Uma região, todas as vozes

L21

|

|

Leer en

Máximos recursos disponíveis, um padrão chave para o direito ao cuidado

Quando o enfoque de gênero não é levado em conta nas políticas macroeconômicas, são as mulheres que acabam amortecendo o impacto das crises mediante o trabalho doméstico e de cuidados não remunerados.

Ocorreu, entre 12 e 15 de março, a audiência pública na Corte Interamericana de Direitos Humanos para receber argumentos orais sobre o direito ao cuidado. A solicitação, que havia sido feita pelo antigo governo argentino em janeiro de 2023, recebeu 49 observações de organizações da sociedade civil, 34 de instituições acadêmicas e outras 24 de indivíduos, o que demonstra o interesse por um padrão legal na matéria.

Os cuidados referem-se às necessidades materiais e imateriais, públicas e privadas, físicas e emocionais inerentes à reprodução da vida. É necessário levar em conta o caráter autônomo do direito ao cuidado como componente essencial do bem-estar e como pilar fundamental para uma vida digna e do desenvolvimento durante todo o ciclo vital das pessoas. Nesse sentido, as dimensões desse direito são entendidas a partir da recepção de cuidados, bem como da provisão de cuidados e do autocuidado.

A partir dos debates e das posturas conceituais de especialistas na área, os cuidados podem ser resumidos como as atividades que ocorrem no âmbito doméstico (embora não exclusivamente) de atenção e proteção que realizamos para manter, reparar e perpetuar nosso mundo a partir do bem-estar das vidas e do entorno. Hoje, devido à naturalização da divisão sexual do trabalho, essa atividade é realizada principalmente por mulheres, meninas e corpos feminizados.

Embora não exista um instrumento legal específico que harmonize os padrões e as dimensões do direito ao cuidado, identificou-se que várias dimensões desse direito estão contidas em vários instrumentos do direito internacional. Abordar essa situação é fundamental, pois a dispersão do direito ao cuidado pode se traduzir em indefensabilidade, como a atual, notória e histórica falta de cumprimento das obrigações estatais.

Nesse marco, a Plataforma Regional de Oxfam na América Latina e no Caribe colocou na mesa da audiência a necessidade de democratizar o debate sobre tributação para uma tributação global inclusiva, sustentável e feminista que incida no direito ao cuidado. A proposta busca visibilizar o princípio relativo ao máximo de recursos disponíveis, incluído no artigo 26 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, a partir de uma interpretação progressista e interseccional.

Em sua argumentação, Oxfam ratificou a necessidade de implementar um enfoque interseccional que permita entender as múltiplas dimensões que constituem a desigualdade, que têm implicações diferenciadas com interseções complexas baseadas em sexo, raça, classe social, orientação sexual e identidade de gênero, idade, etnia, condição migratória, localização geográfica, orientação política, entre muitas outras.

A própria Corte o identifica dessa forma no Caso Gonzáles Lluy e outros v. Equador, onde destaca a interseção de múltiplos fatores que determinam uma situação de discriminação única, que não teria existido como tal se algum deles estivesse ausente, e aprofunda essa postura nos casos Rosendo Cantú e outra v. México; Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde v. Brasil e Vicky Hernández e outras v. Honduras.

Nesse sentido, a Corte não ignora que, como aponta a Oxfam no relatório A Lei do mais Rico, “América Latina e Caribe se tornou uma região mais desigual, empobrecida e muito mais polarizada social e politicamente”, e que as múltiplas crises (como a ocasionada pela covid-19, mas também a climática, a alimentar e a migratória) afetam as pessoas de maneira diferenciada.

O relatório aponta que, de março de 2020 até o final de 2022, a desigualdade, a pobreza e as brechas sociais aumentaram consideravelmente na América Latina e no Caribe. Frente aos 21% de crescimento na riqueza dos bilionários, os salários reais da maioria da população perderam um décimo de seu valor; e 32% da população total vive em situação de pobreza, dos quais 13% estão na pobreza extrema. Até o final de 2022, a insegurança alimentar afetou quatro em cada dez pessoas na região.

Por esse motivo, a própria Corte analisou tanto o contexto social quanto as medidas a serem tomadas para garantir efetivamente os direitos. Isso se reflete no Caso Cuscul Pivaral e outros v. Guatemala, no qual se reconhece que, apesar dos desafios metodológicos e normativos, “a Corte não pode ficar à margem diante do grave problema de desigualdade, iniquidade e exclusão social que prevalece na região e da falta de proteção em termos de desca, sobretudo para os grupos mais vulneráveis”. Portanto, as dimensões de aplicabilidade imediata e progressividade devem ser abordadas.

Como consequência indireta desse modelo econômico baseado no extrativismo, segundo o estudo A sociedade do cuidado de CEPAL e Nações Unidas, o investimento se deteriora “devido aos altos níveis de incerteza […] e implica mudanças drásticas nas receitas fiscais”. Isso limita o investimento público e as iniciativas de políticas voltadas à igualdade, como as políticas de cuidado. Ademais, quando o enfoque de gênero não é levado em conta nas políticas macroeconômicas, são as mulheres que acabam amortecendo o impacto das crises mediante o trabalho doméstico e de cuidados não remunerados.

Por fim, a ênfase dessa contribuição se concentrou no relatório sobre justiça tributária e, especificamente, no princípio de máximos recursos disponíveis como objetivo para garantir direitos. O relatório aposta em sistemas tributários orientados pelos princípios de progressividade, transparência e equidade, e com um financiamento público em que a vida esteja no centro das decisões públicas.

Autor

Profesora de género y relaciones internacionales de la Universidad Iberoamericana, Ciudad de México. Máster en Gestión del Desarrollo por la Universidad de Ruhr en Alemania. Consejo Nacional de Población (CONAPO)

Consejera técnica en justicia de género y derechos de las mujeres, Oxfam

spot_img

Postagens relacionadas

Você quer colaborar com L21?

Acreditamos no livre fluxo de informações

Republicar nossos artigos gratuitamente, impressos ou digitalmente, sob a licença Creative Commons.

Marcado em:

COMPARTILHE
ESTE ARTIGO

Mais artigos relacionados