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Lula vs. evangélicos: a polarização acabou?

Coautor David Samuels

O que esperar da relação de Lula com o movimento evangélico? Durante a campanha presidencial, líderes evangélicos louvaram Bolsonaro e demonizaram Lula. A título de exemplo, o “pastor pop” Claudio Duarte, com 7 milhões de seguidores no Instagram, afirmou que bons cristãos votavam em Bolsonaro. Na mesma linha, Silas Malafaia, um dos mais aguerridos dos aliados de Bolsonaro, disse que Lula era “uma vergonha” e Michele Bolsonaro, o elo entre seu marido e os líderes evangélicos, disse que Lula era “o pai da mentira”. Graças a esse estilo discursivo, grande parte dos observadores concluíram que não haveria esperança de que os evangélicos fizessem as pazes com Lula e o Partido dos Trabalhadores.

Entretanto, as aproximações recentes de lideranças evangélicas-chave, como Edir Macedo (que pediu para que seus fiéis perdoassem Lula), e o governo eleito sugerem que o abismo entre evangélicos e petistas não seja intransponível. Primeiro, é importante lembrar que Macedo se aliou a Lula no passado. Seu partido (então, PRB – hoje, Republicanos) participou ativamente do governo petista, tendo Marcelo Crivella, seu sobrinho e apadrinhado político, como Ministro da Pesca. Em segundo lugar, a oposição do eleitorado evangélico a Lula nunca foi monolítica. Ainda em maio deste ano, o instituto Datafolha divulgou que, enquanto 39% dos evangélicos apoiavam Bolsonaro, 36% apoiavam Lula. Ao final do segundo turno, depois de um intenso lobby de líderes evangélicos dentro das igrejas em apoio a Bolsonaro, essa distância cresceu e o apoio evangélico a Bolsonaro chegou a 61%. No entanto, Lula caiu apenas 4 pontos e manteve o apoio de 32% do eleitorado evangélico. Bolsonaro abriu uma vantagem considerável em relação à Lula, mas esse aumento vertiginoso do apoio evangélico próximo às eleições indica que este pode ser efêmero e prestes a se dissipar.

Outro motivo, talvez ainda mais importante para a aproximação dos dois grupos, seja a inviabilidade da manutenção das igrejas evangélicas na oposição ao governo Lula – ou a qualquer governo. O mercado religioso brasileiro, cada vez mais competitivo, exige que líderes evangélicos se dediquem a angariar recursos estatais para operar e expandir. Primeiro porque os recursos limitados dos membros dessas igrejas não são suficientes para o pagamento de suas obrigações, já que aproximadamente dois terços dos evangélicos vivem com menos de um salário mínimo. As igrejas neopentecostais sobretudo (setor religioso que mais se expande no país) precisam demonstrar a conquista de sucesso financeiro com a construção de igrejas cada vez mais suntuosas e a manutenção do estilo de vida opulento de seus pastores, dada a centralidade da teologia da prosperidade nos seus cultos.

Uma vez que não podem contar apenas com seus fiéis, líderes evangélicos miram os cofres públicos. Por meio de seus representantes no Congresso, as igrejas evangélicas competem pelo acesso a recursos estatais que podem ser redistribuídos entre os seus seguidores, de modo a garantir vantagens competitivas no mercado religioso. Afinal, um dos apelos-chave das igrejas evangélicas são os serviços que elas prestam às populações mais vulneráveis – serviços esses caros e que requerem um influxo constante de recursos. As igrejas evangélicas também buscam influenciar o conteúdo de inúmeras políticas públicas, incluindo: o acesso e a regulação dos meios de comunicação de massa, como TV, rádio e mídias sociais; a isenção de impostos e taxas sobre imóveis, veículos e atividades das igrejas; e a regulação de políticas educacionais, como reformas curriculares. Dada a necessidade de recursos e influência, líderes evangélicos têm motivos contundentes para trabalhar com e não contra o governo.

Por fim, Lula precisa tanto do apoio evangélico quanto os evangélicos precisam do apoio de Lula. Ao lidar bem com os líderes evangélicos, Lula e o PT podem trazer benefícios consideráveis para o mandato e para as próximas eleições presidenciais. Afinal, mesmo que Bolsonaro tenha conseguido apoio de uma base ampla e difusa, falta a ele um partido político. Sem um partido, é improvável que ele consiga construir e comandar uma oposição sólida ao governo de Lula. Deputados do centrão, provenientes de diversos partidos, também precisam acessar os recursos do governo, e Lula – um líder com popularidade e resiliência comprovadas – permanecerá não só um ator-chave, mas alguém que pode se tornar ainda mais popular se seu mandato for bem sucedido. Os políticos brasileiros são especialistas em saber para onde os ventos sopram – e neste momento, os ventos favorecem Lula. A depender da ocorrência de possíveis crises econômicas e políticas, a polarização entre o presidente eleito e os evangélicos tende a arrefecer.

David Samuels é um cientista político americano e professor de Ciência Política na Universidade de Minnesota, EUA, PhD da Universidade da Califórnia, San Diego. Ele é especialista em política comparativa e política brasileira.

Autor

Mestre em Ciência Política pelo IESP/UERJ. Candidata a Doutora em Ciência Política pela Universidade de Minnesota (Estados Unidos).

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