Nos últimos anos, a América Latina tem sido pioneira em aprovar leis de paridade que visam garantir a representação política das mulheres. Esse avanço, celebrado como um triunfo histórico, permitiu que os parlamentos da região alcançassem, em média, 35,8% de representação feminina, acima de outras regiões. No entanto, a questão fundamental permanece: paridade é o mesmo que igualdade de gênero?
A resposta é clara: não significam o mesmo. A paridade é um mecanismo necessário para abrir as portas às mulheres em espaços historicamente vedados; a igualdade, por outro lado, é um direito substantivo que exige transformar as condições estruturais que continuam limitando sua participação plena e efetiva.
Paridade como acesso, igualdade como exercício
A paridade é um mecanismo de acesso; busca que homens e mulheres estejam representados em igual proporção nos espaços de decisão. Seu valor reside em abrir as portas para uma participação mais equilibrada, sobretudo em âmbitos como os parlamentos ou os gabinetes ministeriais, onde historicamente a presença feminina tem sido marginal. É, em essência, uma regra numérica concebida para acelerar a entrada das mulheres nos espaços de poder.
A igualdade, por outro lado, é um direito substantivo: não se limita a contar quantas mulheres chegam, mas garante que elas possam exercer suas funções em condições reais de equidade. Significa eliminar barreiras estruturais, redistribuir o trabalho de cuidados, garantir acesso a financiamento eleitoral e combater a violência política de gênero que muitas mulheres enfrentam ao se candidatarem ou exercerem cargos.
Os exemplos na América Latina mostram claramente essa diferença. Na Bolívia, após a reforma eleitoral de 2010, as mulheres alcançaram 53% das cadeiras na Câmara dos Deputados e 47% no Senado, tornando o país pioneiro em paridade legislativa. No entanto, um relatório da Associação de Vereadoras e Prefeitas da Bolívia (ACOBOL) revelou que 8 em cada 10 mulheres eleitas enfrentaram algum tipo de assédio ou violência política.
No México, a reforma constitucional de 2019 estabeleceu a “paridade em tudo”, fazendo com que o Congresso atingisse 50% de deputadas e 49% de senadoras na legislatura 2021-2024. No entanto, em ministérios estratégicos como o da Fazenda ou da Defesa, menos de 10% dos titulares foram mulheres em toda a história do país, evidenciando a persistência de tetos de vidro nas pastas de maior poder.
Em contrapartida, a Costa Rica complementou a paridade política com políticas estruturais: o Sistema Nacional de Cuidados (2014) beneficiou mais de 65.000 pessoas dependentes e permitiu que cerca de 15.000 mulheres ingressassem no mercado de trabalho e na política, mostrando como a igualdade substantiva requer medidas que reduzam as disparidades além da representação numérica.
Em resumo, a paridade garante o acesso e a igualdade assegura o exercício real e pleno dos direitos. Sem a segunda, a primeira corre o risco de se tornar um mecanismo simbólico que aumenta os números, mas não transforma as estruturas que sustentam a desigualdade.
Entre avanços e debates
Os avanços são inegáveis: 18 países da região contam hoje com normas de paridade ou cotas, e seis mulheres ocuparam a presidência nos últimos 40 anos. No entanto, o quadro continua incompleto. A representação feminina nas prefeituras mal chega a 15,2% na América Latina, e a participação em gabinetes ministeriais raramente ultrapassa 30%, com exceções como Colômbia ou Nicarágua.
Um ponto de debate recente tem sido a reforma do Código da Democracia no Equador, que elimina a obrigatoriedade de binômios presidenciais paritários. Mais do que ser interpretada como um retrocesso, essa medida abre a discussão sobre a legitimidade da igualdade quando imposta apenas por mandato legal. A obrigatoriedade das duplas poderia garantir a representação numérica, mas não necessariamente um acesso legítimo ou um exercício real do poder. No entanto, com a revogação dessa disposição, surge uma questão fundamental: quais mecanismos existem para garantir que a participação feminina não seja reduzida e que se mantenha em condições de igualdade de oportunidades?
O desafio está em fortalecer políticas que garantam acesso equitativo, financiamento eleitoral, combate à violência política e promoção da liderança feminina, de modo que a presença das mulheres nos mais altos cargos responda não apenas a um requisito legal, mas ao pleno reconhecimento de seus direitos políticos.
A paridade não é o fim, mas o meio
A lição que nos deixa o acima exposto é que a paridade é um caminho para a igualdade, mas nunca um substituto dela. Garantir que metade das listas seja encabeçada por mulheres ou que os parlamentos sejam mais equilibrados é um avanço indispensável. No entanto, se essas mulheres continuarem sendo alvo de violência política, se não tiverem acesso a financiamento equitativo em suas campanhas ou se forem excluídas dos ministérios mais estratégicos, a igualdade continuará sendo uma promessa não cumprida.
A igualdade substantiva exige transformar estruturas patriarcais, redistribuir equitativamente o trabalho de cuidados, democratizar os partidos políticos, eliminar os preconceitos culturais que questionam a liderança feminina e elaborar políticas públicas que garantam o pleno exercício dos direitos.
A América Latina demonstrou que as normas de paridade podem acelerar as mudanças. No entanto, esses avanços só se tornam efetivos quando acompanhados de transformações estruturais: os sistemas de assistência na Costa Rica, as políticas de inclusão para mulheres indígenas na Bolívia ou a luta contra a violência política no México são exemplos de como a paridade deixa de ser um número para se tornar um verdadeiro instrumento de justiça.
Em definitiva, a paridade abre a porta, mas é a igualdade que permite atravessá-la e exercer o poder em condições de dignidade. Confundi-las seria conformar-se com uma miragem democrática inadequada.
Conclusões: do número ao poder real
A América Latina não precisa apenas de mais mulheres nas fotos oficiais, mas de mulheres com voz, agenda e poder real. A paridade é uma conquista necessária, mas incompleta se não se traduzir em igualdade substantiva. Não basta garantir cadeiras ocupadas: é necessário que essas mulheres tenham condições de decidir, transformar políticas públicas e desafiar as estruturas patriarcais que ainda dominam os espaços de poder.
Se as experiências do México, da Bolívia ou da Costa Rica ensinam alguma coisa, é que a paridade sem igualdade pode se tornar uma casca vazia. A verdadeira democracia não se mede apenas em números, mas na capacidade de garantir direitos efetivos. A tarefa pendente na região é garantir que a presença das mulheres na política deixe de ser uma cota para se tornar um motor de transformação. A paridade é um meio, nunca o fim. O objetivo final é a igualdade substantiva, que transforma vidas, redistribui o poder e redefine a democracia a partir de uma perspectiva de direitos.
Tradução automática revisada por Isabel Lima