Um regime político é um sistema duradouro e coerente, uma estrutura de regras e normas formais e informais que regulam as relações entre governantes e governados em uma dada jurisdição, geralmente um Estado soberano reconhecido. Para seu estudo, quatro dimensões analíticas são utilizadas: liderança, pluralismo, mobilização e ideologia. Ademais, para analisar regimes como o cubano, totalitário e de inspiração soviética em suas origens, utiliza-se o conceito de mudanças não transitórias. São categorizadas assim porque preserva o monopólio do Partido Comunista de Cuba (PCC). Portanto, não é possível argumentar a favor da existência de uma transição democrática enquanto este partido controlar o regime e impedir o pluralismo político, independentemente de serem registradas transformações econômicas e sociais.
O pluralismo se define como a capacidade de autonomia e competição da sociedade, da economia e da política em um Estado. No totalitarismo, o monopólio do poder anula, tanto de fato quanto de direito, a autonomia econômica, social e política por completo, enquanto em sua fase pós-totalitária observa-se certo grau de pluralismo econômico e social, insuficiente para estabelecer a presença da competição política. O último âmbito sobre o qual desapareceu o controle totalitário em Cuba foi da informação, devido à expansão do acesso à internet mediante dados móveis.
A partir de dezembro de 2018, as autoridades cubanas começaram a perder o monopólio sobre a informação consumida pelos cidadãos, e surgiram espaços independentes do controle estatal, que incluem desde veículos de imprensa até grupos de pessoas que interagem por meio de redes sociais e sistemas de mensagens. Desde então, essa manifestação de pluralismo social cresceu como parte de uma cultura paralela, apesar do custo do acesso à internet, da má qualidade da conexão, da censura e da repressão das autoridades, que restringiram, mas não conseguiram desconectar os cidadãos, em particular os jovens. Os espaços de socialização gerados mediante ao acesso à internet foram reprimidos pelo governo, inclusive mediante a desconexão total do país, como ocorreu após as manifestações de julho de 2021.
No entanto, as pessoas usam a internet diariamente. Portanto, o “tarifaço” implementado pela Empresa de Telecomunicações de Cuba S.A. (ETECSA) constitui um ataque direto a essas formas de pluralismo social que surgiram com a expansão da internet e nas quais envolvem jovens universitários cubanos. O primeiro aspecto a considerar é que o aumento e a dolarização das tarifas da ETECSA não são uma medida corporativa, mas política, anunciada pelo Primeiro-Ministro, Manuel Marrero Cruz, em 2024. Tampouco é só uma ação econômica, pois é interpretável como parte de uma estratégia política para, ao menos, restaurar algum controle totalitário sobre uma das poucas áreas onde as autoridades perderam poder absoluto: o acesso à internet e à informação.
O “tarifaço” agora impõe um profundo retrocesso. Os preços dolarizados e os salários na moeda nacional condenam grande parte da população, em especial os jovens sem acesso a remessas, à desconexão ou ao silêncio. Mas o aspecto mais preocupante não é só o custo, mas o objetivo político subjacente à medida: esvaziar o espaço digital de conteúdo crítico por meio da exclusão econômica. Esse mecanismo se encaixa perfeitamente em uma lógica que é possível denominar de pós-totalitarismo com efeitos neoliberais, imposto mediante uma fórmula que combina controle político total com exclusão social via mercado. Quem não paga em dólar não tem acesso à internet. Não se trata de restringir o acesso a um luxo, mas sim a um espaço que permite a efetivação de direitos com a menor intervenção estatal possível.
Ademais, o “tarifaço” se integra em um processo mais amplo de dolarização da economia cubana, onde bens e serviços essenciais só estão disponíveis em moeda estrangeira, combinado com cortes orçamentários em áreas socialmente sensíveis, eliminação de subsídios e aumento de preços de produtos e serviços essenciais. Esse modelo fragmenta a cidadania entre quem têm acesso a dólares ou outras moedas estrangeiras, seja pela via de remessas, negócios privados ou vínculos com pessoas residentes no exterior, e quem só dispõem da moeda nacional. A igualdade social, se alguma vez existiu como horizonte do modelo cubano, foi descartada sem pudor algum na medida em que se consolidou o regime pós-totalitário.
Outro dos efeitos mais interessantes e, ao mesmo tempo, reveladores do “tarifazo” é o mal-estar que gerou em setores que antes só praticavam, ao menos publicamente, a obediência à verticalidade própria das organizações subordinadas ao PCC. A Federação de Estudantes Universitários (FEU), uma das tradicionais “polias de transmissão” do partido único para a legitimação do regime e a mobilização de seus apoiadores, apresentou, pela primeira vez, fissuras internas. Enquanto a direção nacional da organização manteve sua fidelidade à posição e ao discurso oficiais, várias lideranças de base expressaram sua discordância. Solicitou-se, inclusive, a renúncia do presidente nacional da FEU. Os estudantes convocaram uma greve, criaram espaços de discussão, fizeram declarações públicas nas redes sociais e, sobretudo, deixaram claro que a exclusão do espaço digital viola seus direitos por meio da discriminação econômica.
Essas contradições internas evidenciam uma realidade que aqueles no poder tentam negar: a sociedade cubana não se encaixa mais nos moldes verticais do totalitarismo clássico. O pluralismo social, por mais limitado e reprimido que fosse, penetrou nas fissuras do regime político. Embora o pluralismo político inerente a uma democracia não seja permitido, a internet permitiu que muitas pessoas desenvolvessem uma consciência crítica sem partidos ou organizações autônomas bem estruturados, mas com maior clareza do que nunca. O “tarifaço” da ETECSA pretende fechar essa lacuna, mas já é tarde. A lacuna não é só digital; é geracional, política e simbólica.
Os jovens que questionaram as tarifas, denunciaram as incoerências do sistema, desafiaram as autoridades universitárias e sofreram a repressão mais ou menos evidente do aparato de segurança cubano enquanto exigiam acesso à internet, confirmam a ilegitimidade do regime político, mesmo dentro de organizações de massa e instituições educacionais. Em última análise, o “tarifaço” da ETECSA representa uma política deliberada de exclusão para silenciar o pluralismo social que usa a internet como meio de expressão.
Num país onde o pluralismo político continua proibido, restringir o acesso a uma esfera onde existe uma certa diversidade de pensamento revela não só o medo da elite política, mas também a fragilidade do seu poder. No entanto, como demonstraram os estudantes universitários, mesmo em condições adversas, as fissuras no sistema de controlo continuam a aumentar, e por vezes essas pequenas fissuras anunciam os colapsos mais inesperados.
Tradução automática revisada por Isabel Lima