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Plebiscito no Chile: um ponto de partida?

Está se aproximando o segundo plebiscito em pouco mais de um ano para decidir se a atual constituição do Chile será alterada. A história do primeiro processo foi malsucedida e, de acordo com as pesquisas, o segundo parece seguir o mesmo caminho. As explicações para esse eventual fracasso são variadas; alguns mencionam a fadiga ou o desgaste constitucional, enquanto outros expressam sua insatisfação com as propostas, pois elas apresentam fortes componentes programáticos, distanciando-as de um consenso mais transversal. Enquanto algumas posições dissidentes obedecem a um apelo por consequências políticas, outras parecem ter nascido de um oportunismo grosseiro. Embora haja apoio “a favor” dessa proposta principalmente por parte da direita partidária e de alguns partidos de centro-esquerda, curiosamente, com interpretações e interesses distintos, a maioria da esquerda moderada e radical e setores da direita mais radical convergiram para o campo “contra”.

Comparando essa segunda proposta constitucional com o plebiscito de setembro de 2022, é indiscutível que a última apresenta menos riscos para a percepção dos cidadãos. Vale ressaltar que essa nova Constituição foi formulada sob um acordo consensual pela maioria da classe política, buscando regular o resultado o máximo possível. Foi acordado um marco institucional básico conhecido como “doze bordas”, uma comissão de especialistas composta por 24 pessoas escolhidas pelos partidos políticos no Congresso, um conselho constitucional eleito popularmente com 50 membros e um comitê técnico de admissibilidade para garantir que as famosas bordas fossem respeitadas na proposta final.

Apesar das críticas de que esse novo processo continha a vontade popular, ele foi realizado dentro dos acordos estabelecidos, com uma das maiores votações dos últimos tempos e cumprindo todos os protocolos democráticos necessários para legitimar uma nova Constituição, reduzindo notavelmente os riscos para os cidadãos e proporcionando mais segurança do que o processo anterior. Entretanto, as interpretações críticas da nova proposta não deixam de ampliar seus riscos potenciais.

Os argumentos contra o projeto constitucional, tanto da esquerda quanto de alguns setores da direita, podem ser simplificados em dois pontos. O primeiro, de caráter valorativo, associa a Constituição a um retrocesso conservador ou, por parte da direita dissidente, à inclusão de temas ideológicos identificados como esquerdistas, como gênero ou a agenda 2030. Quanto ao segundo, alguns se opõem ao projeto, argumentando que ele aprofunda ou põe em risco o modelo neoliberal. É curioso observar argumentos tão contraditórios em relação ao mesmo texto. Por um lado, argumenta-se que um artigo que enfatiza a provisão de direitos estatais e o fornecimento privado de serviços simplesmente perpetua o negócio lucrativo das instituições privadas existentes (AFP, ISAPRES, etc.); enquanto, por outro lado, da direita dissidente, debate-se o risco de abandonar o Estado subsidiário por um “Estado social e democrático de direito”, reprovando o acúmulo de direitos que abriria a porta para uma judicialização.

A proposta constitucional parece enfrentar o paradoxo de ser interpretada de forma insatisfatória por ambos os polos. É difícil conceber que, de acordo com intelectuais e políticos de esquerda, um dos países mais neoliberais do mundo, cujo modelo econômico é supostamente protegido pela Constituição vigente, possa ser ainda mais aprofundado pela nova proposta constitucional. Essa afirmação se torna ainda mais inverossímil quando a direita mais dura argumenta que estaríamos a caminho de um colapso do Estado devido à quantidade de direitos estabelecidos pela nova carta.

Reconhecendo certos graus de verdade em ambas as posturas que convergem no “Contra”, e considerando a tendência natural de exagerar nas interpretações, parece que o texto apresenta elementos de contenção em ambos os lados, reduzindo notavelmente os riscos. Além disso, diante de interpretações tão divergentes, a proposta constitucional não parece ser tão rígida como afirmam seus críticos, o que poderia permitir que, no futuro, ela se tornasse um recurso estratégico para atores de todo o espectro político, possibilitando a competição dentro da institucionalidade democrática.

Com relação ao sistema político, possivelmente o menos relevante para os cidadãos e menos abordado pelos polos, houve um notável silêncio e pode ser destacado como um dos aspectos mais distintos da proposta constitucional em comparação com a atual. Basicamente, propõe-se um regime presidencial, mantendo a trajetória institucional chilena, com uma adequada desconcentração de poder e um quórum alcançável de 3/5 para futuras reformas constitucionais. Aqui se preferiu manter o status quo com mínimas modificações, enfatizando os partidos políticos e seu papel na democracia, estabelecendo um limite de 5% ou 8 parlamentares para ingressar no Congresso, com a intenção de redistribuir para reduzir o número de parlamentares na câmara baixa, o que talvez seja o aspecto mais interessante da nova proposta.

Esse último ponto é uma das questões mais relevantes, dado o bloco político ideológico e institucional existente no Chile. A decisão nessa seção obriga as forças políticas a reorganizar o panorama, com a consequência esperada de reduzir o número de partidos. Em outras palavras, as cartas do jogo devem ser embaralhadas nesse âmbito. No Chile de hoje, a fragmentação partidária, que chega a 23 partidos no Congresso, é um dos principais problemas que atrapalham o funcionamento do regime político, sem desconsiderar o fato de que também há uma seca programática e um vínculo debilitado com os cidadãos.

Tendo acabado com a ilusão de que a Constituição resolverá todos os problemas do país, é prudente adotar uma postura menos ambiciosa e mais pragmática e ver essa decisão como um ponto de partida, e não como uma perspectiva teleológica. Se a nova constituição for adotada, ela precisará de ajustes devido à incapacidade natural de prever todos os cenários, interpretações conflitantes ou possíveis atritos institucionais. Entretanto, não há como argumentar que, ao manter a Constituição atual, os atores terão incentivos para chegar a acordos e realizar reformas sociais e políticas para superar a situação atual. Essa oportunidade foi perdida após a rejeição da proposta anterior. Tudo indica que será mantida uma inércia que nos deixará à deriva, com uma presidência insignificante e um congresso, dada a sua composição, incapaz de proporcionar uma direção. 
Assim, a principal vantagem da mudança constitucional é ter uma carta fundamental validada democraticamente e com mandatos que exijam a reconsideração do status quo dos partidos. Esse ponto de partida não assegura êxito ou resultados imediatos, mas aponta o país em uma direção na busca de uma solução. Esperamos que os cidadãos que estão fartos de sua classe política esqueçam a ideia de esperar por receitas mágicas e pensem em um ponto de partida.

Autor

Cientista político e Diretor do Departamento de Sociologia, Ciência Política e Administração Pública da Universidade Católica de Temuco (Chile). Doutor em História e Master em Ciência Política pela Pontifícia Universidade Católica do Chile.

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