A política é uma atividade essencial para a sociedade? Esta pergunta provavelmente não teria sido feita em outras circunstâncias se não fosse a pandemia da COVID-19 no mundo. Presidentes, primeiros-ministros, legisladores, governadores e outras pessoas em altos cargos políticos foram vacinados ou manifestaram seu interesse em estar entre os primeiros a serem imunizados com as vacinas que os laboratórios disponibilizaram.
Na Inglaterra, entre as primeiras pessoas a receber a vacina logo no início do ano 2021 estavam a Rainha Elizabeth II, de 94 anos, e seu marido Príncipe Phillip de Edimburgo, de 99. Algumas semanas antes, nos Estados Unidos, Joe Biden, de 78, e sua esposa, de 69, foram vacinados, seguidos pelo agora Vice-Presidente Kamala Harris e seu marido, e o ainda Vice-Presidente Mike Pence, também Nancy Pelosi e outros líderes e membros do Senado e da Câmara dos Representantes. Esta ação foi criticada por alguns governadores e congressistas que consideraram que os políticos não estavam na linha de frente da luta contra a pandemia.
Na Argentina, o presidente Alberto Fernandez, de 61 anos, foi o primeiro presidente latino-americano a ser vacinado com a Sputnik V, de origem russa, mesmo antes de Vladimir Putin, de 68 anos. Muitos políticos querem ser considerados entre os primeiros grupos a serem vacinados, como foi solicitado no México por membros do Morena, o partido do governo. Na Espanha, foi noticiado que 28 políticos, incluindo nove líderes do Partido Popular, 14 do PSOE, dois de Junts per Caralunya e dois ex-vereadores do PNV ignoraram os protocolos estabelecidos pelo Ministério da Saúde para se beneficiarem da vacina Pfizer-BioNTech. Alguns renunciaram e outros tentaram justificar suas ações de forma fraca. Situações similares ocorreram na Áustria e na Inglaterra. Diante da opinião pública, os políticos não aparecem como um setor essencial para ser vacinado em primeiro lugar.
A continuidade do governo como argumento
Sabemos que a atividade legislativa, executiva e judicial é essencial para manter a continuidade dos governos. Pois no final das contas, a gestão dos assuntos públicos, incluindo as políticas de saúde para conter a pandemia, passam por decisões de ordem política e são implementadas politicamente por pessoas nos escritórios do governo.
Os políticos são legitimados pelo voto dos cidadãos para tomar decisões. Embora as constituições tenham mecanismos para compensar ausências em casos graves e para garantir que a linha de comando nunca seja perdida, elas não contêm todas as soluções. Acima de tudo, se pensarmos que elas não foram concebidas para enfrentar crises políticas derivadas de fatores exógenos, como uma catástrofe natural.
Imagine o que aconteceria se a pandemia piorasse e os governantes fossem incapazes de tomar decisões. É evidente que uma combinação do avanço da pandemia e seus efeitos com uma hipotética, mas viável imobilidade dos decisores políticos seria mais do que preocupante. Quem tomaria as decisões? As sociedades podem governar-se a si mesmas em contextos de incerteza?
Para evitar mais mortes e um aumento do contágio, os países que desenvolveram planos de vacinação. Nesses, priorizaram pessoas com mais de sessenta anos de idade, médicos e enfermeiros e, em geral, pessoas que trabalham no setor de saúde e estão em contato direto e indireto com pacientes da COVID-19.
A lógica determina que as pessoas que realizam atividades essenciais em segurança pública, coleta e tratamento de resíduos, transporte público, escritórios burocráticos essenciais da administração pública e venda de mercadorias em mercados e supermercados devem ser vacinadas em seguida. Isto seria seguido pelo pessoal do setor educacional em todos os níveis, para não prolongar desnecessariamente a ausência nas salas de aula.
Entre todas as atividades essenciais, a política não parece estar na linha de frente. Então por que vacinar as pessoas que estão na política?
O exemplo como um efeito positivo
Vacinar aos políticos de primeiro nível tem tanto efeitos positivos quanto negativos. Entre os pontos positivos está a construção da confiança nas vacinas. Foi exatamente isso que aconteceu com a família real inglesa quando, em 1957, durante a epidemia de pólio daqueles anos, a rainha Elizabeth II permitiu que seus filhos, o príncipe Charles e a princesa Ana, fossem imunizados com uma vacina que só havia sido desenvolvida um ano antes, o que encorajou o resto da população a seguir seu exemplo e mitigar a propagação.
Em 2002, mais de 40 anos depois, o então Primeiro Ministro Tony Blair foi acusado de “não ter dado o exemplo” quando não revelou se seu filho, de apenas dois anos de idade, havia ou não recebido a vacina polivalente. Semanas antes, um médico inescrupuloso havia afirmado que a vacina poderia causar autismo. Embora fosse uma declaração sem fundamento científico, as mídias sensacionalistas a difundiram, e a aplicação da vacina declinou.
Se Blair tivesse revelado esse detalhe sobre a saúde de seu filho, as coisas poderiam ter sido diferentes. As consequências foram graves para a população em primeiro lugar, mas também para seu governo, que reagiu tarde e mal. Os mitos sobre os efeitos da vacina persistem ainda hoje e no contexto atual da pandemia da COVID-19, as falsas teorias reapareceram.
Eles não o merecem
Existem mais efeitos negativos se os políticos puderem ser vacinados precisamente por causa de sua atividade e não por pertencerem a um grupo etário. Assim como eles podem gerar confiança nas vacinas, é provável que aumentem a desconfiança em relação à política, aos partidos e às instituições.
Isto é ainda mais relevante na América Latina, onde as pesquisas colocam os políticos nos níveis mais altos de desconfiança entre os cidadãos. Se a pandemia mostrou alguma coisa, é que os governos não investem em ciência, na verdade, eles a desprezam. Basta lembrar as declarações de líderes políticos como Jair Bolsonaro no Brasil ou López Obrador no México minimizando a pandemia, a pouca empatia para com as pessoas que viram seus parentes morrerem ou a ânsia de cercar-se de fanáticos incondicionais em vez de especialistas e ouvir os cientistas para projetar estratégias contra a pandemia. Esta situação parece se repetir com governos nascidos de movimentos populistas, como aconteceu com o partido do Movimento 5 Estrelas (M5S) na Itália, cujo líder fez campanha contra a vacinação compulsória e venceu as eleições em 2018.
A pandemia da COVID-19 será resolvida graças aos avanços científicos e tecnológicos, muitos deles desenvolvidos em empresas privadas e universidades, dois setores que nas últimas décadas têm sido desprezados pela política. Talvez seja por isso que os políticos deveriam esperar, porque, com poucas exceções, a maioria deles não merece estar na primeira linha das estratégias de vacinação.
*Tradução do espanhol por Maria Isabel Santos Lima
Autor
Cientista político. Professor da Universidade de Guanajuato (México). Doutorado em Ciência Política pela Universidade de Florença (Itália). Suas áreas de interesse são a política e as eleições na América Latina e a teoria política moderna.