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Por que o crime organizado está cada vez mais grave na América Latina?

Com a evolução e diversificação de novos mercados ilícitos, a capacidade corruptora das redes criminosas desafiam a sobrevivência das instituições democráticas.

As redes de crime organizado na América Latina, que convergem entre estruturas regionais e extra-regionais, atravessam hoje um boom econômico histórico. Tudo indica que 2024 provavelmente se consolidou como o ano mais lucrativo para as economias ilícitas, com números recordes registrados no hemisfério.

Com o avanço do que chamamos de Quarta Onda do Crime Transnacional (COT), o crime organizado deixou de ser uma ameaça periférica para a maioria dos cidadãos. Ele se tornou um ator central, capaz de representar uma ameaça existencial à sobrevivência da democracia representativa e do Estado de Direito. A inundação de capitais ilícitos e práticas corruptoras na política, tanto em nível nacional quanto regional, torna urgente compreender esses novos fenômenos e articular respostas em um marco institucional e democrático.

A COT se caracteriza por operar com novos mercados, novos atores e modalidades inéditas. Alguns desses atores, extra-regionais que irrompem com audácia, comportam-se como agentes economicamente racionais que respondem às oportunidades emergentes e aproveitam as transformações das economias ilícitas em todas as suas manifestações.

Evolução do fenômeno

A primeira onda foi representada por Pablo Escobar e o Cartel de Medellín. Eles foram os pioneiros no transporte de toneladas de cocaína para o mercado estadunidense através das rotas do Caribe.

Liderada pelo Cartel de Cali, a segunda onda aperfeiçoou um esquema mais sofisticado de envio de cocaína para os EUA e diversificou as rotas através da América Central e do México. Até esse ponto, tratava-se de um produto (cocaína) para um mercado (EUA).

A terceira onda, da Revolução Bolivariana, é caracterizada pela criminalização de estruturas estatais que empregavam grupos armados como as FARC, utilizando a produção e o tráfico de cocaína como instrumentos de política estatal e modificando funcionalmente certas políticas públicas. Nesse ponto, o produto principal se diversifica (cocaína e ouro) para um mercado principal (EUA) com expansão para a Europa.

A atual quarta onda é marcada pela instalação de grupos extra-regionais, como a Ndrangheta italiana, as máfias albanesas ou redes criminosas turcas. Impulsionam a expansão de drogas sintéticas e a exploração de ouro ilícito. Essas organizações operam, em muitos casos, sob a proteção de governos autoritários, autodenominados de esquerda ou de direita, trocando capitais dos mercados ilícitos por proteção política.

Controle territorial

Esta Quarta Onda não se define exclusivamente pela violência, embora tenda a registrar períodos especialmente sangrentos durante as disputas pelo controle territorial estratégico entre grupos locais. No entanto, sua verdadeira ameaça reside na capacidade das organizações criminosas de instaurar lógicas de governança paralela, exercer controle territorial, penetrar em instituições e substituir funções próprias do Estado.

Essa estratégia, muitas vezes facilitada pela cumplicidade de redes políticas dentro do próprio Estado, produz um duplo efeito: deslegitima o Estado, ao evidenciar sua incapacidade de combater o crime transnacional, e confere legitimidade aos grupos criminosos, que assumem funções estatais — como fornecer segurança, gerar empregos ou impartir formas rudimentares de justiça — com maior eficiência do que as instituições formais. É uma forma de poder que opera à margem, mas influencia diretamente o núcleo da vida política, econômica e social de nossos países.

Esses atores criminosos redefinem as regras do jogo nos territórios. Capturam funções do Estado e corrompem as bases democráticas até que reste muito pouco da infraestrutura institucional. É um fenômeno que, seguindo a analogia do vírus descrito por Pablo Zeballos, se expande de forma imperceptível inicialmente, até matar o corpo hospedeiro.

Convergência transnacional

As evidências da nova convergência própria da Quarta Onda são abundantes atualmente. Um exemplo claro ocorreu em junho de 2025, quando um tribunal no Chile condenou dois cidadãos chineses, um albanês e um peruano por tráfico de cocaína de Valparaíso com destino a Roterdã, na Holanda. Poucos dias depois, em uma operação conjunta com a polícia italiana e britânica, as autoridades colombianas prenderam em Santa Fé de Bogotá Giuseppe Palermo, um dos chefes da poderosa máfia calabresa, a ‘Ndrangheta.

Esses fatos constituem claras evidências das novas e perigosas convergências do crime organizado transnacional na América Latina. Atores extra-regionais formaram alianças inéditas, construindo superestruturas globais em coordenação com grupos criminosos regionais e nacionais que controlam territórios e infraestruturas estratégicas.

Outro exemplo paradigmático ocorreu em março de 2025. Uma equipe de promotores em Arica, no Chile, conseguiu que um tribunal condenasse 34 membros da gangue criminosa Tren de Aragua por múltiplos atos de violência e homicídio. Esse grupo, nascido na Venezuela e que agora opera em nível regional, é representante de um fenômeno particularmente perigoso, como é a variante do COT: a Exo-Criminalidade de Risco (ECR).

Menos democracia, mais autoritarismo

O outro lado da moeda do enfraquecimento dos Estados democráticos é o crescimento de um autoritarismo ideologicamente agnóstico. Ele se mantém no poder usando grupos do crime organizado transnacional como instrumentos da política do Estado. O caso mais notável foi a aliança dos países bolivarianos (Venezuela, Bolívia, Equador, Nicarágua, Cuba) com as FARC, quando o grupo guerrilheiro era o maior produtor de cocaína do mundo.

Entre os Estados autoritários que se definem por essas alianças hoje estão Venezuela, Nicarágua e El Salvador. Cada um segue o mesmo modelo de consolidação autoritária, apesar da autodefinição de alguns como “esquerda” e outros como “direita”. A maior divisão agora não é, como no passado, entre ideologias de direita e esquerda, mas entre a democracia participativa e institucional ou o autoritarismo em aliança com o crime transnacional.

Há saída?

A América Latina não pode continuar presa entre a violência criminosa e a ilusão autoritária que hoje se expande em várias partes da região. Esse modelo se sustenta em megaprisões, detenções em massa sem provas, julgamentos coletivos sem direito a uma defesa adequada e censura à mídia independente. A saída não está em ceder direitos básicos em troca de uma segurança aparente — como propõe o autoritarismo baseado na lógica do “inimigo interno” —, mas em construir segurança para proteger os direitos.

Dessa diferença depende o futuro da região: avançar em direção a uma institucionalidade sólida e duradoura ou cair em um autoritarismo cada vez mais personalista. Superar a armadilha autoritária exige democratizar a segurança, tornar a informação transparente, empoderar as comunidades, recuperar os territórios por meio da inclusão e reencantar a cidadania com um Estado que funcione, proteja e preste contas.

Como alertou Giovanni Falcone, juiz assassinado pela máfia italiana, “a insolência do crime organizado é do mesmo tamanho que a ausência do Estado”. Essa constatação está mais atual do que nunca na América Latina. Onde o Estado se ausenta, o crime ocupa o espaço com poder, violência e promessas vazias de ordem. A verdadeira saída não é resignar-se a essa substituição, mas reconstruir a legitimidade do Estado a partir da eficácia, da transparência e da proteção dos direitos dos cidadãos.

*Texto publicado originalmente em Diálogo Político

Tradução automática revisada por Isabel Lima

Autor

Fundador y presidente de IBI Consultants LLC, consultoría especializada en investigación de crimen transnacional en América Latina. Fue corresponsal extranjero y periodista investigador en The Washington Post.

Especialista em crime organizado, inteligência e terrorismo. Ex-oficial dos Carabineros chilenos. Assessora o Ministério da Justiça e atua no Painel Consultivo de Segurança do Governo Chileno.

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