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O que acontecerá com as crianças migrantes abandonadas?

Fernando é uma criança migrante abandonada na Colômbia. Ele tem cinco anos e está aos cuidados do Estado colombiano há dois anos. Nesse tempo, não pôde encontrar sua família, e não se sabe se ela tem a possibilidade e vontade para acolhê-lo novamente. A entidade responsável pelo cuidado de crianças e adolescentes estima que, na Colômbia, 1.200 crianças migrantes se encontram nesta mesma situação. E, como Fernando, há crianças abandonadas na fronteira entre Estados Unidos e México, na Europa e em muitos outros países.

Qual é a resposta mais adequada à situação de Fernando e de milhares de outras crianças e adolescentes migrantes que são abandonados por seus pais ou cuidadores nos Estados de trânsito e destino de sua rota migratória?

Esta é uma situação que requer uma solução urgente, já que uma resposta excessivamente lenta, parcial ou equivocada impactará ainda mais a vida de milhares de crianças abandonadas.

São muitas as dificuldades para superar. Como remediar a falta de documentação dessas crianças? Como procurar seus pais ou familiares, especialmente em contextos de alta vulnerabilidade, como as condições em que esses menores e suas famílias migram e vivem? Como contribuir ao seu projeto de vida e seu direito de ter uma família sem prejudicar sua voz?

Até agora, em 2022, alguns países avançaram em respostas possíveis para encontrar soluções estáveis e duráveis para as crianças e adolescentes migrantes abandonados em seus territórios. A Espanha tem dado passos importantes para suprimir os obstáculos que ainda existiam para o acesso rápido a um status migratório regular para crianças abandonadas aos cuidados dos serviços de proteção de menores, e para jovens entre 18 e 23 anos, para que não cheguem à maioridade em situação migratória irregular.

Enquanto isso, desde maio de 2022, o Serviço de Cidadania e Imigração dos Estados Unidos  modificou os requisitos de acesso ao status de Jovem Imigrante Especial. Este status agora pode ser obtido, entre outros, pelos migrantes menores de 21 anos que foram abandonados, quando um tribunal estadual de menores determinou que o regresso ao seu país não é uma solução em acordo com seu interesse. Embora esta modificação não resolva muitas das  dificuldades que estas crianças enfrentam quando ingressam ao sistema nacional de cuidado, é um passo em direção à residência permanente.

Qual tem sido a resposta da Colômbia?

Há algumas semanas, a Corte Constitucional colombiano resolveu um caso muito similar ao de Fernando. Embora o texto completo da sentença ainda não seja público, o que torna difícil pronunciar-se sobre os méritos da decisão, é certo que, para o bem ou para o mal, ele projeta um possível caminho onde a normativa atual não deu uma resposta adequada, deixando as autoridades responsáveis pelo cuidado das crianças migrantes abandonadas atadas.

No caso de um menor de idade abandonado, seja estrangeira ou nacional, é claro que o primeiro passo é a busca por seus pais, família estendida ou adulto para que assuma seu cuidado. O objetivo desta busca é reintegrar a criança ao meio familiar, que é a solução mais desejável, sempre e quando a família possa cuidar do menor de idade, garantir seus direitos e esteja em um país para o qual a criança possa regressar.

Entretanto, no caso da Colômbia e das crianças de nacionalidade venezuelana em particular, a busca da família é uma tarefa especialmente complexa para as autoridades, devido à falta de relações diplomáticas entre Venezuela e Colômbia desde fevereiro de 2019. Esta situação impede que a autoridade colombiana encarregada do cuidado destes menores de idade possa se comunicar e apoiar-se em seu homólogo na Venezuela com o fim de encontrar os pais e a família da criança. Embora tenham tentado encontrar caminhos alternativos, esses mecanismos não deram os resultados esperados e seu alcance ainda é limitado.

Assim, dada a impossibilidade do retorno à sua família, uma criança migrante abandonada é condenada a viver sob os cuidados do Estado colombiano até alcançar a maioridade. Isto porque a adoção, que é o outro caminho possível para estes menores, não era uma possibilidade, já que as crianças estrangeiras não podem ser dadas para adoção pelas autoridades colombianas.

É aqui onde a sentença da Corte Constitucional colombiana de maio de 2022 pode fazer a diferença. Nesta decisão, a Corte ordena o Ministério das Relações Exteriores a conceder a nacionalidade colombiana a um menor de idade de cinco anos de nacionalidade venezuelana, que se encontra há mais de dois anos sob o cuidado do Estado colombiano, sem ter conseguido localizar sua família.

As autoridades também deverão avaliar a medida de adoção como última alternativa em seu caso, uma solução que agora seria viável tratando-se de uma criança colombiana. Por ordem da mesma Corte, esta decisão abrangerá todas as crianças migrantes de origem venezuelana, em situação migratória irregular e abandono que estejam na Colômbia há pelo menos um ano, até que exista uma lei ou regulação da matéria ou se mantenha o “bloco institucional”, nas palavras da Corte.

Poucos dias antes de conhecer a decisão da Corte Constitucional, o Governo Nacional apresentou um projeto de lei que busca conceder a nacionalidade colombiana a todo menor de idade migrante que se encontre sob o cuidado do Estado e para o qual a reintegração familiar não é possível. Embora muito possa acontecer até a eventual aprovação deste projeto de lei – que está sendo apresentado a um Congresso da República recentemente renovado e às vésperas de uma mudança de Governo – é provável que os três ramos do poder estejam envolvidos para dar uma resposta às crianças e adolescentes migrantes abandonados na Colômbia.

É muito cedo para afirmar se as respostas do Estado são as mais adequadas. Mas o que estas ações recentes mostram é que, diante da situação das crianças migrantes abandonadas, não pode haver silêncio. Não na Colômbia ou em qualquer outro país.

Autor

Professora assistente da Faculdade de Direito da Univ. dos Andes (Bogotá) e da Clínica Jurídica para Migrantes. Membro do Centro de Estudos Migratórios e do Grupo de pesquisa em Direito, Migração e Ação Social da mesma universidade.

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