Há um ano, sete ex-presidentes latino-americanos e onze ex-chanceleres (além de outros ex-ministros e ex-deputados) enviaram uma carta aberta aos atuais presidentes sul-americanos reivindicando a União das Nações Sul-Americanas (Unasul), que, em sua opinião, “é a melhor plataforma para reconstituir um espaço de integração na América do Sul”. Referindo-se a um estudo muito legalista do ex-chanceler equatoriano, Guillaume Long, os signatários argumentaram que “a Unasul ainda existe”. Nos meses seguintes, vários presidentes latino-americanos declararam, em diferentes ocasiões, que queriam avançar na integração sul-americana e retornar a Unasul. Quando o presidente Lula convidou seus homólogos à Brasília no final de maio de 2023, a expectativa geral era que se trataria do tão anunciado relançamento da Unasul. No dia da reunião, o El País publicou um apelo enfático do ex-secretário-geral da Unasul, Ernesto Samper, sobre “O necessário ressurgimento da Unasul”.
Mas na declaração final da reunião presidencial no Brasil, o chamado Consenso de Brasília, a Unasul não é nem uma única vez. Em vez disso, os presidentes concordaram em “estabelecer um grupo de contato, encabeçado pelos chanceleres para avaliação das experiências dos mecanismos de integração sul-americana e elaboração de um roteiro para a integração da América do Sul, a ser submetido à consideração dos chefes de Estado”. Quatro meses depois, em 5 de outubro, o projeto foi aprovado pelos governos sul-americanos. De novo, não há referência à Unasul. Em vez disso, o roteiro propõe “priorizar iniciativas concretas, com um impacto positivo nas condições de vida das populações e que não dupliquem os esforços já encaminhados em outros mecanismos de cooperação”. Ademais, propõe fortalecer o diálogo em áreas específicas e estabelecer um calendário de reuniões setoriais.
Apesar das declarações e dos estudos que supostamente demonstram que a Unasul está viva, não há sinais de ressurgimento ou vida. A Unasul parece um fantasma que aparece de vez em quando no horizonte, mas depois desaparece no ar. O roteiro para a integração sul-americana não define a Unasul como seu objetivo final. Em vez disso, há indícios de uma reorientação do debate sobre a integração sul-americana que toma as experiências do passado como ponto de partida. Em um contexto de polarização política entre governos de direita e esquerda, a Unasul perdeu força quando as preferências dos Estados membros começaram a divergir sobre os objetivos e o valor estratégico da organização regional. O destino da Unasul foi selado quando a Venezuela bloqueou a eleição de um novo secretário-geral para evitar qualquer risco de que ele pudesse criticar o regime.
O resultado da cúpula de Brasília demonstra o fracasso de um enfoque de regionalismo mágico, tingida de nostalgia, que supõe que a mera vontade e imaginação impulsionarão a integração, ignorando uma dura realidade prosaica. Declarações grandiosas de ex-presidentes não bastam para impulsionar o processo de integração se os políticos em exercício não concordarem com o caminho e os objetivos da integração. Por exemplo, na cúpula de Brasília, com as palavras “basta de instituições”, o presidente uruguaio Lacalle Pou questionou a necessidade de outra organização regional sul-americana.
A não reativação da Unasul tem aspectos positivos. Parece que o regionalismo sul-americano está se afastando de um regionalismo mágico para um regionalismo pragmático que tira lições das experiências positivas e negativas do passado. Isso inclui blindar melhor as instituições regionais contra os caprichos e as flutuações ideológicas da política. Ao mesmo tempo, deveriam aproveitar as experiências positivas dos conselhos setoriais da Unasul, como o Conselho Sul-Americano de Saúde ou o Conselho Sul-Americano de Infraestrutura e Planejamento. Um enfoque pragmático significa reconstruir o espaço de integração na América do Sul que a Unasul representou de baixo para cima. Os objetivos e as atividades listados no roteiro apontam nessa direção.
Tendo como pano de fundo a experiência da Unasul, mas também a atuação das organizações regionais durante a pandemia, é aconselhável adotar um enfoque mais técnico, setorial e pragmático da cooperação regional, o que poderia facilitar a cooperação em temas de interesse comum entre governos ideologicamente opostos. Isso não impede que os presidentes sul-americanos se reúnam de vez em quando e invoquem o fantasma da Unasul. Mas essas reuniões não são o centro do processo de integração sul-americana. Um enfoque pragmático pode carecer a magia e os fantasmas dos grandes discursos, mas poderia conduzir a melhores resultados e estruturas mais estáveis para a integração regional. Para superar a crise do regionalismo na América do Sul, as instituições regionais devem produzir resultados que correspondam a seus objetivos declarados e demonstrar sua utilidade. Só assim será possível superar o ceticismo sobre o grau de contribuição dos projetos e instituições regionais para a solução dos problemas da América do Sul.
Autor
Pesquisador associado do German Institute for Gobal and Area Studies - GIGA (Hamburgo, Alemanha) e do German Council on Foreign Relations (DGAP). Foi Diretor do Instituto de Estudos Latino-Americanos e Vicepresidente do GIGA.