Mariana é advogada em um escritório regional de comércio internacional. Ela ganha o dobro do que seu parceiro, um designer gráfico freelancer. Eles vivem juntos há quatro anos em San José, na Costa Rica. Todas as manhãs, Mariana acorda antes das 6h, toma café, verifica seus e-mails e sai. Ele fica em casa. Ela paga o aluguel e a maioria das despesas e, mesmo assim, diz que se sente culpada por mencionar seu aumento salarial em voz alta.
“Evito falar sobre dinheiro porque não quero que ele se sinta inferior. Já me disse que não gosta que eu o ‘lembre’ de que sou eu quem sustenta tudo. Não faço isso para humilhá-lo, mas também não deveria me sentir envergonhada pelo que ganho”, confessa.
Essa história não é única. Na verdade, é cada vez mais comum. À medida que as mulheres ganham espaço no mundo profissional e acadêmico, elas enfrentam o paradoxo de que ser bem-sucedidas pode incomodar, não a sociedade em abstrato, mas o interior de suas relações íntimas. Não pelo dinheiro em si, mas pelo que esse dinheiro representa em uma cultura que ainda associa poder, valor e virilidade à capacidade de prover.
Em países como México, Chile, Argentina ou Colômbia, os avanços na paridade salarial não foram acompanhados por uma transformação cultural equivalente. A Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) adverte que, na América Latina, embora as mulheres tenham avançado em educação e renda, esse progresso não se traduziu em um poder doméstico proporcional e que a autonomia econômica não garante o respeito emocional nem a corresponsabilidade.
A masculinidade ferida
Para muitos homens, a renda econômica continua sendo o eixo central de sua autoestima. Segundo um estudo do National Bureau of Economic Research (2024), quando uma mulher ganha mais do que seu parceiro heterossexual, ambos tendem a mentir em pesquisas: ela subestima seu salário, ele o superestima. Eles fazem isso devido à pressão social que define a identidade masculina construída em torno da superioridade econômica.
A tensão se traduz em silêncios, culpas, conflitos velados ou abertos. Parece que o ego masculino nem sempre está preparado para ocupar um lugar secundário no plano financeiro sem sentir que perde autoridade ou relevância.
As mulheres, por sua vez, aprenderam a “suavizar” seu sucesso. Vejo isso com frequência em minhas oficinas de liderança. Muitas escondem o que ganham, minimizam suas conquistas ou se privam de falar abertamente sobre seus avanços profissionais para não incomodar seus parceiros. A escritora Rebecca Solnit chama isso de “síndrome de Cassandra”, porque quando brilha, perturba, e quando se empodera, desestabiliza.
Somos realmente uma sociedade moderna?
Em público, a narrativa da igualdade avança. Celebramos a mulher profissional, independente e empoderada. Mas em privado — no quarto, na mesa de jantar, nos silêncios do WhatsApp — essa independência muitas vezes se torna motivo de atrito.
A pesquisa “Relative Income and Gender Norms: Evidence from Latin America” mostra que os casais têm mais chances de se separar quando a mulher ganha mais do que o homem e conclui que não se trata só de dinheiro, mas de normas culturais que influenciam como os papéis e responsabilidades são distribuídos dentro do lar. Essas descobertas ressaltam que “as políticas de igualdade não podem se limitar a abrir oportunidades de trabalho ou facilitar o acesso ao crédito; elas também devem questionar e mudar as expectativas sociais sobre quem deve sustentar e quem deve cuidar”.
Segundo um estudo da Harvard Business Review, as mulheres que têm êxito profissional têm mais dificuldade em encontrar parceiros estáveis, não por causa delas, mas por como seu sucesso é percebido, não por falta de afeto, mas pelo desalinhamento entre o sucesso feminino e os modelos tradicionais de masculinidade. As mulheres bem-sucedidas são vistas como “muito independentes”, “mandonas” ou “intimidadoras”.
A socióloga Arlie Hochschild já falava em 1989 da “dupla jornada” das mulheres, o trabalho formal mais o doméstico. Hoje, muitas mulheres vivem uma tripla tensão por trabalhar fora, sustentar o lar e lidar com a emocionalidade de um parceiro que não sabe como viver em igualdade.
Quando uma mulher sustenta economicamente o lar, os esquemas clássicos são desestabilizados. Quem toma as decisões? Como o poder é redistribuído? O cuidado emocional ou a gestão doméstica do homem são valorizados da mesma forma?
Em muitos casos, a chefia feminina do lar não é uma escolha, mas o resultado de uma omissão masculina. Na América Latina, milhões de mulheres se tornam o único sustento econômico não porque querem, mas porque não têm alternativa. Os dados mostram que há uma tendência crescente de lares com chefia feminina ou nos quais a mulher é o principal sustento econômico, especialmente em áreas vulneráveis.
No entanto, e embora não haja números definitivos, os estudos existentes indicam que mulheres ganhando mais salário do que os homens é um fenômeno em crescimento, mas ainda minoritário em muitas populações. Ou seja, a disparidade de gênero em detrimento das mulheres persiste porque normas de gênero, expectativas sociais e desigualdade estrutural no mercado de trabalho criam barreiras que impedem o sucesso de muitas mulheres. Mas, quando elas alcançam o sucesso, enfrentam uma resistência simbólica que dificulta a expressão natural desse sucesso (como esconder sua renda, minimizar suas conquistas, etc.). Estudos como o Relative Income demonstram isso.
Como podemos construir relações mais simétricos?
Voltemos a Mariana. Certo dia, seu parceiro pediu que, se falasse de trabalho na frente de seus amigos, não mencionasse seu cargo. “Me pediu para dizer que trabalhávamos na mesma área. Ele me fez sentir culpada por crescer”, relembra. Hoje, Mariana considera morar sozinha. Não porque não o ame, mas porque se cansou de carregar a culpa do êxito. E aí reside o paradoxo: a mulher que rompe barreiras muitas vezes acaba presa em uma gaiola emocional onde seu sucesso pesa, dói e é silenciado.
O problema não é que uma mulher ganhe mais. Ainda somos socializados para pensar que os homens devem ser os principais provedores, e essa expectativa cultural funciona como um pilar invisível que estrutura os relacionamentos íntimos. Quando uma mulher ganha mais, não há apenas um desequilíbrio financeiro, mas também um desafio simbólico ao machismo que mantém os homens afastados do papel central que lhes é atribuído.
É hora de construir relações mais simétricos, onde o êxito de um não seja a perda do outro, mas sim o resultado de um esforço compartilhado. Onde a questão não seja quem traz o sustento para casa, mas como o compartilhamos.
Tradução automática revisada por Isabel Lima










