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O lawfare existe e não é patrimônio de nenhuma ideologia

O lawfare não é um fantasma, mas um conceito translúcido que atravessa a América Latina. Trata-se de uma ideia que tem sido incorporada pela esquerda à política latino-americana nos últimos anos. E, segundo o Wikipedia, se define como “perseguição judicial, instrumentalização da Justiça, judicialização da política, guerra jurídica ou guerra judicial (em inglês, lawfare). É uma expressão usada para se referir à utilização abusiva ou ilegal das instâncias judiciais nacionais e internacionais, mantendo uma aparência de legalidade, para desqualificar ou provocar o repúdio popular contra um oponente”.

Parece, segundo documentos, que o conceito e sua instrumentalização política foram desenhados por um militar norte-americano no contexto de críticas aos Estados Unidos em relação às violações de direitos humanos em suas intervenções militares em países estrangeiros.

O certo é que o conceito político foi contundentemente incorporado à política latino-americana há alguns poucos anos a partir dos juízos políticos ou jurídicos de Rafael Correa, Dilma Rousseff e Luiz Inácio “Lula” da Silva em seus respectivos países. Na atualidade, o termo está sendo incorporado por Cristina Kirchner e pelo oficialismo argentino para definir os processos judiciais que encurralam a vice-presidente.

A incorporação do termo por setores da esquerda tem sido utilizada para apontar certos processos judiciais como formas políticas da direita para perseguir e proscrever líderes, o que não está sendo julgado nessas linhas. Mas devido a sua origem, o termo ficou marcado no imaginário da política latino-americana como um conceito utilizado pela esquerda para se referir a um instrumento da direita.

Esta incorporação vibrante do conceito na política latino-americana merece levar em conta duas questões. Por um lado, a subjetividade política do termo, entretanto, dando que foi incorporado do discurso de “esquerda” como arma proveniente da “direita” para perseguir lideranças políticas, implica que, em última instância, o conceito de lawfare foi interpretado em uma única direção. De fato, embora Donald Trump o tenha utilizado para desacreditar as provas contra ele, a “direita” latino-americana não o incorporou em seu léxico político, assumindo que é só uma falácia da “esquerda”.

Por outro lado, dada a possível intencionalidade política na utilização do termo lawfare, – basta mencioná-lo para desacreditar absolutamente qualquer ação judicial sobre política – torna-se muito difícil definir qual ação judicial tem bases jurídicas sólidas e qual é simplesmente utilizada como arma política. Mas a anulação da sentença do ex-presidente Lula no caso liderado pelo ex-juiz Moro no âmbito do caso Lava Jato, precisamente por aplicação de lawfare, confirma sua existência e justifica sua incorporação.

Se revisarmos o mapa político latino-americano, mesmo antes do conceito de lawfare se “popularizar”, há uma longa lista de ex-presidentes considerados de direita que foram acusados judicialmente e afastados da arena política. Carlos Salinas de Gortari, ex-presidente do México, foi processado por delitos de corrupção junto ao seu irmão durante seu sexênio (1988-1994). Fernando Collor de Mello, ex-presidente do Brasil, sofreu um juízo político por corrupção (impeachment) que o retirou cedo da presidência em 1992. Carlos Saul Menem, duas vezes presidente da Argentina (1989-1995 e 1995-1994), foi processado posteriormente, acusado de vários delitos de corrupção e preso durante um breve período. Mais tarde se candidatou a Senador (foi eleito) para se beneficiar de privilégios políticos e ficar isento de novas penas judiciais. Alberto Fujimori, três vezes eleito presidente do Peru e que fugiu do país quando vários processos judiciais foram abertos contra ele, está atualmente preso em seu país. Gonzalo Sánchez de Losada, duas vezes presidente da Bolívia (1993-1997 e 2002-2003), foi posteriormente julgado e condenado em sua ausência dada sua estadia permanente nos EUA, enquanto Abdalá Bucaram, presidente do Equador, foi destituído do cargo em 1997.

A lista segue e se estende a grande parte dos países da região. E embora na maioria dos casos pareça não haver dúvidas quanto à fundamentação das acusações que levaram esses ex-presidentes a julgamento diante de flagrantes de corrupção, incorporando o termo lawfare na política regional, surge a pergunta: algumas dessas acusações foram perseguições judiciais? Se o termo já tivesse sido instaurado na política regional, teria sido utilizado pelo acusado e sua estrutura política?O lawfare, além das enormes dificuldades para confirmá-lo, existe e não é patrimônio de nenhuma ideologia. Entretanto, na atualidade, sua utilização unidirecional põe em questão sua real natureza, seu fundamento jurídico e, portanto, sua legitimidade política.

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Diretor da Licenciatura em Ciência Política e Governo da Universidade Nacional de Lanús. Professor da Faculdade de Ciências Sociais da Univ. de Buenos Aires (UBA). Formado em Sociologia pela UBA e em Ciência Política pela Flacso-Argentina.

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