, e militarismo, a doutrina de algumas nações para fazer valer seus interesses nacionais através da força sobre recursos naturais ou sobre algum outro país. Neste texto, vou me referir ao conceito de militarização.
Em perspectiva histórica
Os militares na história da América Latina têm uma espécie de dupla face. Durante o século XX, os generais governaram países e promoveram programas nacionalistas desenvolvimentistas, como Juan Domingo Perón na Argentina, Getúlio Vargas no Brasil, Jacobo Arbenz na Guatemala ou Lázaro Cárdenas no México. Eles são vistos como símbolos da soberania latino-americana e vozes anti-imperialistas da região.
Por outro lado, as forças armadas também são vistas com receio devido aos golpes de Estado que ocorreram em várias nações, como no Chile de Augusto Pinochet, no Paraguai de Alfredo Stroessner, na Bolívia de Juan José Torres ou no Peru de Francisco Morales Bermúdez. Essas figuras foram vistas como um símbolo da repressão e da influência dos Estados Unidos na região, juntamente com as perseguições e repressões que ocorreram, como a Operação Condor.
Entretanto, durante a terceira onda de democratização, de acordo com Samuel Huntington, as forças armadas foram submetidas ao poder civil após as transições para a democracia que ocorreram. Embora elas nunca tenham deixado a arena política e desempenhem um papel de equilíbrio dentro do sistema, isso permitiu que a maioria das nações mantivesse a estabilidade política.
Ao longo do século XXI, uma nova geração de presidentes chegou ao poder, tanto militares quanto guerrilheiros, como Hugo Chávez na Venezuela (1999-2012), Daniel Ortega (2006-atual) na Nicarágua e a ditadura dos irmãos Castro em Cuba (1959-2019). Nesses casos, os executivos vieram da luta armada; portanto, os militares se identificaram com seus projetos, e os exércitos foram politizados e deixaram de lado sua imparcialidade para aderir a um projeto político específico.
Um fenômeno contemporâneo
Recentemente, porém, surgiu um novo fenômeno, em que presidentes civis deram às forças armadas funções mais importantes. Por exemplo, na América Central, a presidente hondurenha Xiomara Castro militarizou a segurança pública em uma tentativa de replicar a abordagem mano dura contra as gangues de El Salvador e, assim, reduzir os altos índices de criminalidade. Esse caso específico é paradigmático, já que se trata de um governo de esquerda, que tende a apoiar o fortalecimento de órgãos não militares.
A oeste, em El Salvador, o presidente Nayib Bukele não apenas militarizou a segurança, mas as forças armadas também foram usadas para exercer pressão sobre a oposição, por exemplo, quando esta se recusou a aprovar seu plano de combate ao crime. Trata-se de um caso sem precedentes porque, nos anais históricos, são os militares que pressionam o presidente em exercício a deixar o poder e não o executivo em exercício que pressiona os congressistas.
A relevância que os militares ganharam no país centro-americano mostra que houve um crescimento exponencial no poder das forças armadas, não apenas em funções, mas também em violações de direitos humanos e um incremento nos recursos econômicos para que elas cumpram suas funções. As forças armadas se tornaram um pilar do regime punitivo salvadorenho, no qual Bukele mantém o controle.
Mais ao sul, no Equador, o presidente Daniel Noboa enfrenta uma crise de insegurança acompanhada de atos terroristas depois que criminosos atacaram estações de televisão e universidades e assassinaram funcionários do sistema penitenciário. O presidente optou por decretar estado de exceção e colocou os militares no comando da segurança para fazer frente à situação.
Como podemos ver nesses casos, as forças armadas foram usadas para lidar com a onda de violência que varre o país. Entretanto, a presença crescente dos militares na segurança pública pode gerar problemas maiores para o poder civil, já que a história da América Central e do Sul é marcada pela presença dos militares em várias esferas da vida pública.
A utilização das Forças Armadas no México
Finalmente, o caso mexicano é preocupante porque a história política do país se baseia na despolitização dos militares desde 1945, quando as forças armadas foram excluídas do então partido do Estado, o Partido Revolucionário Institucional. Os militares têm sido um equilíbrio no sistema político. Embora durante a era do partido hegemônico (1929-1997) tenham sido usadas como força de segurança para reprimir manifestações de trabalhadores, estudantes ou sindicatos, nunca romperam com a ordem constitucional.
Durante a transição e a era dos governos divididos (1997-2018), o exército não recebeu outras funções além das militares e, a partir de 2006, foi encarregado de apoiar as tarefas de segurança pública. Desde 2018, o governo do presidente Andrés Manuel López Obrador deu a eles maiores competências.
O exército é responsável pela vigilância aduaneira e pela detenção de migrantes na fronteira, constroem obras como aeroportos, refinarias e trens, entregaram vacinas para combater a pandemia de Covid-19, distribuem livros didáticos e administram projetos de infraestrutura. Agora, sob o governo de López Obrador, as forças armadas assumiram um papel mais importante, o que levanta uma preocupação: alguém conseguirá tirar o poder delas e elas estarão dispostas a cedê-lo?
A região está passando por momentos de desconforto com a democracia, mas a crescente militarização também é um alerta para todos os países. Conferir poder aos militares é desconhecer a história política da região, mas também pode ser interpretado como uma ação autoritária por parte de alguns políticos que tentam proteger um projeto político específico. A literatura nesse campo é geralmente escassa, mas a situação política nos obriga, como cientistas sociais, a analisar esse novo fenômeno que está se desenvolvendo em várias nações.
Autor
Cientista político. Formado na Universidade Nacional Autônoma de México (UNAM). Diploma em Jornalismo pela Escola de Jornalismo Carlos Septién.