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O novo menu da manipulação eleitoral

Na última semana de outubro de 2023, o regime de Daniel Ortega e Rosario Murillo na Nicarágua assumiu o controle do Poder Judiciário pela via policial. Sua presidente Alba Ramos e a magistrada Yadira Centeno foram desalojadas e outros funcionários foram presos. Essa ação foi mais uma tentativa de assumir o controle de instituições chave do Estado, como aconteceu com o Tribunal Eleitoral, o Ministério das Relações Exteriores, a Polícia e o Ministério Público. Mas o fim da separação de poderes e a concentração em uma única pessoa começou quando Ortega foi reeleito em 2011, violando a constituição e inaugurando uma nova era autoritária no país. 

Diferentemente do que ocorreu no século XX, quando as frágeis democracias latino-americanas sucumbiram a golpes de Estado de coalizões de governo formadas por militares e setores reacionários, muitas vezes apoiados por atores externos, no século XXI as democracias latino-americanas sofrem uma erosão interna. Tal erosão é impulsionada por uma cidadania insatisfeita e por lideranças políticas com baixa lealdade democrática, mas não deriva de uma confrontação ideológica, nem da intervenção dos militares como atores centrais, e não há uma clara influência de agentes externos. Na América Latina, prevalece a máxima “sem eleições não há democracia”, embora pareça insuficiente, pois, de acordo com os dados do Latinobarómetro para 2023, o apoio à democracia caiu para níveis inferiores a 50%, um percentual nunca antes registrado, com maior incidência em 12 países, como Costa Rica, México, Chile e Uruguai. Consequentemente, a indiferença em relação a ter ou não um governo democrático aumentou e, em casos como México, Guatemala e República Dominicana, existe a preocupação de que o apoio ao autoritarismo tenha aumentado significativamente.

Para evitar a erosão contínua da democracia, é importante localizar os processos políticos que a precedem. Em 2002, Andreas Schedler identificou o “menu de manipulação eleitoral” em regimes autoritários que usavam as eleições para se legitimar. As estratégias eram: a) limitar os cargos a serem eleitos e remover cargos-chave das eleições; b) excluir das eleições os candidatos da oposição potencialmente perigosos para o regime; c) limitar as opções para os cidadãos; d) a privação informal do direito ao voto; d) a coação do voto e) o uso aberto da fraude eleitoral; e/ou a introdução de mecanismos para distorcer os resultados por meio do desempenho das autoridades eleitorais; e f) a tutela dos representantes eleitos, ou seja, reduzir seu poder ao papel. Schedler observou os casos no contexto da terceira onda de democratização. Lá, os governantes autocráticos mantiveram grande parte do controle sobre as instituições estatais e, em muitos casos, essas estratégias foram substituídas pelas práticas democráticas. Alguns anos mais tarde, em 2010, Schedler identificou novamente regimes autoritários que “aceitavam” as instituições representativas liberais na medida em que se assemelhavam às democracias liberais, mas se especializavam em sua manipulação: restringiam e neutralizavam suas ações, controlavam os processos de designação, promoviam sua fragmentação e a falta de coordenação entre as instituições de controle e limitavam suas redes de apoio, assim como seus recursos. 

No século XXI, os casos de El Salvador, Guatemala, Nicarágua e Venezuela e, em um grau menor, mas não menos preocupante, da Bolívia e do México, abriram um novo menu de manipulação eleitoral e institucional. Tudo começa com uma acentuada obsessão do presidente em exercício para se manter no poder e, dadas as restrições – limitadas a apenas dois mandatos ou banidas, conforme o caso -, são feitas manobras para modificar ilegitimamente as regras, que requerem o consenso de diversos atores individuais e coletivos, como o judiciário, as autoridades eleitorais e os partidos políticos majoritários no Congresso, e, para isso, os poderes de controle e a integridade eleitoral são degradados. 

Essas estratégias são apresentadas de forma diferente em cada caso, mas são caracterizadas por: a) enfraquecimento do Poder Judiciário e dos órgãos eleitorais, começando com a desqualificação pública e o assédio de seus membros apoiados pela mídia pró-governo, as pressões se materializam com julgamentos de responsabilidade que os levam a renunciar ou a demiti-los ilegalmente; b) o uso ilegítimo de maiorias legislativas, quando elas existem, ou a pressão aberta sobre os legisladores em congressos divididos, para distorcer e/ou modificar as leis que regulam as eleições e o funcionamento das instituições de controle, afastando-as do espírito em que foram criadas; c) a cooptação e captura do poder judiciário e dos órgãos eleitorais, por meio de modificações normativas que alteram seu funcionamento, o impacto de seus respectivos orçamentos para reduzir suas possibilidades de atuação, o aumento do número de membros das câmaras superiores e, finalmente, a nomeação de pessoas incondicionais para anular decisões que sejam contrárias aos interesses do governo; tudo isso em conjunto permite, d) a neutralização das oposições, pois uma vez alcançados os objetivos de eliminar os controles, eles são usados abertamente para afetar os candidatos da oposição em todos os níveis, de modo que os resultados favoreçam por default o partido no poder. Em fases mais intensas e avançadas, se as instituições de controle resistirem aos embates, são promovidas profundas reformas legais para enfraquecê-las ou eliminá-las e substituí-las por outros órgãos com pessoas afins ao regime, como aconteceu na Venezuela e na Nicarágua.
A novidade desse menu é que ele opera em países que se haviam democratizado mais ou menos ou que estavam em vias de fazê-lo, como El Salvador e Nicarágua, ou que eram democracias mais ou menos funcionais, como no caso da Venezuela, onde as eleições funcionavam de maneira aceitável ou atendiam aos padrões mínimos, e onde existem ou existiam oposições fortes e estruturadas dentro de um sistema partidário, como na Guatemala, Bolívia e México. As estratégias do menu são conduzidas por governantes que emanaram de eleições livres e que chegaram ao poder com promessas de melhorar os déficits da democracia, mas que, uma vez no cargo, tornaram-se autoritários e não se limitam a manipular as instituições e as eleições preservando as formas, mas sim utilizando abertamente essas vias para posicionar sua influência após o término do mandato, como aconteceu com Evo Morales ou López Obrador, para permanecer no poder, como Nicolás Maduro, Daniel Ortega e Nayib Bukele, ou para manter seus privilégios, como é o caso do sistema de “pacto de corrupção” na Guatemala. Os menus aparecem e se ampliam devido à persistente debilidade estatal, economias com resultados precários e, enquanto não forem resolvidos, parece que a região está condenada à oscilação entre autoritarismo e democracia.

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Cientista político. Professor da Universidade de Guanajuato (México). Doutorado em Ciência Política pela Universidade de Florença (Itália). Suas áreas de interesse são a política e as eleições na América Latina e a teoria política moderna.

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