As relações entre a China e a América Latina adquiriram uma relevância crescente desde o início do século XXI. Esse fenômeno ocorreu em um contexto de profundas transformações na ordem internacional, caracterizado pela ascensão da China na geoestrutura internacional e pela implementação da iniciativa Cinturão e Rota (BRI). Mas como a relação entre a América Latina e a China evoluiu por meio do Fórum China-CELAC, considerando seus antecedentes, sua estrutura institucional e seus marcos históricos?
A trajetória de aproximação entre a América Latina e a China
Desde sua criação em 2010, a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) tem desempenhado um papel fundamental como líder no processo de integração regional. No entanto, essa dinâmica foi afetada a partir de 2017 devido a divisões internas e falta de consenso, o que levou a uma paralisação entre 2018 e 2020. Essa situação foi agravada pela decisão do governo Bolsonaro de suspender a participação do Brasil no organismo no início de 2020, o que gerou um período de incerteza para a integração regional latino-americana.
A reativação da CELAC ocorreu em 2020 sob a Presidência Pro Tempore do México, país que conseguiu convocar de forma virtual, devido à pandemia da COVID-19, tanto a XXIX Reunião das Coordenações Nacionais da CELAC (em 22 de setembro) quanto a XX Reunião de Ministros das Relações Exteriores (em 24 de setembro), ambos eventos no âmbito da 75ª Sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas. A reativação completa da CELAC se materializou com a realização da 6ª Cúpula da CELAC na Cidade do México em 18 de setembro de 2021.
Por sua vez, a China tem mantido uma estratégia ativa em relação à América Latina desde a década de 1990, tendo o então presidente Jiang Zemin (1993-2003) como um de seus principais promotores. No entanto, avanços substanciais nesse relacionamento foram alcançados mais tarde, durante o governo de Hu Jintao (2003-2013). Em primeiro lugar, em 2008, com a publicação do “China’s Policy Paper on Latin America and the Caribbean” (conhecido como o Livro Branco de 2008); e, em seguida, em 2012, quando o então primeiro-ministro chinês Wen Jiabao fez um discurso nos escritórios da CEPAL em Santiago do Chile. Esse discurso não apenas impulsionou significativamente a relação, mas também materializou as diretrizes delineadas no Livro Branco.
Entre as iniciativas mencionadas por Wen Jiabao em 2012, destacam-se a criação de um Fundo de Cooperação China-América Latina e Caribe, destinado a impulsionar a cooperação em vários setores, juntamente com a concessão de uma linha de crédito especial de US$ 10 bilhões, com o objetivo de promover a construção de infraestruturas essenciais, como ferrovias, estradas, portos, usinas elétricas e redes de telecomunicações na região.
Particularmente relevante, no entanto, foi a proposta de estabelecer um Fórum de Cooperação China-América Latina e Caribe, que serviria como uma plataforma para institucionalizar e fortalecer os vínculos entre ambas as partes. Dando continuidade à vontade expressa pelos governos anteriores, a proposta do Fórum China-CELAC finalmente se concretizou em 17 de julho de 2014, quando o Presidente Xi Jinping participou da reunião de líderes chineses, latino-americanos e caribenhos em Brasília. Nesse encontro histórico, foi anunciada a inauguração oficial do Fórum China-CELAC e foi convocada a primeira reunião de Ministros das Relações Exteriores, realizada em Pequim.
Estrutura institucional do Fórum China-CELAC
O Fórum China-CELAC distingue-se por sua institucionalidade intergovernamental simples, mas fornece uma estrutura para o diálogo e a cooperação entre a China e os países da América Latina e do Caribe. No nível mais alto encontra-se a Reunião Ministerial, que reúne os Ministros das Relações Exteriores dos países da CELAC e da China. Essa reunião foi realizada em três ocasiões, sendo a última no México em dezembro de 2021. Essas reuniões marcaram momentos chave, pois não apenas permitiram que os países participantes coordenassem seus esforços e definissem estratégias comuns para enfrentar os desafios regionais e globais, mas também foram essenciais para definir a agenda e explorar novas oportunidades de cooperação.
A seguir, apresentamos uma instância de coordenação mais dinâmica e compacta, o mecanismo de Diálogo entre Ministros das Relações Exteriores da China e o Quarteto da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC). É importante destacar que o Quarteto da CELAC é composto pela Presidência Pro Tempore (PPT) anterior, a PPT atual, a PPT futura e a PPT da CARICOM. Esse mecanismo de diálogo desempenha um papel fundamental na coordenação de políticas e estratégias comuns, promovendo coerência e eficácia na relação entre ambas as partes.
Há também a Reunião de Coordenadores Nacionais, que desempenha um papel crucial no funcionamento das reuniões ministeriais, pois é nela que os detalhes logísticos são elaborados e os acordos firmados pelos líderes são acompanhados. Ao se reunir pelo menos uma vez por ano, essa reunião tem o objetivo de garantir uma coordenação efetiva e uma implementação harmoniosa dos acordos alcançados.
Além dessas instâncias de coordenação política, dentro do marco do Fórum China-CELAC, foram criados vários subfóruns temáticos que se concentram em áreas específicas de interesse tanto para a China quanto para a América Latina, como agricultura, inovação científico-tecnológica e empresarial, entre outras. Esses subfóruns facilitaram uma dinâmica mais detalhada e especializada dos principais aspectos da cooperação bilateral.
Marcos na evolução histórica do Fórum China-CELAC
A evolução histórica do Fórum China-CELAC testemunhou marcos significativos na relação entre a China e os países da América Latina e do Caribe, que se materializaram nas Reuniões de Ministros das Relações Exteriores, que representam a autoridade máxima do fórum. Em sua primeira reunião ministerial, em janeiro de 2015, o Fórum delineou uma cooperação baseada nos princípios de flexibilidade e participação voluntária. Nesse contexto, foi estabelecida a Declaração de Pequim e acordado o Plano de Cooperação 2015-2019, que delineou objetivos ambiciosos para fortalecer o comércio e os investimentos entre ambas as partes nos próximos cinco anos.
A segunda reunião ministerial, realizada em Santiago do Chile em janeiro de 2018, consolidou ainda mais essa parceria por meio da Declaração de Santiago e da adoção do Plano de Ação 2019-2021. Esse plano refletiu o compromisso de ambas as partes de promover o desenvolvimento sustentável na região, aproveitando as oportunidades apresentadas pela iniciativa ” Cinturão e Rota” da China.
Na terceira reunião ministerial, realizada de forma virtual em dezembro de 2021 devido à pandemia da COVID-19, foi feita uma declaração conjunta e adotado o Plano de Ação 2022-2024. Esse plano representa o mais recente passo na cooperação entre ambas as partes, com um foco renovado em áreas como política e segurança, cooperação econômica, ciência e tecnologia, infraestrutura de alta qualidade, cooperação social e cultural, entre outros aspectos.
Perspectivas para o futuro
O Fórum China-CELAC se estabeleceu como um mecanismo essencial para promover a cooperação entre a China e a América Latina, destacando sua flexibilidade institucional e enfoque nas necessidades de cada lado. Ao longo de suas três reuniões ministeriais, desenvolveu uma agenda robusta com o objetivo de promover o diálogo, a colaboração e o intercâmbio em várias áreas de interesse mútuo. No entanto, o último marco histórico do Fórum China-CELAC foi em 2021, o que impõe o desafio de continuar fortalecendo essa parceria.
Nesse sentido, é crucial reconhecer que a terceira edição do Livro Branco para a América Latina, que delinearia as diretrizes e os objetivos da China em seu relacionamento com a região, poderá ser publicada em breve. Além disso, espera-se que se realize a Quarta Reunião de Ministros do Fórum China-CELAC, a qual poderia ocorrer na China, dando a esse país um papel mais proeminente na formação da agenda bilateral.
Por fim, espera-se que um novo plano de ação seja publicado, abrangendo o período de 2025 a pelo menos 2027, com o objetivo de orientar e estruturar a cooperação entre a China e a América Latina nos próximos anos.
* Este texto foi originalmente publicado no site da REDCAEM.
Autor
Professor associado da Universidade Sun Yat-sen na China, membro do Sistema Nacional de Pesquisadores do México e membro da REDCAEM (Rede China-América Latina).