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Por que a maioria da esquerda latino-americana apoia a Putin?

Além do apoio total dos autocratas Maduro, Díaz-Canel e Ortega à invasão russa, os líderes de esquerda de Luiz Inácio Lula da Silva e Gustavo Petro, também consentiram a invasão desse regime de ultradireita.

A vitória eleitoral manipulada 

Vladimir Putin ganhou as eleições manipuladas celebradas na Rússia em março passado com, supostamente, 87% dos votos. Antes, em preparação para essas eleições, segundo relatórios recentes (de 2022 a 2024) da Anistia Internacional, do Comitê Mundial de Defesa dos Jornalistas e da Relatora Especial da ONU para Rússia, Mariana Katzarova, o governo russo tomou certas decisões: aprovou novas leis restritivas, fechou dezenas de emissoras de rádio e televisão e prendeu, desqualificou e/ou induziu milhares de jornalistas, líderes da comunidade LGBT, opositores políticos e outros opositores a deixar a Rússia, muitos dos quais estão desaparecidos ou mortos. Como vem ocorrendo há anos em seus governos, dois de seus principais adversários morreram em circunstâncias suspeitas: Yevgeny Prigozhin, chefe do Grupo Wagner das Forças Armadas, em 23 de agosto, quando, após desafiar Putin, seu avião caiu; e o mais notório líder dissidente, Aleksei Navalni (preso desde 2021), em 16 de fevereiro, segundo o Kremlin, de “causas naturais”, em uma inóspita prisão siberiana. 

Putin e Trump, de extrema-direita e aliados

A vitória de Putin é uma grande notícia para seu melhor aliado no Ocidente, Donald Trump, acusado de 91 crimes e que chama o presidente russo de “gênio” e usa um grupo de republicanos no Congresso para impedir a ajuda à Ucrânia a fim de favorecer a Rússia. Em troca, os meios informativos do governo russo, como Sputnik, Tass e Russia Today, o elogiam constantemente.

Esse é um esquema de colaboração que se tornou tão óbvio que, para tratar de enganar os incautos, Putin afirmou publicamente há algumas semanas que preferia que Biden fosse reeleito. 

Não é a primeira vez que Putin e Trump (que tem negócios na Rússia) concordam em interesses políticos comuns. O chamado “relatório Mueller” (2019) concluiu que o governo russo favoreceu Trump durante a eleição de 2016 e estabeleceu ainda que manteria essa posição para a eleição de 2020. 

Em termos ideológicos, Putin e Trump têm pontos em comum. Ambos são de extrema direita e compartilham um discurso ultranacionalista, supremacista, de falsa superioridade moral, isolacionista, contrário às instituições ocidentais, como a OTAN, às liberdades civis e aos direitos das mulheres, dos grupos étnicos e religiosos, dos homossexuais e dos imigrantes. Sobre essa última questão, Trump é a favor de reprimir o fluxo migratório latino-americanos para os Estados Unidos. Nesse ponto, teoricamente, choca com os governos latino-americanos autodenominados “progressistas” e/ou de esquerda que historicamente tentaram se projetar como os maiores defensores dos direitos humanos. 

A maioria da esquerda latino-americana apoia “de fato” Putin

Em uma reunião da Organização dos Estados Americanos (OEA) em 21 de fevereiro, 25 dos 32 estados membros votaram a favor de uma resolução para reiterar seu repúdio à invasão da Ucrânia pela Rússia.

Além do governo do estado caribenho de São Vicente e Granadinas, membro da Commonwealth, e do governo salvadorenho do conservador Nayib Bukele, os outros cinco votos contra o repúdio à invasão vieram de governos de esquerda e/ou centro-esquerda: Brasil, Bolívia, Honduras, Colômbia e México. Originalmente, em 2022, quatro desses cinco países (Bolívia se absteve) repudiaram a invasão na ONU, mas hoje eles mudaram sua posição sobre o assunto. Isso os aproxima dos regimes antidemocráticos e de esquerda radical de Cuba, Venezuela e Nicarágua, que endossaram mais claramente a agressão russa que viola o direito internacional, viola a soberania da Ucrânia e atropela o Memorando de Budapeste de 1994. Nesse documento, assinado livremente pelos governos ucraniano e russo na época, a Rússia assumiu o compromisso por escrito de reconhecer e respeitar a soberania e a integridade territorial da Ucrânia. Em troca, o governo de Kiev entregou 5.000 armas nucleares.

Entre os governos latino-americanos de esquerda, Chile é a exceção mais convincente. Gabriel Boric apoiou a Ucrânia e, portanto, o estado de direito internacional desde o início. Além disso, em outras ocasiões, ele questionou vigorosamente a violação dos direitos humanos em Cuba, Venezuela e Nicarágua.

Na reunião da OEA, o governo de centro-esquerda da Guatemala, instalado em janeiro passado, também votou a favor do repúdio à invasão. 

Lula e Petro: líderes da ortodoxia da democracia

Além do apoio total à invasão russa pelos autocratas Nicolás Maduro, Miguel Díaz-Canel e Daniel Ortega, os líderes de esquerda dos regimes democráticos da região, liderados por Luiz Inácio Lula da Silva e Gustavo Petro (que se projetam mais do que os outros presidentes como líderes mundiais), também expressam seu consentimento a esse ataque, perpetrado por um regime de extrema direita como o da Rússia. 

Ambos exibiram ortodoxia ideológica desde suas presidências, que atenuaram um pouco diante dos novos ultrajes do regime venezuelano contra sua oposição real durante os processos de poder antes das eleições convocadas para julho próximo. Entretanto, eles mantêm essa ortodoxia no caso da intrusão russa. Portanto, veem Putin como um aliado estratégico capaz de confrontar o governo dos EUA, a potência hegemônica que é o símbolo do “capitalismo neoliberal maligno”. 

É por isso que, afirmativamente ou por dissimulação, eles apoiam Putin em sua barbárie, mesmo que ele faça todo o possível para levar à presidência dos Estados Unidos alguém que, para eles, é um inimigo ideológico, cujos estilos são de confronto e poderiam enfraquecer as relações com seus países e minar as quantias de remessas que recebem dos Estados Unidos. Será que Trump, em gratidão a Putin por seu apoio nas eleições de 2016, 2020 e 2024, deixaria deliberadamente espaço na América Latina a partir de sua presidência para que a Rússia desenvolvesse sua agenda lá de forma ainda mais eficaz do que faz hoje?

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Professor de Administração e Comércio Internacional na Escola de Administração de Empresas, Universidade de Porto Rico. Foi diretor acadêmico, decano e reitor dessa universidade.

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