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O paradoxo da impopularidade: quando combater a corrupção desgasta mais do que escondê-la

O combate eficaz à corrupção traz à luz esquemas antes invisíveis, provocando um aumento artificial da percepção do problema.

As pesquisas de opinião mostram que o presidente Lula enfrenta um cenário desafiador em seu terceiro mandato: os índices de aprovação estão significativamente abaixo daqueles registrados em seus primeiros anos de governo, entre 2003 e 2010. Embora isso não seja um fenômeno exclusivo do Brasil — em quase toda a América Latina, a popularidade dos presidentes tem diminuído —, o caso brasileiro chama atenção. Mesmo com indicadores econômicos positivos, como crescimento do PIB acima da média mundial, queda do desemprego e aumento da renda, o apoio ao governo patina e não apresenta sinais claros de recuperação.

Segundo a última pesquisa da Quaest, um dos fatores que explicam esse descompasso entre desempenho econômico e apoio popular é a preocupação crescente dos brasileiros com a corrupção. Esse dado é corroborado por outros levantamentos. O instituto PoderData, por exemplo, apontou que 47% dos entrevistados acreditam que a corrupção aumentou no atual governo. Já o Instituto Atlas indicou que a corrupção voltou a ocupar o posto de principal problema do país, superando, inclusive, questões como criminalidade e tráfico de drogas — temas historicamente percebidos como ameaças diretas à vida cotidiana das famílias brasileiras.

O retorno da centralidade da corrupção no debate público coincide com a repercussão de um escândalo revelado recentemente: o desvio de parte das aposentadorias de servidores para associações que prestam serviços para aposentados, por meio de um esquema que envolvia funcionários do INSS. Embora tenha sido criado durante o governo anterior, o esquema foi desmontado pela Polícia Federal e pela Controladoria-Geral da União, ambas instituições fortalecidas e subordinadas ao atual governo. O presidente Lula determinou o afastamento da cúpula do órgão responsável e prometeu restituir os recursos desviados aos beneficiários. A decisão, porém, custou a perda de um partido da base governista, que ocupava o ministério envolvido.

Em tese, o governo deveria ser reconhecido pelo esforço de enfrentar irregularidades, punir os responsáveis e reforçar a integridade das instituições. No entanto, o resultado tem sido o oposto: desgaste político e queda na aprovação popular. Parte da imprensa, em vez de destacar a atuação proativa do governo no combate à corrupção, associou o escândalo diretamente ao atual presidente. O efeito é perverso: penaliza-se quem combateu a corrupção, e não quem a instituiu ou se beneficiou dela. O incentivo, nesse contexto, torna-se negativo — afinal, se revelar a corrupção desgasta mais do que escondê-la, melhor não levantar o tapete.

É nesse paradoxo que ressurge a figura de Jair Bolsonaro. Durante seu governo, houve um enfraquecimento sistemático dos mecanismos de controle e fiscalização, com intervenções em órgãos como a Polícia Federal, a Receita Federal, o Coaf e o Ministério Público. Mesmo assim, Bolsonaro repetiu à exaustão que “não havia corrupção” em sua administração. A frase, embora desmentida por diversas investigações, ressoou entre eleitores. Na lógica do ex-presidente, e que infelizmente parece encontrar respaldo na realidade política, o que não é revelado, simplesmente não existe. A ausência de transparência, paradoxalmente, se converte em capital político.

Mas como esse fenômeno se explica?

Na ciência política, há um pressuposto amplamente aceito: políticos, em regimes democráticos, buscam a aprovação dos eleitores para manterem-se no poder. Ao contrário de regimes autoritários, onde a coação, a fraude ou a manipulação asseguram a continuidade no cargo, nas democracias os governantes precisam conquistar apoio em eleições minimamente competitivas. Para isso, precisam prestar contas, mostrar resultados e convencer a população de que merecem continuar.

A opinião pública, portanto, torna-se um fator central na lógica da representação democrática. É ela que direciona as prioridades do governo, influencia a formulação de políticas públicas e serve de termômetro para as decisões estratégicas. Governos que querem se manter no poder precisam responder às demandas sociais: melhorar a saúde, investir em educação, combater o desmatamento, promover o crescimento econômico, garantir segurança e, claro, enfrentar a corrupção. Esses compromissos não são apenas éticos, mas pragmáticos com vistas a conquistar apoio.

O combate à corrupção, nesse sentido, deve ser entendido como uma política pública. Exige planejamento, recursos, institucionalidade e, sobretudo, priorização por parte do governante. Implica dar autonomia aos órgãos de controle, investir em fiscalização, ampliar a transparência e criar mecanismos efetivos de responsabilização. Não se trata de uma cruzada moral, mas de uma escolha de gestão para proteger o dinheiro público e garantir que ele seja usado para atender às necessidades da sociedade. A corrupção, afinal, não é uma falha moral individual, mas uma disfunção das instituições.

O problema é que, ao contrário do que ocorre em outras áreas, o sucesso no combate à corrupção pode gerar um efeito colateral indesejado: aumentar a percepção de que a corrupção está crescendo. Isso acontece porque, quanto mais operações da Polícia Federal ganham as manchetes, quanto mais prisões são feitas, quanto mais escândalos vêm à tona, maior é a sensação de que o problema está fora de controle — ainda que, paradoxalmente, essas ações sejam resultado do funcionamento correto das instituições.

É o “efeito visibilidade”. O combate eficaz à corrupção traz à luz esquemas antes invisíveis, provocando um aumento artificial da percepção do problema. É um fenômeno que coloca os governos diante de um dilema: agir para enfrentar a corrupção e sofrer com o desgaste político imediato, ou omitir e colher benefícios eleitorais no curto prazo.

Esse efeito também levanta questionamentos sobre a utilidade de índices de “percepção da corrupção”, como os da Transparência Internacional. Esses indicadores não medem propriamente os casos reais de corrupção, mas sim o sentimento de que ela existe — sentimento esse que pode ser intensificado justamente por governos que mais combatem o problema.

A imprensa, nesse contexto, desempenha um papel essencial. É dever do jornalismo investigar, denunciar e fiscalizar os detentores de poder. Mas também é preciso responsabilidade na apuração e na forma como os casos são noticiados. Quando não se distingue quem promove os desvios de quem os combate, corre-se o risco de deslegitimar justamente os que tentam consertar as falhas do sistema.

O desafio, portanto, é duplo: para os governos, que precisam decidir se vale a pena enfrentar um problema mesmo quando isso custa popularidade; e para a imprensa e a sociedade, que devem aprender a reconhecer que combater a corrupção também gera ruído — e que esse ruído, quando bem interpretado, pode ser sinal de que as instituições estão funcionando.

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Pesquisador da Fundação Casa de Rui Barbosa e professor do programa de pós-graduação em Ciência Política da UNIRIO - Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.

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