Neste ano, haverá as eleições simultâneas mais copiosa da história do México, na qual a primeira presidenta da República será eleita, o Congresso da União será totalmente renovado, serão eleitos novos governos estaduais, mais de duas mil prefeituras e os trinta e dois Congressos locais. Entretanto, o que poderia ser uma simples rotina democrática está longe de sê-lo e, paradoxalmente, o dilema está inscrito na matriz: democracia vs. autocracia.
A transição à democracia foi produto de uma série de pactos legislativos que foram dotando o país de uma série de instituições que dissiparam a desconfiança que havia sido o selo das relações interpartidárias. A partir desse momento crepuscular, a incerteza na disputa por votos foi uma constante, a ponto de provocar o fim do chamado “partido de Estado” e a chegada dos processos de alternância nos três níveis do poder político (municípios, estados e presidência da República).
No entanto, a chegada ao poder de Andrés Manuel López Obrador e sua proposta de mudar o regime neoliberal, administrado por sucessivos governos do PRI e do PAN entre 1982 e 2018, derivou em um regime de corte populista de esquerda. Trata-se de um projeto que primeiro se aglutinou ao redor do Partido da Revolução Democrática, sob o emblema da coalizão “Para o bem de todos, primeiro dos pobres”, que disputou a presidência em 2006 e 2012, e depois se transformou no partido Movimiento de Regeneración Nacional (Morena), transformado na coalizão “Juntos fazemos história”. Sob esse lema, obteve um triunfo esmagador nas eleições de 2018 e se tornou o primeiro presidente a ser o produto de uma confluência de diferentes forças de esquerda.
Quem votou por uma mudança de corte social-democrata na qual coexistiriam civilizadamente o Estado social e o grande capital, o partido governista com a oposição e o fortalecimento das instituições da democracia, rapidamente se desencantaram.
O presidente López Obrador se distanciou, desde o início, do grande capital ao cancelar o projeto do aeroporto da Cidade do México, com perdas milionárias para as finanças públicas. O Congresso da União, que havia sido o cenário das negociações e transformações democráticas dos últimos trinta anos, foi capturado pelo discurso de que era necessário “acabar de vez com o velho regime de compromissos políticos”.
Essa mudança passou por colocar os ministros, magistrados e juízes do Judiciário à prova nas urnas. Isso não conseguiu se concretizar porque o partido do presidente e seus aliados não têm votos suficientes para mudar a Constituição e introduzir essa figura eleitoral.
Entretanto, o empenho não cessou apesar dos fracassos no Senado da República e o presidente convocou seus apoiadores para tornar o Plano C uma realidade nas eleições da próxima primavera. O plano consiste em alcançar a maioria qualificada no Congresso para realizar reformas constitucionais que facilitariam o controle do Poder Judiciário.
Rumo a uma autocracia sui generis
Atualmente, o país transita de um sistema democrático representativo para uma autocracia de esquerda populista sui generis. E os cidadãos deverão decidir com seu voto nas eleições de primavera, se querem ou não consolidar essa tendência.
Os cidadãos também deverão decidir se querem deter ou não a militarização que atingiu níveis nunca vistos no país graças às múltiplas atribuições que o presidente concedeu às forças armadas, apesar de ter dito em 2018, em plena campanha eleitoral, que “os militares voltarão aos quartéis durante meu governo”.
O executivo pretende levar adiante uma reforma constitucional para que a Guarda Civil, colocada em operação pelo governo com mando civil, passe a ter mando militar. E isso cobra um significado particular após o fracasso da estratégia de “abraços e não balas”, que resultou em 173.000 homicídios intencionais até novembro de 2023.
Nas próximas eleições, os cidadãos também deverão decidir se dão ou não a maioria qualificada ao Morena e seus aliados, com a qual poderão eliminar os órgãos autônomos que o presidente considera que “não servem para nada”. Um deles é o Instituto de Acesso à Informação Pública, que atende solicitações cidadãs de informação do gasto de recursos públicos em folhas de pagamento, contratos e concessão de licenças a indivíduos para a exploração de recursos nacionais. O Instituto Federal de Telecomunicações (IFT), a Comissão de Concorrência Econômica (COFECE) e a Comissão Reguladora de Energia (CRE) também estão na mesma situação.
Em suma, os desafios eleitorais para 2024 não são pequenos, e os mexicanos deverão decidir entre apostar por preservar as chamadas instituições da democracia ou avançar em direção ao projeto autocrático da 4T.
Autor
Professor da Universidade Autônoma de Sinaloa. Doutor em Ciência Política e Sociologia pela Universidade Complutense de Madri. Membro do Sistema Nacional de Pesquisadores do México.