Quando muitos governos da região impuseram vistos para limitar a entrada e permanência de migrantes venezuelanos nos seus países, ou militarizaram as suas fronteiras para dificultar a sua entrada, a Colômbia manteve as suas fronteiras abertas, nunca impôs requisitos restritivos, fechou os postos fronteiriços apenas para conter a pandemia e adotou recentemente o Estatuto de Proteção Temporária para os Migrantes Venezuelanos. A gestão da migração venezuelana é um dos legados mais importantes que este governo colombiano vai deixar à região.
As alegadas razões para o sucesso
Embora o acesso sem restrições de cidadãos venezuelanos possa ter passado despercebido, a decisão de adotar o Estatuto de Proteção Temporária foi saudada pelos meios de comunicação social e pela comunidade internacional como um gesto sem precedentes.
A Colômbia, o país com a maior migração de venezuelanos na região e no mundo, necessitava urgentemente de uma medida para regularizar os quase um milhão de migrantes que se encontram no país em situação irregular. O próprio governo reconheceu que esta situação trouxe consigo desafios significativos para o desenvolvimento de uma política pública coerente e implicações fiscais, especialmente para o sistema de saúde.
Portanto, o Estatuto, que visa regularizar a maioria dos cidadãos venezuelanos na Colômbia e conceder-lhes uma autorização por um período de 10 anos, melhorará o estatuto dos migrantes e proporcionará mais e melhor proteção dos seus direitos.
No discurso inaugural do Estatuto, juntamente com o Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados, Filippo Grandi, o Presidente Iván Duque declarou que o Estatuto “representa a mais importante política migratória em termos de fraternidade, ordem e legalidade jamais vista na América Latina e no Caribe”, enquanto que o Alto Comissário destacou o Estatuto como “um gesto humanitário emblemático para a região, inclusive para o mundo inteiro”.
Expulsões discricionárias
O Estatuto é apenas a última de uma série de medidas e ações que contribuíram para a construção da narrativa da generosidade da Colômbia. Mas, ao mesmo tempo, outra série de ações, muito menos nobres, foram implementadas e marcaram também a política de migração do país nos últimos anos.
A primeira é a longa série de expulsões “discricionárias” de estrangeiros, especialmente os da Venezuela, em circunstâncias que põem em dúvida o respeito pelo direito ao devido processo. Sob os fundamentos da expulsão discricionária, Migración Colombia, a autoridade de controlo e verificação da migração, expulsa pessoas que considera terem realizado atividades que ameaçam a segurança nacional, a ordem pública, a saúde pública, a tranquilidade social, a segurança pública ou quando há informações dos serviços de inteligência que indicam que o estrangeiro representa um risco neste sentido. Estas sanções são acompanhadas por uma proibição de regresso ao país por um período que varia entre cinco e mais de dez anos.
Dados da mesma autoridade de migração mostram que quase todas as expulsões em 2020 foram “discricionárias” e que, desde 2018, tem havido uma tendência crescente para a utilização desta sanção. Contudo, é muito difícil, se não impossível, para a pessoa sujeita a esta medida contestar a decisão da autoridade e ter acesso a assistência jurídica. Entre outras razões, isto deve-se ao curto período de tempo em que estas expulsões são geralmente efetuadas e à utilização arbitrária das mesmas por parte da autoridade de migração.
Em casos semelhantes de deportações sumárias e coletivas de migrantes da Venezuela no Chile, os tribunais deixaram claro que o seu direito ao devido processo tinha sido violado e que os migrantes podem enfrentar riscos para a sua vida e integridade quando regressam à Venezuela, razão pela qual não devem ser expulsos.
Desrespeito pela proteção internacional
A Colômbia também ignora a necessidade de proteção internacional desta população. Até dezembro de 2020, apenas 771 venezuelanos tinham obtido o estatuto de refugiados e menos de 20.000 pedidos tinham sido recebidos.
Isto é agravado pelas notórias deficiências do sistema colombiano de refugiados, que deixa o requerente à espera de uma resposta por um período de tempo indefinido que pode durar anos, durante o qual a pessoa é incapaz de levar a cabo atividades econômicas. Apesar das dificuldades que isto cria para estas pessoas, o governo ainda não manifestou qualquer intenção de reformar o sistema.
Neste contexto, medidas como o Estatuto procuram oferecer alternativas mais vantajosas para os requerentes de asilo em termos de acesso aos direitos. Mas ignoram sem dúvida a sua necessidade de proteção e não os protegem de serem devolvidos ao seu país de origem.
Em suma, o Estado colombiano tem feito muito pela migração venezuelana sob a presidência de Iván Duque. Muito mais do que outros países da região. Mas é necessária uma análise mais detalhada, aprofundada e crítica para determinar as dimensões reais do seu legado e se este é realmente um exemplo a seguir.
Autor
Professora assistente da Faculdade de Direito da Univ. dos Andes (Bogotá) e da Clínica Jurídica para Migrantes. Membro do Centro de Estudos Migratórios e do Grupo de pesquisa em Direito, Migração e Ação Social da mesma universidade.