No dia 07 de janeiro, Mark Zuckerberg, CEO da Meta, anunciou que a empresa deixará de fazer checagens terceirizadas de fatos no Facebook e no Instagram e passará a adotar “notas de comunidade”, deixando a conferência da precisão das informações a cargo dos próprios usuários. O fato pegou de surpresa os usuários das plataformas, especialistas e tomadores de decisão.
A regulação das mídias digitais se tornou um dos temas mais pregnantes do debate público – seja em debates especializados em diversas áreas de pesquisa, seja nos embates entre autoridades do Estado e agentes do sistema político – quando o assunto são os desafios colocados pelas grandes transformações da política e das interações sociais na era da comunicação digital.
São muitas as razões elencadas e debatidas por diferentes atores sociais e políticos para que essa agenda tenha ganhado tração na opinião pública. Dentre elas, é possível destacar (a) a falta de transparência sobre decisões internas acerca do funcionamento de mecanismos de visibilidade de conteúdos nas plataformas digitais; (b) a opacidade quanto aos valores arrecadados e distribuídos pelas empresas que gerenciam plataformas que abrigam diferentes contas e canais nas redes digitais; (c) a falta de maior abertura das plataformas para o trabalho de fiscalização e controle por parte do Estado, seja para garantir ações de punição e correção, seja para produzir isonomia em períodos oficiais de campanha eleitoral; (d) a falta de transparência sobre os mecanismos e decisões que incidem sobre o funcionamento dos algoritmos como engrenagens de curadoria e regime de produção de visibilidade.
O tema da regulação das mídias digitais cria uma ansiedade na opinião pública. Se, por um lado, as pessoas percebem que a desinformação é ou pode ser uma ameaça à sociedade, por outro, temem pela perda de sua liberdade de expressão (Jhaver & Zhang, 2023; Kozyreva et al, 2023; Innes & Innes, 2023; Wihbey et al., 2020). Posto isso, o que se verifica é que as pessoas passam a conjugar estes dois fatores na hora de elaborar o seu posicionamento a respeito do nível desejável de controle sobre as mídias digitais. (Jhaver e Zhang, 2023)
Baseado em dados de uma survey nacional com 1.722 entrevistados, uma pesquisa realizada pela FGV (Fundação Getulio Vargas) Comunicação-Rio em agosto de 2023 analisou a percepção dos brasileiros sobre políticas de regulação de conteúdos online como uma ferramenta para a defesa dos valores e das instituições democráticas. Os resultados apontaram que 34,9% dos entrevistados dizem concordar totalmente com a afirmação de que a defesa de valores e instituições democráticas justifica a regulamentação dos conteúdos compartilhados nas redes sociais e 29,3% dos brasileiros discordam totalmente da afirmação. Há também um conjunto de brasileiros com posições não tão demarcadas assim. 19% respondentes concordam em parte com a regulação de conteúdos online para defesa da democracia, 11,5% não concordam e nem discordam e 5,4% afirmam discordar em partes.
Além de evidenciar o dissenso sobre a temática, o estudo aprofunda a análise e identifica que as percepções sobre a regulação de conteúdo online são influenciadas por fatores ideológicos e políticos. De um lado, eleitores de esquerda tendem a apoiar a regulação de conteúdo online como ferramenta protetiva na medida em que tendem a também considerar a desinformação como uma ameaça grave à democracia. Em contraste, eleitores de direita e centro-direita mostram maior resistência às iniciativas de regulação, relativizando os impactos da desinformação nos regimes democráticos. Entre esses grupos em posições opostas, a pesquisa mostra que uma parcela da população, que não se identifica claramente com uma ideologia política, tende a adotar posições mais neutras.
No que se refere ao voto em segundo turno em 2022, verifica-se que entre os entrevistados que manifestaram discordar totalmente com a regulação de conteúdos 89,52% deles escolheram Bolsonaro e apenas 4,5%, Lula. No oposto, entre aqueles que concordam totalmente com a regulação de conteúdo, 82,9% disseram ter votado em Lula e 11,8% em Bolsonaro.
Em termos comparativos, se a discussão sobre a precisão do diagnóstico acerca da polarização das disputas políticas ordinárias pode padecer de muitas fragilidades conceituais, não há dúvidas de que, se o tema for regulação das mídias digitais, temos uma efetiva polarização na sociedade brasileira.
Assim, quando Zuckerberg anuncia o novo posicionamento no que se refere à flexibilização das práticas de moderação de conteúdo e a crítica aberta aos esforços governamentais em responsabilizar as plataformas pelos conteúdos que veiculam, o CEO da Meta faz uma sinalização direta à direita americana, que prioriza a liberdade de expressão como um valor que se sobrepõe a outros direitos fundamentais. A regulação dos conteúdos online passa a ser lida como uma ameaça aos princípios fundamentais da sociedade americana. Adicionalmente, o posicionamento do representante da Meta oferece indícios para uma compreensão atenuada acerca dos riscos da desinformação para a democracia.
Autor
Chefe e professor do Departamento de Comunicação Social e do PGGCOM da UFMG, além de pesquisador associado ao Instituto Nacional de Tecnologia em Democracia Digital (UFMG).
Professor da Escola de Comunicação, Mídia e Informação da Fundação Getulio Vargas e pesquisador associado ao Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital (INCT.DD).
Professora da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Doutora em Ciência Política pelo IUPERJ (atual IESP / UERJ), com Pós-doutorado na Univ. da Califórnia-Irvine.