Nos últimos dias, o Uruguai tem vivido uma situação que pode parecer um paradoxo. Aumentam vertiginosamente os casos de Covid-19 e o número de pessoas vacinadas.
O governo, os jornalistas e a comunidade científica insistem repetidamente em pedir às pessoas que tomem as máximas precauções para evitar o contágio e para se registrar para a vacinação. Mas o governo não está impondo grandes restrições à mobilidade das pessoas, ao invés de apelar para a “liberdade responsável”, com a expectativa de que as pessoas não deixem suas casas quando não for necessário e que, se necessário, tomem as maiores precauções.
O crescimento exponencial dos casos tem levado as pessoas a serem censuradas por falta absoluta de responsabilidade e solidariedade social. Mas, por outro lado, um grande número de pessoas se registrou para ser vacinado, ao ponto de ter causado o colapso dos sistemas de programação e levado a uma duplicação da capacidade de vacinação em um curto espaço de tempo. Neste caso, daria a impressão de que as pessoas estão mostrando solidariedade e responsabilidade. Qual é a resposta certa?
Bens públicos e ação coletiva
Uma primeira maneira de raciocinar é que não são as mesmas pessoas: os responsáveis cuidam de si mesmos e são vacinados enquanto os irresponsáveis são infectados e espalham o vírus na comunidade. Entretanto, isso não é verdade; de modo geral, as pessoas que são infectadas e as pessoas que são vacinadas são as mesmas. O que o governo e os jornalistas parecem não entender é que pessoas perfeitamente racionais podem, ao mesmo tempo, se inscrever para serem vacinadas enquanto vivem uma vida mais ou menos normal, dentro das restrições estabelecidas. O problema de interpretação consiste em não saber como avaliar o caráter de bem público da imunidade coletiva.
A ciência econômica estabeleceu há várias décadas a existência de bens públicos e sua diferença em relação aos bens privados. Em termos simplistas, existem duas grandes diferenças. Primeiro, os bens públicos -como a limpeza de uma cidade-, uma vez fornecidos, são consumidos por todos os indivíduos que fazem parte de uma comunidade, ninguém pode ser excluído de seu consumo. Em segundo lugar, sua disposição requer a cooperação dos indivíduos que compõem a comunidade; uma cidade não pode ser mantida limpa se as pessoas a sujam, requer que se produza uma ação coletiva.
Estudos de economia política mostraram há muitas décadas que, em várias situações, os interesses individuais não convergem com os interesses coletivos. Como diz o personagem de Nash na bem lembrada cena do bar de “Uma mente brilhante”: “Adam Smith estava equivocado”. Este é o caso dos bens públicos: embora todos nós estaríamos melhor com uma cidade limpa, não temos nenhum incentivo individual para não sujar. O raciocínio é bem simples: se eu tento contribuir para a limpeza colocando sempre o lixo no lugar certo na hora certa, eu não farei a cidade limpa se outros não fizerem o mesmo.
Por outro lado, se todos os outros o fizerem, a cidade estará limpa, mesmo que eu não o faça. A conclusão é óbvia: se há um custo para ajudar na limpeza, e se a limpeza não depende do que eu faço, não me convém colaborar. A situação encoraja o comportamento que Mancur Olson – conhecido economista e cientista político americano – chamou de free rider: posso obter o benefício sem pagar o custo, e evito pagar o custo sem obter o benefício.
Em tais casos, como se promove a cooperação? O trabalho de Olson desenvolve um mecanismo: a criação de incentivos seletivos, sejam positivos ou negativos, ou seja, recompensando o comportamento cooperativo ou punindo desvios.
A responsabilidade dos governos na pandemia
Com estes elementos é suficiente compreender a racionalidade da evolução simultânea do contágio e da vacinação. Se o governo não reprime a mobilidade nem recompensa o isolamento, os indivíduos têm incentivos para seguir sua vida normal, trabalhar e socializar em qualquer caso, tomando as precauções que considerem adequadas, mas, em última instância, contribuindo para a propagação da Covid. Mas os mesmos indivíduos têm incentivos para serem vacinados, pois a vacina protege tanto o indivíduo quanto a comunidade. A vacina é um bem privado, ela produz imunidade no indivíduo que a recebe. E também converge com o bem público, a imunidade coletiva, na medida em que um número suficiente de indivíduos o faz.
Nenhum governo deve esperar que indivíduos racionais limitem sua mobilidade se isso os gera prejuízo e nenhum benefício individual. A obrigação dos governantes é conhecer esta estrutura de incentivos e tomar medidas conducentes ao fornecimento de bens públicos, criando os incentivos seletivos necessários. Neste caso, estabelecendo restrições à mobilidade cujas infrações podem ser punidas. Não se pode manter bares, restaurantes, shopping centers e outros locais de entretenimento abertos e, ao mesmo tempo, reclamar da aparição de pessoas. Os governos não devem esperar responsabilidade individual, mas devem se fazer responsáveis.
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Autor
Secretário Geral da Associação Latinoamericana de Ciência Política (ALACIP). Professor Titular del Depto. de C. Política da Faculdade de Ciencias Sociais, Univ. da República (Uruguai). Fue presidente da Asociação Uruguaia de Ciência Política (AUCiP).