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Pesquisas eleitorais: tão criticadas, tão necessárias

Toda eleição geral que mobiliza milhões de eleitores para consagrar novas autoridades costuma ser cercada de rituais midiáticos quando se encerra a contagem dos votos. Um deles é o debate sobre a definição do tipo de mandato popular escolhido pela maioria, se pela continuidade ou pela mudança, se por mudanças profundas ou apenas pequenos ajustes. Outro ritual saudável tende a ser a exaltação do método democrático como o modo mais transparente e civilizado de ungir autoridades, pelo menos frente às suas alternativas históricas em nossa região.

Mais recentemente, surgiu um novo ritual que basicamente se regozija em destacar o tamanho do erro entre as previsões feitas pelas pesquisas de intenção de voto e os resultados finalmente obtidos pelos diferentes candidatos: “Mais uma vez as pesquisas falharam”. Vimos isso na recente eleição primária geral da Argentina, em meados do ano passado quando o presidente da Guatemala foi eleito, no ano passado na votação presidencial do Brasil e nas estimativas sobre o destino do plebiscito constitucional chileno há doze meses. Os exemplos proliferam e contagiam – inclusive – algumas entidades que defendem o processo democrático. É o caso dos observadores da OEA para verificar a eleição guatemalteca, que não hesitaram em dar igual ênfase às irregularidades do poder judiciário ao vetar candidaturas, à violência que cercou as eleições com assassinatos de candidatos e eleitores e à diferença entre os resultados e as previsões das pesquisas: equipararam os três fatores como se fossem homogeneamente responsáveis por distorções contrárias ao bom funcionamento das instituições democráticas.

No entanto, ajudaria a entender que as pesquisas se afastaram muito menos do que se acredita se três princípios ficassem claros. Um deles é que as pesquisas feitas em nossos países, onde o voto é obrigatório, procuram representar a população votante como um todo e, portanto, projetam as intenções do número total de eleitores sem considerar que, no dia da eleição, muitos se absterão de ir às urnas. As recentes abstenções no Brasil e na Argentina, que variam entre 20% e 30%, deixam de fora um volume enorme de votos que sim são computados nas pesquisas, mas que, por opção dos eleitores, acabam evitando as urnas.

Essa abstenção eleitoral não é distribuída homogeneamente entre os apoiadores dos diferentes candidatos. As classes com menor grau de instrução e menos favorecidas financeiramente, bem como os extremos geracionais (os mais jovens e os mais velhos), tendem a apresentar uma taxa de abstenção que é o dobro da taxa das classes mais altas ou dos setores mais instruídos, ou dos adultos no auge de seu ciclo de vida. Na medida em que as pesquisas de opinião pública mostravam consistentemente que a base eleitoral de Lula estava fortemente concentrada nas classes mais baixas, essa taxa de abstenção mais alta no dia da votação reduziu significativamente sua parcela de votos. De fato, as pesquisas não se desviaram em quase nada do número total de votos que o então presidente-candidato Bolsonaro obteve, mas calcularam mais votos do que Lula efetivamente obteve. No caso de uma primária aberta como a da Argentina, essa diferença entre entrevistados e eleitores se torna ainda maior.

O segundo princípio é que as pesquisas perguntam sobre as intenções. Todos nós temos um amigo ou parente que fumava e prometeu parar, mas não conseguiu. O comportamento só é observável no momento em que é executado; antes disso, só temos projeções ancoradas em preferências admitidas. Sempre foi assim. Só que na época de ouro das pesquisas eleitorais, dos anos 80 aos anos 2000, quando elas eram precisas em suas projeções, as influências que poderiam distorcer a trajetória entre intenção e comportamento eram muito menos presentes do que são hoje. As fontes de tais desvios hoje são de natureza diferente, embora a descentralização dos meios de comunicação graças ao consumo de redes sociais seja o principal suspeito. No passado, rumores, fake news e até mesmo notícias genuínas de última hora contra um candidato levavam tempo para se espalhar entre a população. Hoje, circulam em segundos e em grande escala.

Por outro lado, as forças estabilizadoras de preferências tinham um peso considerável. Os partidos políticos organizavam as identidades políticas das pessoas, bem como suas comunidades de pertencimento, como igrejas, bairros, grupos étnicos, sindicatos ou classes sociais, o que lhes dava uma âncora de identificação duradoura, muitas vezes transmitida pela família. Atualmente, a desconfiança institucional generalizada está atingindo com mais força os partidos e os sindicatos.

O principal efeito disso é a volumosa indecisão eleitoral até o último minuto. Duas semanas antes das primárias argentinas, as pesquisas mostravam que dois em cada dez eleitores não sabiam em quem votar. No caso brasileiro, pouco mais de uma semana antes da eleição do primeiro turno, persistiam entre 6% a 9% de eleitores indecisos, em um contexto em que a diferença final entre os candidatos foi de 5%.

O último princípio é que as pesquisas refletem como a sociedade absorve a oferta que vem do mundo político: nesse sentido, é um retrato produzido e potencialmente volátil ao sabor dos estímulos presentes até o último minuto. Os profissionais das pesquisa não se conformam com essas possíveis mudanças e procuram triangular e validar as intenções perguntando sobre a firmeza da preferência eleitoral, a probabilidade de nunca votar em nenhum dos candidatos, a percepção de quem vencerá a eleição, o grau de alinhamento de seus valores com os dos candidatos. Todas as ferramentas que ajudam a determinar a estabilidade da intenção manifesta, mas que também servem para estimar o caminho que os indecisos podem seguir.

Cada um desses instrumentos de medição ampara-se em uma hipótese. Perguntar quem vencerá a eleição pressupõe que, entre os eleitores indecisos, pode haver um voto final estratégico: simplesmente entrar na onda do vencedor. Perguntar sobre rejeição pressupõe que há um componente emocional-afetivo no voto que coloca as simpatias ou antipatias pessoais no centro da decisão, independentemente das propostas programáticas dos candidatos. Perguntar sobre as prioridades ou os valores mais importantes da sociedade pressupõe que há um componente racional, em que o tipo de futuro esperado é decisivo na escolha do candidato. Todas essas hipóteses serviram para projetar preferências no comportamento e simular reações dos indecisos, mas somente enquanto não houver campanhas desinformativas ou a manipulação das emoções se sobrepuser ao poder de persuasão dos argumentos racionais, estratégicos ou emocionais. Ao demonizar Lula e o PT e multiplicar o medo de uma possível onda comunista, os bolsonaristas conseguiram fazer com que uma minoria crítica do eleitorado sacrificasse sua proximidade programática com a centro-esquerda ou mesmo sua aversão pessoal a Bolsonaro.

É improvável que o ritual de criticar as pesquisas eleitorais e seus desvios em relação aos resultados finais seja abandonado tão rapidamente. Mas é justamente esse fenômeno que reafirma a centralidade que elas possuem na democracia contemporânea, não apenas porque continuam a ser cada vez mais solicitadas por todos aqueles que buscam influenciar a esfera pública, mas também por sua contribuição contínua para uma sociedade mais informada, transparente e representativa.

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Fabián Echegaray es director de Market Analysis, consultora de opinión pública con sede en Brasil, y actual presidente de WAPOR Latinoamérica, capítulo regional de la asociación mundial de estudios de opinión pública: www.waporlatinoamerica.org.

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