Com a promulgação da Constituição boliviana de 2009, foi introduzida na Bolívia a controversa figura das eleições judiciais para a seleção de magistrados dos tribunais superiores. Em novembro de 2025, após a posse do novo governo de Rodrigo Paz, os últimos sete altos membros do poder judiciário eleitos por voto popular (cinco do Tribunal Constitucional Plurinacional e dois do Supremo Tribunal de Justiça) que estavam em exercício — prorrogados inconstitucionalmente desde 2023 — foram destituídos de seus cargos e contra eles foram emitidas ordens de prisão. Este desfecho, que merece ser comemorado, também pode ser visto como mais uma prática de manipulação política do Poder Judiciário.
Não há dúvida de que uma eleição popular é o exercício mais puro da democracia, caracterizado pela paixão, agitação e até mesmo uma certa desordem, como bem apontaram os fundadores da Constituição norte-americana. Eles estavam cientes de que uma república também requer outra face, mais calma, ponderada, identificada no Poder Judiciário, que não seja necessariamente fundada em eleições populares, pelo menos não no caso de seus tribunais superiores.
Os processos eleitorais judiciais
Em um país como a Bolívia, onde nada acontece sem caos, ocorreram três processos eleitorais judiciais para eleger magistrados do Tribunal Constitucional, do Supremo Tribunal de Justiça, do Tribunal Agroambiental e do Conselho da Magistratura — em 2011, 2017 e 2024. Em todos os casos, os candidatos foram pré-selecionados por um Legislativo dominado por um partido governista hegemônico e todos os eleitos aperfeiçoaram-se na arte de elaborar sentenças à medida do governo em exercício. Para citar alguns exemplos que violaram flagrantemente a Constituição a partir do Tribunal Constitucional: a habilitação do ex-presidente Evo Morales para um terceiro mandato consecutivo, a decisão de permitir a reeleição presidencial indefinida e a supressão da obrigação de renunciar como requisito para ser candidato a cargos eletivos. Tudo isso a favor de Morales enquanto ocupava a cadeira presidencial.
Com a posse de Luis Arce em novembro de 2022, e adaptando-se às novas necessidades do novo governo, o Tribunal Constitucional flexibilizou a interpretação do requisito de residência permanente para todos os candidatos, proibiu a reeleição presidencial indefinida anteriormente autorizada e desconheceu Morales como presidente do partido. Isso sem contar as sentenças e declarações que serviram para bloquear a eleição de novos magistrados, prorrogar seu próprio mandato contra a norma constitucional e gerar eleições judiciais parciais para continuar com o controle do Tribunal Constitucional (em 2024, só foi possível eleger quatro novos magistrados para o Tribunal Constitucional de um total de nove).
Mas os novos membros eleitos em dezembro de 2024 também receberam críticas pelo que alguns entendem como ações políticas. É o caso da decisão do Supremo Tribunal de Justiça (no qual foi possível eleger sete dos seus nove membros em 2024) quando, em agosto de 2025, ordenou a revisão das prisões preventivas decretadas contra a ex-presidente transitória, Jeanine Áñez, o governador de Santa Cruz, Luis Fernando Camacho, e o ex-líder de Potosí, Marco Pumari. Essa decisão chama a atenção não apenas por se referir exclusivamente a três políticos que personificavam a oposição ao governo anterior — em uma aparente violação da igualdade processual de todos os detidos preventivamente no país —, mas também pelo fato de ter sido proferida quase imediatamente após o resultado do primeiro turno das eleições de 2025, na qual dois partidos da oposição ao governo do Movimento ao Socialismo (MAS) passaram para o segundo turno. Outra decisão alvo de críticas é que uma Câmara Constitucional tenha ordenado a destituição imediata dos magistrados que se auto-prorrogaram menos de vinte dias após a posse do novo governo de Rodrigo Paz, e que não o tenham feito em dezembro de 2023, quando ocorreu a auto-prorrogação inconstitucional.
As altas cortes da Bolívia foram manipulados para retirar funções ao órgão eleitoral, que sistematicamente ignorou sua própria competência jurisdicional com o objetivo de permitir que as normas eleitorais fossem ajustadas em benefício do governante em exercício.
O caso mexicano
No México, também sob o domínio de um partido forte com grande apoio popular, a Constituição foi reformada para introduzir um sistema de eleição por voto popular de todos os membros do sistema judicial, incluindo os altos magistrados. A fórmula se repete: seleção prévia dos candidatos por um legislativo majoritário com uma oposição enfraquecida e a retórica de que “o povo é sábio e tem a última palavra”.
Mas a reforma mexicana foi além e incluiu também a eleição popular dos magistrados do Poder Eleitoral. A combinação é perigosa, pois, em nome da democracia direta, os magistrados são previamente selecionados pelo partido dominante e o eleitorado apenas ratifica.
Na América Latina, o auge do presidencialismo plebiscitário, em que tudo é submetido ao voto popular, gera um sistema em que os freios e contrapesos se tornam impossíveis. Para que os mecanismos de controle e sanção recíprocos possam funcionar diante de Executivos poderosos, os órgãos do Estado devem ter uma legitimidade de origem distinta. Caso contrário, os sistemas hiperpresidencialistas usam a eleição popular para legitimar o presidente, considerado a voz do povo.
Quando os presidentes usam o plebiscito como forma de se legitimar, é fundamental que o Poder Judiciário seja independente da eleição popular e que sua legitimidade tenha outra origem para evitar conceder todo o poder ao Poder Executivo. Se a eleição popular de magistrados dos tribunais superiores é manipulada pelo Executivo, quem controla o poder? Se alguma lição ficou das eleições judiciais na Bolívia é que o pior inimigo da democracia parece ser uma “superdemocracia”.
Tradução automática revisada por Isabel Lima










