Desmatamento ilegal, mineração ilegal, tráfico de drogas e violência letal: nomeie seu flagelo e a bacia amazônica raramente decepciona. Mas, como mostra um pacto incomum entre polícias, promotores, autoridades ambientais e especialistas em lavagem de dinheiro reunidos recentemente em Manaus, é possível responder ativamente a este desafio.
Embora seja muito cedo para dizer que a bacia amazônica está em colapso, o evento organizado pelo Instituto Igarapé, com o apoio da Interpol e da Associação Ibero-Americana do Ministério Público, foi um passo significativo para reverter a situação. O evento reuniu especialistas de Brasil, Colômbia e Peru para refletir sobre a situação desesperada que enfrenta o icônico bioma tropical, seus povos e o clima global.
Crimes ambientais como a apropriação ilegal de terras, o tráfico de terras, o corte ilegal de madeira e a extração de ouro estão devastando a bacia amazônica a um ritmo vertiginoso, como advertem diversas pesquisas. Isto não é uma tragédia ambiental; cada um destes atos é um crime, tipicamente agrupado com outros crimes.
A isto se soma a crescente participação de facções sofisticadas de narcotráfico, especialmente no Brasil, Colômbia, Peru e também no Equador. Devido ao aumento da produção e do transbordo de cocaína, grupos armados como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e ex-guerrilheiros das FARC estão abrindo um caminho de depredação de recursos, insegurança e violência em espiral nos municípios das bacias do rio. Os caçadores de ouro, financiados pelos senhores da droga e da máfia local, são uma ameaça crescente para os bosques e a biodiversidade, especialmente em áreas de fronteira frágeis.
O Estado de direito se deteriora rapidamente em áreas onde se traficam drogas e produtos ilícitos e estão desencadeando novos ciclos de destruição ambiental. A raiz do tráfico de drogas sem precedentes em 2021 e 2022, as primeiras semanas de 2023 foram testemunhas de níveis recordes de desmatamento. Os analistas se referem a isto como “narco-desmatamento”, já que as redes criminosas que lavam seus lucros através da especulação de terras, exploração madeireira, agricultura e produção pecuária.
O encontro regional coincidiu com o início das audiências no julgamento do assassinato do indigenista brasileiro Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips, assassinados e emboscados em 2022, quando trabalhavam no Vale do Javari, no estado brasileiro do Amazonas. Os brutais assassinatos provocaram um protesto internacional e chamaram a atenção para a emergência na Amazônia, onde crimes sem sentido alimentam três crises interconectadas de proporções planetárias: contaminação em massa, perda de biodiversidade e mudança climática.
Várias organizações criminosas transnacionais estão por trás do crescente ecossistema de crimes ambientais na Amazônia, muitas das quais operam quase com impunidade. De fato, o ouro ilegal é a nova cocaína, segundo Oscar Mojica, chefe de proteção ambiental da Polícia Nacional da Colômbia, que observou que um quilo de pó de cocaína em Cartagena custa US$ 2.000, enquanto um quilo de ouro custa US$ 20.000. Enquanto que os produtos químicos tóxicos como cianeto e mercúrio, utilizados para extrair ouro, estão contaminando os rios e sistemas ecológicos da região com consequências devastadoras para a saúde da população.
Uma métrica sombria para estas economias criminosas é a taxa de homicídios, que em muitos departamentos e municípios da bacia amazônica duplica as médias nacionais. E à medida que a violência criminal aumenta, os esforços para proteger a biodiversidade e reduzir o desmatamento florestal também falham. As províncias amazônicas estão definindo o ritmo da violência letal no Peru. A história é muito parecida na Colômbia e no Brasil, onde 13 das 30 cidades mais violentas estão localizadas dentro da bacia do rio.
Especialistas reunidos em Manaus concordaram que os dois facilitadores mais importantes dos crimes ambientais são a lavagem de dinheiro e a corrupção. O crime que abrange a bacia amazônica, assim como a América e Europa, cobre seus rastros filtrando o produto de seu saque através de bancos legítimos e do mercado legal. Daí o renovado enfoque transnacional, enfatizado por representantes do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, do Grupo de Ação Financeira Internacional para a América Latina (GAFILAT) e da iniciativa El Paccto da União Europeia para rastrear, investigar e interromper os fluxos de dinheiro sujo através de uma melhor inteligência financeira e cooperação regional.
Mudanças políticas sísmicas em vários países de ambos os lados da bacia amazônica elevaram a importância de proteger e conservar coletivamente as florestas tropicais e promover alternativas sustentáveis para os residentes locais. O pivô é evidente no Brasil, onde o presidente Lula da Silva restaurou a proteção da floresta tropical e de seu povo como prioridade na agenda nacional e busca por fim a mineração ilegal após o desastre humanitário na região de Yanomami.
Na Colômbia, Gustavo Petro se comprometeu a tomar medidas enérgicas contra os impulsores legais e ilegais do desmatamento. Petro tem a intenção de aproveitar a iniciativa de seu predecessor, a Lei de Crimes Ambientais de 2021, mas enfrenta forte oposição de fazendeiros e da indústria do óleo de palma, bem como uma economia criminosa em expansão. E apesar da instabilidade política crônica dos últimos anos, há uma sensação de progresso também no Peru.
É evidente o compromisso crescente para enfrentar os crimes ambientais, incluindo apelos para revitalizar a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica. Lula anunciou recentemente que o Brasil organizará uma cúpula de líderes das oito nações amazônicas em agosto de 2023 em Belém, onde a organização do tratado assumirá um papel de liderança. A União Europeia também se comprometeu com outra rodada de financiamento para sua Rede Jaguar, que foca na madeira ilegal, no ouro e crimes contra a vida selvagem, incluindo um chamado para expandir as operações na bacia amazônica.
Apesar dos desafios pela frente, os participantes da reunião de Manaus se mostraram discretamente otimistas, reconhecendo que oferecer uma resposta global e regional à devastação da Amazônia é urgente e que a pilhagem da maior floresta tropical do mundo está rapidamente se tornando um problema de dimensões globais, com efeitos colaterais para o clima e a segurança humana.
Melina Risso é diretora de pesquisa do Instituto Igarapé.
Robert Muggah é co-fundador do Instituto Igarapé.
Autor
Cientista política da Universidade Paris 1 Pantheón-Sorbonne. Atualmente é Conselheira Regional do Instituto Igarapé, um think tank especializado em questões de segurança sediado no Brasil.