Esse é, sem dúvida, um ano decisivo para a sociedade brasileira. Ao que tudo indica, iremos às urnas decidir se seguimos aprofundando a miséria social em defesa do mercado desregulado, ou se, mais uma vez, retomamos o frágil pacto de classes e seu pretenso progressismo. Até o momento, essas parecem ser as duas únicas opções que nossas elites políticas têm proporcionado ao Brasil, desde os anos finais da Ditadura Militar e instauração da Nova República, na década de 1980.
No início de janeiro, a Folha de São Paulo lançou uma série de artigos sobre questões econômicas consideradas importantes pelos, até o momento, principais pré-candidatos à presidência do Brasil na eleição deste ano. Economistas que compõem as equipes de Ciro Gomes, Lula, Dória e Moro compuseram essa série. Mudança de modelo econômico, retomada de modelos alicerçados em ilusórios pactos entre os “de cima” e os “de baixo” ou a intensificação do neoliberalismo autoritário, pincelado pelas palavras “eficácia”, “experiência” e “responsabilidade”, foram abordados por cada um dos entrevistados.
Ainda é cedo, mas precisamos compreender qual o entendimento desses pré-candidatos acerca da declarada guerra entre capital e populações que vivemos no Brasil e de qual lado eles realmente estão. Ademais, entender como esses presidenciáveis pretendem tratar um tema que tem ganhado novo destaque na mídia: a expulsão de brasileiros que volta a crescer.
Como estes candidatos tornarão cidades de médio e pequeno porte atrativas para seus jovens, que, sem perspectiva alguma, migram e tornam-se mão de obra barata? Como segurarão nossos pesquisadores que, semanalmente, ganham destaque midiático através da dita “fuga de cérebros” e, consigo, levam anos de investimento público em ciência e tecnologia?
Afinal, o que queremos? Seguir insistindo em um modelo excludente, sustentado pelo conto do desenvolvimento econômico pela via agrícola e do varejo, e que segue expulsando milhares de brasileiros para as fronteiras dos Estados Unidos e União Europeia ou adotar um modelo de sociedade, de fato, inclusiva?
Brasil, país de emigração
As sucessivas saídas de brasileiros, nas últimas quatro décadas, são fruto de uma conjuntura socioeconômica e política que se desenha desde o final da Ditadura Militar. Contudo, ganham maior visibilidade midiática e acadêmica, quando crises econômicas explodem. A cada vez, presenciamos uma massiva emigração de brasileiros para países centrais, em busca de melhores condições de vida; brasileiros deportados nas fronteiras terrestres e aeroviárias ou desaparecidos em rotas clandestinas. Vivemos esse drama na passagem das décadas de 1980 para 1990, início da década de 2000 e agora.
Recentemente, matérias apontam um alto crescimento de brasileiros emigrando. Estimativas do Ministério das Relações Exteriores indicam mais de 4 milhões. Os números, sem dúvida, são maiores, pois não contabilizam brasileiros indocumentados. Repetidamente, o motivo central apontado, pela mídia, é a corrente crise econômica que vivemos. Alto desemprego formal, encarecimento do custo de vida e falta de perspectiva estão dentre os fatores que sugerem essa saída. Porém, a emigração de brasileiros é, em boa parte, sintoma do excludente modelo econômico que adotamos nos anos de 1980 e seguimos insistindo.
O período da Nova República, ainda vigente, marca o fim de um longo ciclo desenvolvimentista nacional, iniciado na década de 1930, e intensificado nos anos 1950. Um projeto que ambicionava tornar o Brasil, que se urbanizava, em um país industrializado e exportador de manufaturados, menos desigual e capaz de atender às crescentes demandas populares. Porém, ele é desvirtuado e levado à exaustão pelos governos militares, que contraem uma enorme dívida externa, entre 1970 e 1980. É o início da Década Perdida e não entramos sós. Washington e Wall Street cuidadosamente levaram a América Latina toda.
Equivocadamente, o projeto desenvolvimentista míngua abraçado com a famigerada Ditadura Militar, na medida em que restauramos a democracia. A abertura comercial indiscriminada, a liberalização do investimento estrangeiro sem controle, as privatizações de empresas estatais estratégicas e a desregulamentação de mercados que vêm em seguida geraram um preço social altíssimo. Desde então, os sucessivos governos civis têm primado por uma orientação econômica dependente e associada aos interesses externos. Um modelo econômico que nos posiciona na periferia da divisão internacional do trabalho, que corrói nosso tecido tecnológico e industrial e nos torna reféns da exportação de matéria-prima. Ao mesmo tempo, segue empurrando nossa população para setores de serviços não sofisticados e informais.
Não é exagero pensarmos que o modo de produção predatório adotado e o seu impacto sobre a nossa população é um modo de destruição em escala avançada. Vivemos guerras raciais e de classe no Brasil. Algumas são originárias em nossa formação, como as vividas por indígenas e negros. Muitas são declaradas pelo agronegócio e a mineração contra povos tradicionais e nossos biomas. Outras, são produzidas por milionários aplicativos que se alimentam da precariedade de trabalhadores informais.
Um projeto que supere a expulsão de brasileiros
Logo, não é estranha a palavra “expulsão”, no título da matéria. Essa é a condição que melhor exprime o que se vive nesse país em guerra camuflada e que produz milhares de derrotados. Há quase quarenta anos, temos um projeto político neoliberal dependente que se metamorfoseia, através de sucessivas crises econômicas, e tem, nas tacanhas elites nacionais, o suporte para seguir massacrando a maior parte da nossa própria população. Os que perdem são expulsos.
Há aqueles que podem e querem deixar o país. Mas há, também, uma grande massa de brasileiros que, sem opção, enfrentam os dilemas e tragédias da imigração. Quando vencem a jornada migratória, tornam-se subproletários baratos e indocumentados, prontos para atender as necessidades imediatas dos países desenvolvidos.
Somos um país que vê sua população crescer e envelhecer. Demandas por educação, renda digna, saúde, alimentação e habitação são, cada vez mais, expressivas. São direitos que estão em nossa Constituição. Porém, para muitos, são apenas alcançados através da emigração em massa, um cruel e subalterno processo de entrega de força de trabalho para nossos “parceiros comerciais”. Não resta dúvidas de que esse modelo econômico é falho e precisa ser superado. Mas, o quanto estamos, de fato, dispostos a tal façanha?
Precisamos de um projeto nacional de longo prazo, capaz de superar esse modelo econômico dependente que, com Bolsonaro e Guedes, mostra a sua pior face. Um planejamento capaz de nos direcionar para uma sociedade mais igualitária, inclusiva e com melhor distribuição de riqueza, por meio de empregos dignos e com direitos trabalhistas assegurados para todos. Essa é uma resposta para os mais de 4 milhões de brasileiros documentados e indocumentados no exterior, e para aqueles que, sem perspectiva alguma de futuro, possam, ao menos, considerar a possibilidade de permanecer no país.
Autor
Professor da Universidade Estadual de Montes Claros - UNIMONTES (Brasil). Doutor em Sociologia pela Goldsmiths University of London. Especialista em migração internacional de brasileiros e regimes fronteiriços.