A economia do cuidado compreende atividades que são essenciais à vida. Os serviços da economia do cuidado são, em grande medida, prestados por mulheres que frequentemente não são remuneradas, não gozam de direitos e proteções trabalhistas e se encontram em situações precárias e vulneráveis. Entretanto, a economia do cuidado é de vital importância e pode ajudar a reverter as desigualdades sociais e de gênero em combinação com o desenvolvimento econômico.
A presença do Estado, por meio de ações governamentais e políticas públicas, pode servir de base para melhorar as condições dos trabalhadores da economia do cuidado. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) destacaram a economia do cuidado como central para a elaboração e condução de políticas socioeconômicas na agenda de recuperação pós-pandemia da América Latina e do Caribe.
A pandemia da COVID-19 destacou a importância vital da economia do cuidado para o desenvolvimento econômico e o bem-estar da América Latina. A CEPAL define a economia do cuidado como “todas as atividades que garantem a reprodução social e a manutenção da vida humana em um ambiente adequado, a economia do cuidado protege a dignidade das pessoas e a integridade de seus corpos. Ela promove a educação e a formação, apoia o bem-estar psicológico e emocional e mantém os vínculos sociais”.
Além disso, como diz a OIT, o trabalho de cuidados, tanto remunerado quanto não remunerado, envolve atividades diretas, inclusive a alimentação de bebês ou o cuidado de idosos, e atividades indiretas, como limpar ou cozinhar. Apesar de sua importância vital, os trabalhadores da economia do cuidado sofrem de invisibilidade social: o baixo valor social atribuído ao seu trabalho contradiz seu papel central no sistema de desenvolvimento socioeconômico. Em geral, essas atividades são tidas como certas e não são incluídas de forma significativa na discussão de políticas públicas, especialmente políticas econômicas.
Em 2015, cerca de 2,1 bilhões de pessoas (1,9 bilhão de crianças com menos de 15 anos e 200 milhões de idosos) precisaram de serviços de assistência. A OIT estima que esse número aumentará para 2,3 bilhões de pessoas até 2030, devido ao crescente número de crianças, idosos e pessoas com deficiência que necessitam de serviços de assistência. Dessa forma, é provável que a demanda por profissionais e serviços de assistência aumente drasticamente no futuro. As políticas governamentais são, portanto, vitais para garantir que tanto os trabalhadores da economia do cuidado quanto as pessoas que precisam de cuidados recebam proteção e apoio adequados.
No Brasil e em outros países da América Latina e do Caribe, o cuidado de bebês, crianças, idosos e pessoas com deficiência é tradicionalmente prestado pelas mulheres da família, sem remuneração e dentro do lar. Entretanto, quando a situação financeira da família permite, os serviços de cuidados remunerados são quase sempre prestados por trabalhadores domésticos contratados.
As famílias com menos renda disponível geralmente recorrem a organizações comunitárias e voluntárias para obter serviços de cuidados, de modo que a mulher, geralmente mãe, possa ir trabalhar. No entanto, o Brasil e outros países da América Latina e do Caribe não são os únicos lugares onde as mulheres assumem grande parte desse trabalho de cuidado; essa tendência é observada a nível mundial.
Aportes desiguais
Um relatório global da OIT constatou que homens e mulheres não contribuem com esforços iguais para o cuidado não remunerado em nenhum país. A OIT também estima que, em média, as mulheres realizam 76,2% de todo o trabalho de cuidado não remunerado. Em todo o mundo, as mulheres são sobrecarregadas com o trabalho de cuidado, devido a questões culturais e de gênero e a muitos outros fatores que podem consolidar essa prática.
Os governos latino-americanos estão agindo gradualmente de forma a demonstrar a importância da economia do cuidado. Por exemplo, o governo brasileiro de Luiz Inácio Lula da Silva criou, pela primeira vez, uma Secretaria do Cuidado e da Família, dirigida pelo sociólogo brasileiro Abramo, dentro do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS). Uma publicação recente do governo, feita por Abramo, destacou a situação atual da economia do cuidado brasileira, afirmando que “a atual organização social do cuidado é marcada pelas desigualdades estruturais que caracterizam a sociedade brasileira: são as mulheres, especialmente as mulheres negras, as mais pobres e com as rendas mais baixas, que são as principais, se não exclusivas, responsáveis pelo trabalho de cuidados, tanto remunerado quanto não remunerado”.
De acordo com dados da Pesquisa Nacional Contínua por Amostra de Domicílios do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2019, as mulheres dedicavam em média 21,7 horas por semana ao trabalho doméstico e de cuidados não remunerado, enquanto os homens contribuíam com apenas 11 horas em média. Para as mulheres brancas, esse número era de 21 horas semanais e para as mulheres negras, 22,3 horas semanais. Essa realidade compromete a capacidade das mulheres de gerar renda e exercer autonomia econômica, agravando a pobreza e a desigualdade.
No Brasil, a economia de cuidados remunerados não é apenas predominantemente feminina, mas também negra. Em 2019, 45% de todos os empregos no setor de cuidados eram ocupados por mulheres negras, 31% por mulheres brancas e os 24% restantes dos empregos na economia do cuidado eram divididos entre homens brancos e negros. A maior categoria ocupacional na economia do cuidado é a de trabalhadores domésticos. Os dados mais recentes, de 2021, indicam que 93% das trabalhadoras domésticas são mulheres e 61% dessas mulheres são negras.
Mudanças à vista
Mudanças estruturais estão em andamento para transformar o setor do cuidado na América Latina. Essas mudanças são responsáveis por um declínio no número de mulheres disponíveis para receber cuidados, um declínio na participação feminina no mercado de trabalho e uma redução no tamanho das famílias. Ao mesmo tempo, o número de pessoas que necessitam de cuidados cresceu exponencialmente, impulsionado pelo envelhecimento da população e pelo aumento da informalidade laboral, definida como atividades econômicas que – na lei ou na prática – não estão cobertas ou estão insuficientemente cobertas por arranjos formais.
Essas tendências levaram a uma maior dependência dos idosos em relação ao apoio familiar. Um estudo da CEPAL em 2022 estima uma taxa de informalidade de 54% na América Latina e no Caribe, levando a altas taxas de precariedade e baixa cobertura previdenciária entre os trabalhadores informais. Em 2019, 47,2% dos trabalhadores empregados estavam afiliados a algum sistema ou esquema de pensão. Essas tendências levaram a uma maior dependência do apoio familiar entre os idosos.
Historicamente, a participação do Estado na economia do cuidado na América Latina tem sido limitada. Entretanto, as políticas existentes podem servir de modelo para outros países. Dadas as transformações estruturais em curso que pressionam o déficit de cuidados existente, a implementação de políticas para ajudar a atender à demanda por cuidados e garantir a qualidade dos cuidados na América Latina e no Brasil representa um desafio para os formuladores de políticas. O setor público deve assumir um papel mais forte e proativo no desenvolvimento e na implementação de políticas públicas de economia do cuidado em um marco de cuidado mais integrado e transformador.
Dado que a economia do cuidado tem um escopo tão amplo, os governos latino-americanos devem implementar políticas de cuidado para superar a desigualdade, garantir uma alta qualidade de vida e aliviar a pobreza por meio do desenvolvimento.
Autor
Doutora em Política Científica e Tecnológica pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e Professora Associada da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), no Programa de Pós-Graduação em Gestão e Estratégia (PPGE-UFRRJ).