Nos últimos anos, surgiram formas de Governo não democráticas que utilizam legitimação e manipulação como recursos para a conservação do poder. Estes novos ou renovados despotismos, como os denomina o especialista John Keane, dentro e fora da América Latina, baseiam parte de sua resiliência em combinar qualidades básicas de autocracia e elementos subordinados da democracia. Seu êxito depende de sua capacidade de implantar, de modo controlado, uma violência efetiva, de institucionalizar seus mecanismos adaptativos – como a deliberação e consulta tecnocráticas – e de promover um desenvolvimento socioeconômico sem liberdade política.
Estes regimes pós-Guerra Fria recuperam os velhos recursos da repressão clássica, mas os combinam com a desinformação, a manipulação e a simulação, tanto no espaço físico das instituições e praças como na esfera virtual. Seu discurso abriga uma colagem de ideias e léxicos – ambientalismo e desenvolvimento, tradição e modernização, deliberação e consulta cidadã – que, retoricamente, esboçam um certo horizonte de progresso. Trata-se de governos especialistas nas artes da manipulação, sedução, cooptação e repressão seletiva – coerção calibrada – ou ampliada, como as implantadas recentemente em Alma Ata, Xangai ou São Petersburgo.
São regimes que empregam as artes da manipulação que Ivan Krastev, cientista político e presidente do Centro de Estratégias Liberais de Sófia (Bulgária), e Stephen Holmes, professor de Direito da Universidade de Nova York, – ao analisar as ações de imitação expandidas após o fim da Guerra Fria – chamaram de arte de tornar realidade aparências políticas. Uma prática para legitimar o poder dos Estados autoritários no mundo pós-comunista sob o pano de fundo de uma retórica democrática globalizada. Os encarregados dessa tarefa são chamados tecnólogos políticos.
Os tecnólogos políticos são uma espécie de híbrido entre o conselheiro da corte das monarquias absolutas, o propagandista das ditaduras leninistas e os especialistas em marketing político das democracias liberais. Especialistas em manipular a opinião pública para os propósitos das elites do sistema autoritário, os tecnólogos políticos não operam com base nos artifícios de mentes brilhantes. Eles adquirem seu papel a partir de equipes multidisciplinares, chefiadas por alguma figura autorizada.
Segundo Krastev e Holmes, esses tecnólogos políticos são “inimigos intransigentes das surpresas eleitorais, do pluralismo de partidos, da transparência política e da liberdade dos cidadãos bem-informados de participar na eleição de seus governantes”. Maquiam o autoritarismo com aparências democráticas. Em um mundo pós-1989 no qual os autocratas escolhem prevalecer ao incorporar – desnaturalizando-as – as técnicas e retóricas republicanas.
Os tecnólogos políticos realizam um trabalho “criativo” em conjunturas sensíveis – eleições, escândalos, protestos, processos constituintes – para os autoritarismos nativos e mantêm a ilusão de abertura e pluralismo dentro de entornos restritivos. Na popular série “El servidor del pueblo”, o candidato Vasily P. Goloborodko se vê cercado por um tecnólogo político, que lhe vende sua oferta como único modo de prevalecer dentro de uma competição falsificada pelos oligarcas.
A tecnologia política opera através de um ecossistema de ONGs governamentais (GONGOS), meios de comunicação autorizados e intelectuais reformistas, todos leais às elites e narrativas centrais do sistema. Com seus recursos comunicacionais e intelectuais, os tecnólogos políticos reforçam a governança quando não convém aplicar a violência excessiva. Dentro do abrigo do Estado autoritário, ideologia oficial e tecnologia política estabelecem uma divisão do trabalho. A ideologia tradicional se orienta às massas, cativa de meios e informações de massa através dos canais estatais, enquanto a tecnologia política seduz – através de meios “alternativos” – segmentos conectados de elites nativas e públicos estrangeiros.
Vários tecnólogos políticos são famosos em países e circuitos do universo autocrático global. Na Rússia, destaca-se Gleb Pavlosvsky, um antigo dissidente soviético e assessor – desde sua Fundação para as Políticas Efetivas – de Boris Yeltsin e Vladimir Putin. Na Venezuela, temos o sociólogo Oscar Schemel, dono da agência de inteligência Hinterlaces e integrante da Assembleia Constituinte do madurismo. Na China encontramos Eric Li, empresário, tertuliano digital e fundador do conglomerado midiático Guancha. A lista é grande.
Entretanto, na medida em que os autocratas se veem desafiados, com inteligência e compromisso, por seus oponentes, tendem a fechar os espaços mínimos de dissenso. Foi o que aconteceu recentemente em eleições e praças de Hong Kong, Moscou ou Manágua. Chega então o momento da repressão desenfreada, das práticas tradicionais das ditaduras clássicas. Parece que, no meio da onda autocrática em curso, cada vez mais veremos resultados como esses. Em cenários semelhantes, a oportunidade para os tecnólogos políticos tende a se reduzir. Os propagandistas puros e duros das autocracias desempenham um protagonismo, como vemos hoje no ecossistema midiático do Kremlin, logo após a deriva provocada pela invasão da Ucrânia.Qualquer forma de pensamento sobre a política está sempre inserida em estruturas e dinâmicas de poder específicas. Como não há externalidade entre poder, academia e economia política, é possível entender como um regime não democrático pode se envolver na produção de ideias e discursos alinhados com seus objetivos. Como assinalou em uma obra recente o colega latino-americano Paulo Ravecca: uma ditadura sobrevive porque mata e reprime; ao mesmo tempo que, às vezes, abriga uma intelectualidade leal que pensa e publica. Esta sobreposição estrutural entre a violência estatal e a ciência política autoritária adquire um caráter orgânico no nexo entre poder e conhecimento encarnado pelos tecnólogos políticos.
*Tradução do espanhol por Giulia Gaspar.
Autor
Doutor em História e Estudos Regionais, Universidade Veracruzana (México). Mestrado em Ciência Política, Universidade da Havana. Especializado em regimes autocráticos na América Latina e Rússia.