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O apoio da maioria não legitima o autoritarismo

O fato de 50,4% dos eleitores terem eleito Trump não o torna menos autoritário ou aspirante a fascista, e essa grande vitória não deve ser considerada uma delegação de poder.

O mundo vive um profundo transtorno. Uma era de mudanças autoritárias apoiadas por maiorias. Donald Trump venceu uma eleição histórica, mas não foi a virada copernicana que ele afirma ter sido e muito menos implica que o resultado o autoriza a mudar tudo. Na democracia, a vitória eleitoral não significa a delegação de poder. Infelizmente, essa confusão entre legitimidade e legalidade tende a ser aceita sem pensamento crítico. E o resultado dessa aceitação da anormalidade afeta a qualidade presente e futura da democracia.

O fato de 50,4% dos eleitores terem eleito Trump não o torna menos autoritário ou aspirante a fascista, e essa grande vitória não deve ser considerada uma delegação de poder, o que, por si só, é totalmente antidemocrático. Diga-se de passagem, Harris obteve 48% dos votos.

Este não é o momento para explicações unicausais ou atribuições de culpa. Trump venceu por muitos motivos, como propaganda eficaz, demonização, misoginia, racismo, militarização da política e falta de justiça em relação à sua tentativa de golpe. A legalidade é fundamental para a democracia e isso foi flagrantemente ignorado. O sistema político dos Estados Unidos negou que Trump tivesse promovido um golpe e decidiu que ele poderia concorrer novamente.

Normalizar a ilegalidade

Além disso, muitos meios de comunicação acabaram normalizando a ilegalidade de Trump. Seu extremismo tornou-se parte do panorama midiático e o contexto internacional certamente o ajudou. Seus cúmplices globais o apoiaram como era de se esperar.

Por outro lado, muitos optaram pelo ex-presidente por acharem que ele era melhor para a economia e outros decidiram que havia pouca diferença entre a candidata pró-democracia e o candidato antidemocracia. Como sempre acontece com o populismo, a crítica real ao elitismo e à tecnocracia dos governantes em exercício se funde com uma resposta messiânica, autoritária e hierárquica. A mensagem antipolítica de Trump foi muito efetiva, mas isso não significa que sua solução acabará com o elitismo e melhorará a situação econômica do país. Na verdade, seus planos protecionistas e suas promessas de deportações em massa irão, de muitas maneiras, piorar a vida das pessoas.

A história parece se repetir: durante toda a campanha eleitoral de 2016, Trump foi duramente criticado por seus comentários fascistas e racistas, mas depois da eleição ele diminuiu drasticamente sua retórica. No início de sua presidência, muitos jornais hesitaram em rotulá-lo de misógino e racista, apesar das evidências crescentes, e a palavra “fascismo” foi frequentemente retirada do léxico. Muitos acreditavam que as instituições, a lei e a tradição da legalidade forçariam o novo presidente a se comportar de modo presidencial e a respeitar os valores constitucionais fundamentais do país. É claro que aconteceu o contrário. Trump nunca se tornou “presidencial”. Os aspirantes a fascistas nunca se tornam, e seu mandato terminou com o golpe fracassado de 6 de janeiro de 2021.

Apesar de tudo isso, sua narrativa voltou a se normalizar e as lições de seu primeiro mandato foram esquecidas. 

Pelo menos para os especialistas em fascismo e populismo, o autoritarismo de Trump nunca foi uma estratégia política, mas sim uma autenticidade aos fatos da realidade. Assim como Jair Bolsonaro no Brasil, Viktor Orban na Hungria e Narendra Modi na Índia, Trump é um populista extremo, um aspirante a fascista.

Um ponto de inflexão

Ao negar os resultados das eleições de 2020 e promover a Grande Mentira sobre fraude eleitoral, Trump marcou um ponto de inflexão na política populista, permitindo e inspirando outros líderes a negar a legitimidade eleitoral de seus oponentes. Bolsonaro, no Brasil, ou Benjamin Netanyahu, em Israel, usaram falsidades sobre legalidade e fraude eleitoral para criar uma realidade alternativa em que podem governar sem os encargos e as restrições dos procedimentos democráticos.

É de se esperar que em seu próximo governo Trump intensifique a distorção da legalidade em prol da legitimidade do líder. Sua disposição de se colocar acima da legalidade se tornará a regra, e os direitos humanos e políticos serão gradualmente deixados de lado. Os fascistas, e muitas vezes também os populistas, justificam a mais absoluta ilegalidade em termos legais. É claro que isso não implica a destruição da democracia americana, mas não há dúvida de que ela sofrerá com o ataque do líder.

O aspirante ao fascismo é uma versão incompleta do fascismo, característica daqueles que buscam destruir a democracia para obter ganhos pessoais de curto prazo. Ganhando ou perdendo, Trump continua sendo uma figura autoritária, um populista extremo, um exemplo ideal da antidemocracia que ameaça o pluralismo e a tolerância em nível global.

Autor

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Professor de História da New School for Social Research (Nova York). Também lecionou na Brown University. Doutor pela Cornell Univ. Autor de vários livros sobre fascismo, populismo, ditaduras e o Holocausto. Seu último livro é "A Brief History of Fascist Lies" (2020).

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