O governo liderado por Alberto Fernández do Frente de Todos, que assumiu em 10 de dezembro de 2019, emergiu no marco de uma estratégia política para vencer o então oficialismo do Juntos por el Cambio, encabeçado por Mauricio Macri. Esta estratégia, idealizada por Cristina Fernández de Kirchner, constituiu o novo Governo, não como uma coalizão de governo, mas como uma coalizão de poder.
Entende-se como coalizão de governo o acordo entre duas ou mais forças políticas em torno de um programa político relativamente consensual e que guarda aspectos considerados fundamentais pelas forças que compõem a coalizão. Por outro lado, uma coalizão de poder é o acordo de duas ou mais forças ou espaços políticos com o único objetivo de ganhar uma eleição.
A eleição presidencial de 2019 na Argentina teve estas características: um acordo entre o kirchnerismo e setores do peronismo territorial não kirchnerista, que se aliaram no entendimento de que o maior espaço da coalizão, o movimento liderado por Cristina Fernández, não poderia ganhar a eleição por si só. Tanto que a líder natural do espaço se relegou ao cargo de vice-presidente na fórmula eleitoral. Embora o triunfo fosse claro, também se vislumbraram quatro anos de governo não tão consensuais.
A pandemia da COVID-19, que surgiu assim que assumiu o governo, gerou outro cenário político, e sua gestão permitiu a centralidade da figura presidencial de Alberto Fernández. O Frente de Todos seguia sendo uma frente comum, mas bastou o passar dos meses e os governos se virem obrigados a administrar não só a crise sanitária, mas também a crise econômica pelo fechamento e pela queda da atividade, para que surgissem as diferenças dentro da coalizão.
Os desencontros foram se sucedendo: a volta à educação presencial, a continuidade da política sanitária, as necessidades fiscais, a relação com os distritos governados pela oposição e a inflação progressiva, assim como a recuperação do consumo atrasado. Em resumo, questões que agitaram a agenda governamental e começaram a abalar o acordo eleitoral.
No entanto, o tema que conduziu à fratura atual – pouco explícita – foi a necessidade de encarar o que em tempos de pandemia havia sido adiado: a negociação com o FMI para o refinanciamento do vencimento da dívida, uma dívida, em grande parte, contraída no governo de Macri, que nem o governo nem a economia argentina estavam preparados para enfrentar.
O acordo com o FMI exigiu, como sempre sucedeu, um ajuste fiscal importante que, em um contexto inflacionário como o que atravessa o país e recessivo como consequência da pandemia, foi difícil de sustentar de uma perspectiva eleitoral, levando em conta as eleições presidenciais do próximo ano.
O aviso foi a derrota eleitoral do oficialismo nas eleições de meio termo de novembro de 2021, o que permitiu à oposição equiparar forças no Congresso.
A fissura que se abriu antes da assinatura do acordo com o FMI tinha dividido os principais parceiros da antiga coalizão de poder: o kirchnerismo, por um lado, e o “albertismo”, mais a maioria dos governadores peronistas, a CGT – a principal confederação sindical – e as principais organizações sociais, por outro.
Por outro lado, a oposição do Juntos pelo Cambio, que foi um governo de coalizão entre 2015 e 2019, e que se sustenta como um acordo programático além de suas distintas procedências políticas, começou a festejar em silêncio.
Mas a divisão dentro do Governo se oficializou com o tratamento parlamentar da lei que o presidente derivou para aprovar o acordo com o FMI. A aprovação parlamentar, que não foi solicitada pelo Fundo, foi provavelmente enviada pelo presidente para medir definitivamente as forças. O acordo foi aprovado no Congresso com os votos do “albertismo” e da oposição, e a rejeição do kirchnerismo, o outro parceiro do Frente de Todos.
O que se seguiu à aprovação parlamentar foi uma guerra midiática entre os ex-parceiros, cada dia mais amarga para o deleite e o cálculo eleitoral da oposição.
A política atual, sobretudo na América Latina, compõe-se basicamente de acordos entre distintas forças políticas e sociais cujo objetivo principal – legítimo – é ganhar eleições. Entretanto, a realidade está mostrando (Lenín Moreno, Jair Bolsonaro, Alberto Fernández, Pedro Castillo e talvez também AMLO), que após um triunfo eleitoral é necessário governar, e sem bases e acordos programáticos sólidos, estes triunfos eleitorais se transformam em vitórias pírricas.
O problema é que quem sofre com essas discordâncias e com o impacto das lutas internas nos Governos não são seus protagonistas, mas as sociedades.
Autor
Diretor da Licenciatura em Ciência Política e Governo da Universidade Nacional de Lanús. Professor da Faculdade de Ciências Sociais da Univ. de Buenos Aires (UBA). Formado em Sociologia pela UBA e em Ciência Política pela Flacso-Argentina.