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Uma reflexão sobre os 50 anos do golpe militar no Chile

A comemoração dos 50 anos do golpe militar no Chile convida à reflexão sobre o colapso da ordem republicana, democrática e presidencial. Em uma perspectiva republicana e democrática, a desconcentração do poder, o estado de direito, a deliberação e a participação cidadã são essenciais. O colapso desses pilares impede a garantia da liberdade, o respeito aos direitos humanos e o Estado de Direito, e nos aproxima da violência como solução para os conflitos. Assim, surge a pergunta sobre quais foram os fatores que levaram a esse trágico desfecho.

As explicações são diversas. Algumas posições enfatizam que o “esgotamento do modelo de substituição de importações” levou ao descontrole inflacionário desde o governo Ibanez. Outras enfatizam que o contexto da Guerra Fria polarizou partidos com ideologias opostas, o que incentivou movimentos centrífugos que promoveram a busca por “utopias” ou ” planejamentos globais” nos governos das décadas de 1960 e 1970.

Outras abordagens enfocam a responsabilidade dos atores políticos com partidos que adotaram estratégias separatistas tanto na oposição quanto no governo, e um presidente incapaz de encontrar uma saída democrática para o conflito.

A América Latina sofreu vários golpes semelhantes nesse período, levantando a ascensão do estado burocrático autoritário ou explicações que sugerem que as rupturas são o resultado do mal endêmico do presidencialismo. Embora haja consenso de que se trata de um problema multifatorial, a discussão ainda está aberta.

Assim, uma dimensão do colapso da democracia chilena em 1973 pode ser examinada por meio da constante colisão entre uma figura presidencial, à qual foi originalmente atribuída um caráter reformista, e um Congresso experiente, resultado de uma longa trajetória e disposto a usar suas prerrogativas para conter as irrupções presidenciais. A origem dessa história pode ser situada na busca pela revitalização do presidencialismo em 1925.

A arquitetura institucional de 1925 procurou conter as práticas parlamentares e dar ao presidente um papel preponderante no sistema político, a fim de liderar a iniciativa de reformas estruturais que buscavam remediar os problemas da “questão social” e a demanda por novos atores sociais. Não devemos nos esquecer de que essa nova ordem foi criada sob a tutela militar, que já estava presente nessa época na política chilena e latino-americana.

Entretanto, esse projeto institucional não continha os sedimentos da prática política que haviam sido internalizados no período histórico anterior (1871-1925). Isso possibilitou a consolidação de um Congresso que era um contrapeso eficaz à investida de um Executivo sempre ameaçador.

Um elemento central do período político entre 1925 e 1973 foi a urgência de reformas estruturais para modernizar o Estado e atender às demandas sociais. Em termos políticos, o Executivo renovado enfrentou um eleitorado diversificado e volátil, resultado de reformas como a eliminação do sufrágio censitário e a inclusão de mulheres nas listas eleitorais (1949), além do uso da cédula única, o que dificultou maiorias estáveis.

Os partidos cobraram protagonismo, criando raízes no território e exercendo influência sobre o Congresso, que tinha a capacidade de mobilização e influência informal no Poder Executivo. Um presidente sem maiorias e distante de partidos ou coalizões frágeis carecia do poder para colocar em prática reformas reais.

Assim, embora na teoria o presidente tivesse grande poder, na prática (devido à sua minoria no Congresso) sua influência não era tão sólida quanto se pensava. O Congresso Nacional, nesse período, atuou como um fator chave de veto, e os presidentes enfrentaram seu poder em muitos momentos históricos de 1932 a 1973. Mencionemos os governos da Frente Popular (1936-1941), em que a manutenção da coalizão desgastou o presidente, que enfrentou pressões de seu partido, inclusive na formação do gabinete. Um caso notável é o governo radical de Pedro Aguirre Cerda (1938-41), no qual as divergências sobre o gabinete levaram ao extremo de considerar sua renúncia.

Além disso, deve-se ressaltar que dos 27 anos entre a presidência de González Videla em 1946 e o governo de Salvador Allende, em 19 anos o presidente se viu em uma posição minoritária no Congresso. Isso, sem dúvida, forçou o presidente a construir (na medida do possível) uma relação de cooperação ou negociação com o Congresso e a oposição.

Pelo contrário, quando o presidente adotou uma atitude mais desafiadora diante de um Congresso adverso, o resultado foi bastante prejudicial. Um exemplo disso é o caso de Salvador Allende (1970-73) e sua tentativa de implementar uma agenda reformista por meio de mecanismos não acordados com o Congresso, com o uso de decretos, leis e intervenções no setor. Essa estratégia lhe trouxe uma oposição ferrenha por meio de várias acusações constitucionais contra ministros e até mesmo uma tentativa contra o próprio presidente (1973), sem mencionar o bloqueio de sua agenda legislativa.

 Essa discordância institucional afetou vários presidentes. Por exemplo, Carlos Ibáñez (1952-1958) declarou em sua mensagem de 1955 que resistir à tendência parlamentar dificultava a ação presidencial, razão pela qual ele defendia reformas constitucionais. Jorge Alessandri (1958-1964) propôs a limitação dos poderes parlamentares em 1964 e o aumento do poder executivo. E Eduardo Frei Montalva buscou fortalecer o presidente em 1964 e 1969, em resposta aos conflitos institucionais que impediam as reformas necessárias.

Nesse processo de aprendizado, houve um progresso gradual com a promulgação da Lei 17.284, resultado do debate no Congresso sobre o projeto de lei de Frei Montalva (1969). Essa lei deu status constitucional aos decretos com força de lei, limitou a iniciativa parlamentar nos gastos públicos e em algumas áreas jurídicas, melhorou o mecanismo de urgências em favor do presidente, criou o Tribunal Constitucional (TC) e permitiu a convocação de plebiscitos.

Esses ajustes institucionais chegaram tarde, sem tempo para se firmarem. No momento da ruptura, os políticos forçaram um sistema desgastado a entrar em colapso. O colapso da democracia chilena há 50 anos e suas trágicas consequências nos convidam a reavaliar os projetos institucionais que equilibram os poderes e a importância de ter políticos comprometidos com a ordem republicana e democrática.

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Cientista político e Diretor do Departamento de Sociologia, Ciência Política e Administração Pública da Universidade Católica de Temuco (Chile). Doutor em História e Master em Ciência Política pela Pontifícia Universidade Católica do Chile.

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