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O caso González e os paradoxos da liberdade de expressão

O próximo 30 de junho será um dia histórico. Nohemí González morreu em 13 de novembro de 2015 na França como consequência dos ataques terroristas do Estado islâmico. Motivados pela dor e frustração, os pais da jovem latina entraram com um processo contra a empresa Google porque o YouTube, uma de suas empresas filiais, permitiu a difusão de vídeos com conteúdo que exibiam o radicalismo de grupos extremistas afiliados ao islamismo, antes do ataque terrorista.

O principal argumento do processo é que se as plataformas digitais pudessem detectar a tempo e baixar da nuvem conteúdos inadequados como, por exemplo, pornografia infantil, elas teriam sido capazes de detectar em suas múltiplas plataformas (de vídeo e e-mail) o compartilhamento de informações que encorajaram e planejaram o ataque terrorista.

O contra-argumento utilizado pelas empresas tecnológicas afetadas, que não é apenas Google, mas também Facebook e Twitter, é que elas não podem ser responsabilizadas pelo conteúdo publicado pelos usuários, e que se interviessem estariam afetando a liberdade de expressão dos milhões de usuários em todo o mundo. Para tanto, as empresas se amparam nos Estados Unidos, em uma lei de 1996, especificamente a seção 230, que protege as empresas na gestão do conteúdo para que elas possam fazê-lo como melhor lhes pareça, no entendimento de que as empresas não são inteiramente responsáveis pelo que os usuários publicam.

O processo contra o Google encontra-se na Suprema Corte dos Estados Unidos e, se for decidido contra a empresa, poderá levar a repensar uma série de valores e princípios sobre os quais foi construída a cultura a favor do direito à liberdade de expressão.

Em primeira instância, a decisão da Corte destacaria a exclusividade da garantia dos direitos humanos nas mãos do Estado. As empresas privadas, especialmente aquelas dedicadas às tecnologias da informação, assumiram o papel de defensoras e promotoras da liberdade de expressão. Entretanto, foram os Estados Nação os que assinaram a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1947 e, portanto, cabe a eles garantir e conciliar os diversos direitos que possam estar em conflito.

Neste caso, é evidente que o direito à vida é superior à liberdade de expressão, portanto, seria contraditório que os Estados delegassem sua responsabilidade às empresas de tecnologia em temas sensíveis onde a vida da população está em jogo. Da mesma forma, é contraditório que as empresas deleguem a responsabilidade de consumir conteúdos que difundem a ideologia, neste caso, dos jihadistas do Estado Islâmico que planejavam um ataque terrorista que lamentavelmente ocorreu.

Por outro lado, esta dupla negação de responsabilidade revela os paradoxos do valor da tolerância: pode-se ser tolerante com o intolerante? Pode-se permitir que o conhecimento do crime circule através por meios públicos que são regulados pelo Estado? Na América Latina, há décadas, existe o problema da censura e a restrição à transmissão por rádio pública dos narcocorridos, onde é evidente a conjunção de três elementos: a apologia do crime, a cultura permissiva e a exaltação da subjetividade de delinquentes. Comissões de Direitos Humanos e Câmaras das Indústrias de Rádio intervieram na defesa da censura, a restrição e a proibição dos narcocorridos, a partir de uma posição de promoção de uma cultura da paz.

Zygmunt Bauman, com sua análise da sociedade líquida, deu uma definição clara da conjuntura em que nos encontramos desde que aconteceu a nova revolução tecnológica na informação: “cabe ao cidadão resolver as contradições do sistema”. Deveríamos prestar muita atenção ao próximo 30 de junho, poderia ser um dia histórico, quando o Supremo Tribunal decidir a sentença. Mas acima de tudo, deveríamos estar atentos aos argumentos dos juízes para sustentar tal resolução. Com eles, ou seremos capazes de nos aventurar em uma nova forma de entender o poder vigente dos Estados Nação com respeito à regulação e responsabilidade do direito à liberdade de expressão, ou continuaremos com os paradoxos de uma sociedade líquida, que nas palavras do jornalista Andrés Oppenheimer pode ser resumida como: Salve-se quem puder! 

Autor

Professor de Pesquisa na Faculdade de Comunicação da Universidade Anáhuac México. Membro do Sistema Nacional de Pesquisadores. Doutor em Filosofia Política pela Univ. Nacional Autônoma de México (UNAM).

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