A resposta óbvia é uma inquestionável rejeição com 61,87% contra 38,13% de aprovação. Votaram 12,9 milhões de eleitores, isto é, 85,3% dos cadernos eleitorais. Isto só é comparável à porcentagem de participação que pôs fim à ditadura militar em 1989. Um fato fundamental: a opção de rejeição ganhou em todas as regiões, incluindo a região metropolitana (Santiago) e Valparaíso. Nestas duas, de acordo com diferentes pesquisas, havia uma chance de que a opção de aprovação vencesse. Não foi assim.
Momento de prudência
A leitura política deveria ser mais prudente e analisar o contexto pelo qual o Chile está passando. Não há espaço para triunfalismos, como foi apontado por quase todas as vias da rejeição depois de conhecidos os resultados das eleições.
Os distintos atores políticos da opção contrária à aprovação colocaram-se à frente dos microfones para tentar capitalizar a vitória. Durante a campanha, não se deixaram visíveis, pelo que não se pode sustentar a tese de que os vencedores são os partidos de oposição ao governo.
Tampouco ganharam os extremos que não buscam acordos majoritários e buscam instaurar constitucionalmente suas próprias visões de mundo. Por esta razão, porque muito provavelmente ficarão isolados se não mudarem de postura e atitude, não será possível chegar a um acordo nacional em matéria constitucional.
A alma nacional
A tarefa de negociar não será fácil para o governo derrotado. Como advertimos, os partidos no poder foram precisamente os atores-chave na articulação dos conteúdos da proposta constitucional rejeitada. Em especial, a perspectiva indigenista e plurinacional, as incertezas em matéria de propriedade privada e as diretrizes em segurança pública. Estes elementos poderiam ser entendidos como distantes ao que o Cardeal Raúl Silva Henríquez, no contexto de uma busca pela democracia perdida no Chile, denominou a alma nacional do Chile, que em sua opinião é constituída por uma certeza ou ordem jurídica, pela liberdade das pessoas e pela fé do povo. Três elementos não observados no texto constitucional.
Concretamente, a alma nacional não estaria em sintonia com a perspectiva refundacional, que desafia as liberdades. O processo constituinte se sustentou em uma intolerância expressa no desinteresse por ampliar acordos e consensos; o desprezo pela história de nossa ordem jurídica que pôs fim ao Senado e ao Judiciário, somado à irrelevância e à falta de normas que mitigam a violência, como o desaparecimento do estado de emergência do texto constitucional vigente, que permite ao governo da vez utilizar as forças armadas em matéria de violência política ou social, apoiando as tarefas de segurança pública. Todos estes elementos são fundamentais para compreender o triunfo da rejeição.
Riscos e percepções
De uma visão abrangente da proposta de Constituição, a mencionada plurinacionalidade havia sido percebida como um princípio que significava um alto risco à unidade do povo chileno, sendo em si mesma uma ameaça à ordem jurídica da República, às liberdades e igualdade de todos perante a lei, e um corte com a idiossincrasia popular. Em suma, seria o reconhecimento de onze povos no território do Chile, com seus respectivos princípios de autodeterminação e autogoverno, uma das razões pelas quais se sentiu que o texto constitucional criava as bases para a desconstrução da República, propondo uma nova morfologia no poder que não reconhecia a alma nacional.
Uma nova oportunidade?
Passada a página, se assumirmos a necessidade de um novo acordo nacional, o Chile teria uma nova oportunidade para fazê-lo. Agora mais transversal e majoritária. Para isto, é necessário que nenhum ator político acredite que por si mesmo possa interpretar e propor uma proposta constitucional. Só assim aprenderemos com o processo constituinte recém-vivido. Quem ganhou a eleição do plebiscito de saída? A resposta poderia ser o povo e seu anseio pela unidade nacional.
Tudo isso não significa que a crise de representatividade e desconfiança nas instituições tenha sido superada. Neste momento é essencial que o governo do Presidente Gabriel Boric saia de uma posição de derrota para se tornar um ator que lidere a negociação política por um caminho de grande entendimento nacional. Isto pode muito bem significar tensão no bloco governante, já que o Partido Comunista e alguns setores da Frente Amplio foram os arquitetos ideológicos da proposta constitucional.
Outro grande desafio é que o Congresso consiga legitimar uma proposta de processo para o acordo nacional que é requerido. Parece essencial não esquecer o alto nível de impopularidade que esta instituição mantém. Portanto, em uma ação de colaboração com o Poder Executivo, deve ser estabelecido um mecanismo de consulta ao soberano para que este tenha a decisão final em relação ao desenho institucional do acordo nacional.
Segunda etapa
Consequentemente, o processo não está terminado. Pelo contrário, ele só começará em uma segunda etapa que, esperamos, possa tirar lições do processo que terminou. Isto apesar do cansaço dos eleitores por um frequente chamado às urnas e os custos econômicos associados a isto, já que parece de vital importância que os cidadãos permaneçam ativos e mobilizados até que seja alcançada uma institucionalidade que signifique um amplo acordo nacional em matéria constitucional.
Neste sentido, os movimentos que acompanharam o processo, surgidos da sociedade civil, tais como Amarillos por Chile, entre outros, são agora duplamente responsáveis por colaborar e apoiar o caminho do entendimento nacional. Isto enquanto os partidos políticos se adaptam e se ajustam aos novos tempos e as instituições recuperam a fé pública. Essa seria a melhor e quase a única estratégia de saída da crise institucional e de representatividade no país.
*Texto publicado originalmente no Diálogo Político
Autor
Cientista político e jornalista. Diretor da Escola de Governo, Universidade São Sebastião (Chile). Doutor em Direito Internacional e Relações Internacionais pelo Instituto Universitário Ortega y Gasset (Espanha).