As pesquisas eleitorais, essenciais para entender a dinâmica política, estão em uma encruzilhada na era digital. A discrepância entre as previsões das pesquisas e os resultados reais das eleições suscitou um profundo debate sobre sua eficácia e relevância na sociedade contemporânea. Isso levou a questionamentos sobre sua utilidade e a alegações de que trata-se simplesmente de ferramentas de manipulação e veículos de desinformação.
Ao longo da história, as pesquisas eleitorais têm sido cruciais para antecipar tendências políticas e compreender as preferências do eleitorado. Desde seu surgimento no século passado, quando estabeleceu-se as bases teóricos e conceituais que hoje são familiares, como representatividade, vieses, marco amostral ou questionários, até sua expansão durante a era das telecomunicações entre 1960 e 1990, impulsionada pela penetração do telefone fixo nas classes média e baixa, as pesquisas evoluíram para se adaptar às mudanças sociais e tecnológicas de sua época.
A crise da metodologia
Entretanto, o surgimento da internet e a proliferação de dispositivos móveis transformaram radicalmente o panorama das pesquisas eleitorais. Essas circunstâncias geraram uma crise para uma das metodologias mais tradicionais para realizar pesquisas: a amostragem aleatória por discagem digital. Isso se baseia em listas telefônicas como um quadro amostral e permite que um grupo significativo de residentes em uma determinada jurisdição tenha a mesma probabilidade de ser selecionado para participar de uma pesquisa.
O declínio na participação em pesquisas telefônicas e entrevistas presenciais tem apresentado desafios significativos para os pesquisadores, que enfrentam a difícil tarefa de alcançar amostras representativas em um entorno digital em constante evolução. A expansão da telefonia móvel e a preferência dos jovens por se comunicarem através de mensagens em plataformas da internet provocaram um declínio nas taxas de participação em apenas alguns anos. Segundo o Pew Research Center, entre 1997 e 2018, a taxa de participação em suas pesquisas telefônicas caiu de 36% para 6%.
Portanto, hoje é mais difícil realizar pesquisas telefônicas, já que as populações-alvo estão cada vez mais evasivas. Por outro lado, voltar às pesquisas presenciais nem sempre é a melhor opção, pois introduzem vieses de desejabilidade social, são muito caras e podem até ser materialmente impossíveis de realizar. Atualmente, há muitas áreas na América Latina em que coletar dados e realizar pesquisas é uma tarefa de alto risco devido à presença de grupos criminosos.
A Internet como meio para pesquisas
As pesquisas on-line surgiram como uma alternativa promissora, oferecendo a possibilidade de atingir milhões de usuários que estão conectados diariamente. Por outro lado, reduziu significativamente os custos, a ponto de hoje em dia qualquer pessoa poder realizar uma pesquisa no Google. Ademais, abriu a possibilidade de recopilar dados em massa e em tempo real. Entretanto, essa transição para o mundo digital não é isenta de desafios. Para começar, digamos que as pesquisas pela internet só considerem a população usuária de internet. Essa população costuma ser pequena em países pobres devido à baixa penetração da internet e/ou ser tendenciosa aos homens jovens que, naturalmente, passam mais tempo on-line. Isso levanta questões sobre a validade e a confiabilidade dos dados recopilados on-line.
Para solucionar esse problema, muitos pesquisadores on-line criaram seus próprios marcos amostrais em forma de painéis ao convidar ou recrutar usuários da internet. Similar a um quebra-cabeça que forma uma imagem, os painéis tentam reproduzir uma miniatura da sociedade em toda a sua diversidade. No entanto, esses painéis também enfrentam críticas por sua falta de representatividade e por serem tendenciosos sobre quem incluem e excluem de suas bases de dados, levantando dúvidas sobre sua utilidade como ferramenta para medir a opinião pública com precisão.
Esse fenômeno é especialmente evidente na América Latina, onde os dados indicam que as empresas de pesquisa que empregam painéis tendem a mostrar uma tendência aos setores da população com níveis educativos e de ingresso médio e altos. Ademais, há relatos de que essas empresas enfrentam grandes dificuldades para recrutar e obter a participação de indivíduos de setores socioeconômicos mais baixos. Como consequência, as pesquisas baseadas nesses painéis tendem a representar apenas as opiniões de pessoas com um nível maior de educação e uma maior propensão a participar de questões políticas do que a média da população.
Como podemos ver, alcançar um nível aceitável de representatividade em uma pesquisa online é um trabalho muito complicado. Agora, uma das preocupações atuais com as pesquisas é que tivemos uma experiência muito ruim com elas. Vale observar que as pesquisas podem se equivocar. E, a posteriori, é fácil encontrar explicações: voto oculto, amostra tendenciosa ou insuficiente, interpretação equivocada ou abusiva pela mídia ou por atores políticos, entre outros. No entanto, equivocar-se não é indicativo de manipulação.
O que é importante perceber é que a seleção metodológica tem um impacto decisivo sobre os resultados. Por exemplo, uma pesquisa telefônica dará mais peso ao setor mais velho e subestimará o voto dos jovens, enquanto uma pesquisa online fará o oposto. Uma pesquisa presencial necessariamente introduzirá um viés de conveniência social. Não há metodologia perfeita, mas é necessário conhecer o método em detalhes ao interpretar os resultados.
Em resumo, embora as pesquisas eleitorais enfrentem desafios significativos na era digital, elas também têm a oportunidade de se adaptar e prosperar nesse novo entorno. Ao usar as tecnologias emergentes de forma ética e transparente, os pesquisadores podem seguir desempenhando um papel crucial na compreensão da opinião pública e na previsão de resultados políticos.
Autor
Cientista político e economista. Doutor pela Universidade de Toronto. Editor sênior da Global Brief Magazine. Especialista em Desenho de Pesquisa Social na RIWI Corp. (Real-Time Interactive World-Wide Intelligence).